15 de outubro. Embora o outono tivesse já chegado, a temperatura em Portugal continuava a ser abrasadora e a seca (o Instituto Português do Mar e da Atmosfera descrevia-a como “severa” em quase todo o país) aumentava o risco de incêndio em vários distritos. Poucos acreditariam, contudo, que depois dos incêndios de junho (o fogo de Pedrógão Grande, fogo esse que alastraria a outros municípios vizinhos, fez 64 mortos e centenas de feridos: 250) a tragédia regressasse ainda naquele ano. Mas regressou.

E regressou a vários distritos: Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria e Viseu. 45 pessoas morreram então. E 15 de outubro foi considerado o “pior dia de incêndios do ano”. Tondela foi um dos concelhos mais afetados.

Hermínio Lopes e Hermínio Romão morreram, confirmou a Proteção Civil semanas depois. Foram as duas únicas perdas humanas em Tondela. As materiais, essas, deixariam várias famílias sem praticamente nada (casa, bens e esperança) e muitos sem emprego também – as empresas da região (que empregam largas centenas de trabalhadores, que são o sustento para aldeias inteiras, famílias inteiras) viram as suas fábricas destruídas pelo fogo e começam só agora, tantos meses depois, a reerguer-se.

Os fogos que deflagraram na região Centro atingiram 800 casas de primeira habitação, confirmou no final de outubro a presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, Ana Abrunhosa. Pouco depois, o presidente da Câmara Municipal de Tondela, José António Jesus, avançava que 220 das habitações ficavam no concelho de Tondela. E acrescentou que os prejuízos (tudo somado: habitações mas, também, infraestruturas municipais, indústria, comércio e serviços) estimavam-se em perto de 30 milhões de euros. “Neste valor não estão contabilizados os danos florestais nem os danos dos pequenos agricultores, com alfaias, anexos ou explorações agrícolas”, sustentou José António Jesus.

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Encurralados numa porta que abria ao contrário. “Se me descuidasse um bocadinho, também tinha lá ficado”

Esta sábado à noite o fogo voltou a matar em Tondela. Dezenas de pessoas estavam no interior da Associação Recreativa e Humanitária de Vila Nova da Rainha, algumas a participar num torneio de sueca – que se realiza todos os anos por esta altura –, outras a assistir ao futebol pela televisão, como era hábito na associação daquela freguesia. A causa (ou causas) do incêndio ainda não foi apurada pelas autoridades mas este poderá ter tido início na salamandra de aquecimento do local. Morreram oito pessoas, 35 ficaram feridas – quarto delas continuam internadas em estado grave no hospital.

O presidente da Câmara Municipal de Tondela considerou a situação uma “catástrofe”. Outra catástrofe. O Presidente da República visitou Vila Nova da Rainha esta domingo de manhã. Marcelo Rebelo de Sousa garantiu que os portugueses são “resistentes”. E acrescentou, incrédulo: “Nunca sabemos compreender porque é que de repente se acumulam tantos factos negativos, em tão pouco tempo, nos mesmos sítios.”

A 19 de outubro Marcelo Rebelo de Sousa visitou Alambique, uma das povoações mais afetadas pelos incêndios em Tondela. O jornalista do Observador João de Almeida Dias acompanhou a visita do Presidente da República e descreveu os dias que se seguiram à tragédia:

Alambique é uma das povoações mais afetadas pelos incêndios no concelho de Tondela — e, assim que chega à entrada daquele lugar, Marcelo dá logo de caras com Maria da Luz Brás, de 75 anos, e a sua filha Ana Paula Brás, de 39. As duas, ao mesmo tempo, agarram-se ao Presidente da República a chorar. A mãe perdeu os animais e parte da casa — o fogo destruiu-lhe a cozinha, a sala e as casas de banho — ao passo que a filha ficou sem uma indústria de serração de madeiras.

“Isto é uma desgraça, senhor Presidente, isto é uma desgraça. Não tenho horta, não tenho ovelhas, não tenho pintos, não tenho nem cebolas,”, chora a mais velha. Marcelo Rebelo de Sousa responde-lhe que “nunca se sabe quando isto acontece, só Deus”. “Mas eu acho que o pior já passou”, continua. “Faça favor de não achar que o futuro ainda é pior do que o que já passou”, disse, antes de continuar.

Passando por dentro de uma quintal, Marcelo Rebelo de Sousa vê Manuel Francisco Nascimento. Ao volante de um microcarro, o homem de 82 anos não chega a levantar-se — o Presidente da República abre a porta do pendura e senta-se ao lado do homem que começa a chorar copiosamente. “Não tenho palavras, senhor professor!”. Com a voz engasgada pelas lágrimas, conta que perdeu animais e várias máquinas agrícolas. “Foi tudo à vida!”, disse, para se entregar de novo a um choro violento. “82 anos… é uma vida! E é uma vida a trabalhar para nada!”

Mais à frente, Marcelo Rebelo de Sousa diz que “as ficam pessoas ficam sem terreno debaixo dos pés” em casos destes, enquanto uns anfitriões da câmara municipal de Tondela tira um lenço da algibeira mal vê que o cotovelo do Presidente está sujo com fuligem. “Não há problema, deixe estar, os fatos são para sujar!”, diz Marcelo, esquivando o braço a nova sacudidela.