D. Sebastião canta “Like a Virgin”, de Madonna, para explicar como foi derrotado em Alcácer-Quibir. Martim Moniz entala um turista numa porta do Castelo de São Jorge para mostrar o quanto custa. Os mouros, de repente, são Pauliteiros de Miranda. Fernando Pessoa vai com Camões a Alfama ouvir Amália cantar o fado. E Napoleão prepara-se para a quarta invasão francesa, mas não consegue arranjar quarto em Lisboa porque está tudo sobrelotado pelos turistas.

“The Portuguese – a Musical Comedy” apresenta-se como a primeira comédia musical em inglês dirigida a turistas e estrangeiros que visitam Lisboa. A estreia acontece neste sábado, às 18h30, no Auditório dos Oceanos do Casino Lisboa.

O texto pertence a Filipe Homem Fonseca e Rui Cardoso Martins – que foram guionistas das Produções Fictícias e autores da conhecida série “Conversa da Treta”, com José Pedro Gomes e António Feio. A peça tem dez atores e dura pouco mais de uma hora. É falada em inglês, mas inclui legendagem eletrónica, a pensar no público português.

Não é certo que os turistas saiam mais esclarecidos do que quando entraram, porque a História de Portugal é apresentada aos solavancos e toda a ordem dos acontecimentos é subvertida. Uma coisa o público ficará a saber: que em Portugal, quando não sabemos o que fazer, improvisamos. Quando temos “unforeseeable circumstances” só temos que “desenrascate”, explica uma das personagens.

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“É uma amálgama cronológica, misturámos tudo”, resume Rui Cardoso Martins. “O que se passa nesta história é totalmente incongruente, só tem a congruência do humor e da boa disposição e de algum sarcasmo sobre a nossa história e a relação dos portugueses com os estrangeiros. Eu e o Filipe gostamos de mundos que colidem e gostamos de experiências novas. Estamos a fazer uma coisa nova em Portugal, já fizemos outras, e a ideia é divertir”, acrescenta.

O Observador assistiu a um ensaio na sexta-feira à tarde, com orquestra ao vivo e todas as canções com som direto. O espetáculo abre com uma viagem musical por algumas regiões do país, do Minho aos Açores, numa espécie de postal cantado, com o mapa em fundo e imagens aéreas de praias, planícies, montanhas e monumentos. A seguir, o público fica a saber que o espetáculo não pode continuar, porque um dos atores faltou, está de ressaca. Mas alguém se lembra que o melhor é fazer à portuguesa. “Do you want us to desenrascate a play for you?”

“Lançamos aqui a ideia de criar em inglês um verbo português que não existe noutras línguas: o desenrascar, ou ‘desenrascate’, que é a força motriz da peça”, comenta Rui Cardoso Martins.

A história propriamente dita começa com a chegada ao aeroporto de um casal de turistas (que podem ser de qualquer país). Apanham o metro ao lado de D. Afonso Henriques e da mãe, os dois com banquinhos de madeira, para não terem de ir de pé. Ao chegar ao Rossio, o casal percebe que perdeu as malas. E, de repente, começa um sonho surreal que inclui uma viagem pela história do país.

“Tivemos de fazer um exercício de inversão do nosso próprio pensamento e da nossa linguagem, porque, a partir do momento em que nos pediram um texto cómico em inglês, para estrangeiros, sobre portugueses, tivemos de pensar o que é que poderia ter graça em português e que depois também funcionasse em inglês, para um público que conhece mal Portugal. Partimos de lugares-comuns portugueses. O particular, quando é forte e bem definido, tem sempre um valor universal. É assim que se faz a maior parte das obras literárias: uma coisa particular com dimensão universal”, afirma Rui Cardoso Martins.

A música inclui os fados mais conhecidos de Amália Rodrigues e até os Abba. Muitas vezes, aparece tudo misturado na mesma sequência. De Michael Jackson a Suzanne Vega, dos Beatles às Spice Girls, de Serge Gainsbourg à música popular da Madeira.

Quando os dois turistas chegam ao Chiado, sentam-se junto à estátua de Fernando Pessoa e descobrem que ele acordou naquele dia como Ricardo Reis. Vão os três passear de tuk-tuk pela cidade. Salazar joga à batota com James Bond. Cristiano Ronaldo aceita uma proposta de casamento que ninguém lhe fez. A Padeira de Aljubarrota canta Spice Girls e tem porta aberta como Brites de Almeida Bakery.

“Quando começámos a pensar nisto, não estávamos à espera que Lisboa tivesse a explosão de turismo dos últimos dois anos”, conta Rui Cardoso Martins. “Há dois anos e tal, Portugal era o pária da Europa, com a questão da crise e da dívida. E agora acontece o contrário. Veja-se o caso da Madonna. Não me causou nenhuma emoção especial o facto de ela ter vindo viver para Portugal. No entanto, quando vi o vídeo dela a cantar Elvis Presley com a Celeste Rodrigues, numa casa de fado da velha Lisboa, pensei: ‘O nosso espetáculo está plenamente justificado.’ Porque aquilo já não é o cosmopolita e o antigo lado a lado, aquilo já deu a volta várias vezes, já chega a um público universal, ainda por cima gravado com meios rudimentares. Achei muito bonito. Aqui temos uma homenagem à irmã dela, a grande Amália, e também temos Madonna.”

A ideia de fazer “The Portuguese – a Musical Comedy” é da atriz Ana Brito e Cunha, que assume a direção artística. A encenação é de Sónia Aragão e a direção musical pertence a Artur Guimarães, com António Andrade Santos, André Galvão e Tom Neiva.

O quadro sobre Alfama e o fado é também uma homenagem a Amália, que tira uma “selfie” com o casal de turistas

A peça começou a ser pensada no fim de 2015, quando o empresário Miguel Ribeiro Ferreira, do grupo Fonte Viva, propôs a Ana Brito e Cunha o investimento em projetos artísticos para o grande público. “Na primeira reunião, o Miguel disse que sentia falta de espetáculos para turistas em Portugal. E eu pensei logo em fazer uma comédia sobre a História de Portugal”, recorda a atriz

Primeiro com a produtora Força de Produção, que fez o convite aos dois escritores, e agora com a Plano 6, o espetáculo nasceu. Os ensaios iniciaram-se em setembro do ano passado, em Benfica, e já nas últimas semanas no Auditório dos Oceanos.

“É uma forma de apresentar os portugueses aos turistas, mas não é uma aula de história, porque isso os turistas encontram nas visitas aos monumentos”, explica Ana Brito e Cunha. “É um dar a conhecer as nossas características típicas: gostamos de receber bem, de comer bem, somos fado, mas até somos alegres, e temos uma qualidade em que ninguém nos bate: temos uma capacidade de desenrascar a vida e os problemas como ninguém. No fundo, a peça está a brincar com aquilo que nós somos, porque os portugueses sabem brincar consigo mesmos.”

Classificada para maiores de 12 anos, a peça pisca o olho às crianças e, segundo a produtora, estão a ser pensadas parcerias com escolas, para que alunos portugueses possam assistir. Ana Brito e Cunha sonha já com a possibilidade de levar o espetáculo ao Porto e ao Funchal. É uma aposta para muitos meses de duração, dependendo da resposta do público.

“The Portuguese – a Musical Comedy”, às terças, quintas e sábados, pelas 18h30, no Auditório dos Oceanos do Casino Lisboa (Parque das Nações). Bilhete: 39 euros.