Nunca houve uma pressão do Governo para que a Santa Casa da Misericórdia entrasse no capital do banco Montepio. A garantia foi dada pelo ministro do Trabalho e Segurança Social no Parlamento. Vieira da Silva foi ouvido esta quarta-feira sobre o negócio entre duas instituições da economia social, a Santa Casa e a associação mutualista Montepio, entidades que o seu ministério tutela.

Confrontado com a afirmação do deputado do CDS, Filipe Anacoreta Correia, de que a ideia deste investimento tinha partido do próprio ministro — com base numa entrevista dada à Antena 1 — Vieira da Silva confirmou que falou da possibilidade de entrada no capital do Montepio ao provedor da Santa Casa quando foi informado do interesse da instituição em investir no setor financeiro. Esse interesse foi equacionado no quadro do Novo Banco ainda em 2016.

Vieira da Silva garante ainda que o “Governo não empurrou a Santa Casa para coisa nenhuma, como vi escrito. Foi uma sugestão que a Santa Casa desenvolveu”. E os 200 milhões de euros que custaria a compra de uma participação de 10% na caixa económica? A mim ninguém me deu informação de que o negócio teria esse valor — os 200 milhões apareceram numa declaração provedor da Santa Casa.

O que está em causa é a aplicação dos ativos da Santa Casa numa instituição financeira da economia social. “Não me parece que se afaste da missão”. Em princípio, e depois de ressalvar que não conhece os termos do acordo, “nada teria a opor a uma intervenção deste género. Nem da parte da Santa Casa, nem da parte de outras instituições do mesmo género”.

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E o investimento faz sentido? Com a informação que tem, “a minha resposta não pode deixar de ser positiva”, responde. O ministro defende também que este investimento não irá pôr em causa os recursos mobilizados para as intervenções sociais, citando as declarações prestadas do provedor, Edmundo Martinho, ao Parlamento.

Novo código mutualista nas próximas semanas

Vieira da Silva revelou ainda que o Governo deverá colocar a discussão público nas próximas semanas uma proposta de revisão do código mutualista que rege a associação Montepio, atual proprietária a 100% da caixa económica. E acrescenta que a proposta tenta conciliar a natureza autónoma e democrática das associações com a necessidade de supervisão das operações financeiras.

Sobre a demora na concretização deste investimento, Vieira da Silva defende que é preciso respeitar os ritmos e processos das instituições envolvidas, referindo ainda que está afastado das negociações. Mas deixa esta garantia:

“Nada será feito se não estiver devidamente fundamentado e se não for salvaguardado o interesse estratégico da Santa Casa, entendendo eu que um desses interesses é o reforço no setor social”. O ministro diz que tem confiança na Santa Casa, mas acrescenta que fará um acompanhamento de perto da operação.

Vieira da Silva diz que subscreve “todas as cautelas suscitadas por qualquer operação desta natureza”, mas recorda que os estudos que vão determinar a dimensão do envolvimento não estão concluídos.

Ainda em resposta a preocupações levantadas pelos deputados,o ministro diz que tem acompanhado a situação financeira da associação mutualista desde há um ano em que se viveu um momento “conturbado” entre os seus associados (quando foi divulgado que as contas consolidadas apresentavam uma situação financeira líquida negativa na associação mutualista Montepio em 2015).

Pela informação que tem, houve uma estabilização, primeiro, e depois uma recuperação da situação financeira e de liquidez, o que será verificado nas contas de 2017 (as contas consolidadas de 2016 ainda não conhecidas). Já as pergunta sobre o poder do Ministério para substituir a administração da associação, liderada por Tomás Correia que foi presidente da caixa económica até 2015, ficaram sem resposta.

As dúvidas do CDS, o dejá vu e as notícias do dia

A audição de Vieira da Silva foi pedida pelo CDS. O deputado Anacoreta Correia confrontou o ministro com várias perguntas, centrando as dúvidas na racionalidade económica e financeira da compra de 10% da caixa económica pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que chegou a ser valorizada em 200 milhões de euros, por declarações do próprio provedor.

Ouvido na semana passada no Parlamento Edmundo Martinho assegurou que o valor de uma eventual participação não estava ainda decidido e teria um desconto em relação ao valor da caixa económica. Os 200 milhões de euros resultam da valorização feita do banco nas contas da associação mutualista e que não correspondem, necessariamente ao valor de mercado.

200 milhões por 10% do Montepio? “Nada está decidido”, garante provedor da Santa Casa

Qualificando a informação dada sobre o tema como “trapalhada”, Filipe Anacoreta Correia avisa que os 200 milhões de euros representam cerca de 30% dos ativos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. E lembra que a instituição (parecer da direção financeira da Santa Casa) tinha definido um limite de 10% dos seus ativos para aplicar no setor financeiro, o que segundo o deputado seriam 75 milhões de euros.

“Considera razoável e como justifica o sentido económico deste investimento e não põe em causa dos interesses e intervenção social da Santa Casa?”

O ministro foi ainda confrontado com notícias recentes sobre o andamento do negócio, como a alegada não entrega de informação financeira sobre o banco pedida pela Santa Casa e a possibilidade da entrada da instituição no banco vir a constituir uma ajuda de Estado que exigiria autorização da Comissão Europeia.

Em resposta ao deputado Anacoreta Correia, Vieira da Silva começa por comentar que “as perguntas que faz são um misto de repetições e leitura apressada dos jornais diários. Não me parece a forma adequada de discutir o tema.” Para o ministro, esta audição — a segunda que é pedida a propósito da entrada da Santa Casa no Montepio –é um dejá vu, sobretudo depois das “abundantes informações” fornecidas pelo provedor da Santa Casa de Lisboa.

“Tenho dificuldade em perceber o que o CDS pretende. Durante um tempo pareceu que o CDS era contra a participação da Santa Casa no setor financeiro. Quando as coisas começam a ser esclarecidas e se percebe que a Santa Casa tem ativos financeiros, e o que está em causa é a mobilização desses ativos e recorre à notícias do dia”.

Assinalando que o governo não é comentador das notícias do dia, Vieira da Silva adianta que não conseguiu obter a confirmação da recusa de entrega de informação financeira por parte da associação mutualista (notícia avançada pelo jornal Público).

Santa Casa sem dados para avaliar entrada no Montepio

Sobre a outra notícia do dia (do Jornal ECO), o ministro adianta que será avaliado o risco da operação ser considerada uma ajuda de Estado porque a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa é uma entidade pública. Mas, acrescenta, o risco não lhe parece significativo.