Rui Rio acabou a campanha interna no PSD a dizer que não ficavam “feridas por sarar”. Com o adversário direto, Pedro Santana Lopes, talvez não. Na bancada parlamentar, porém, as feridas que se abrirem agora podem deixar marcas profundas. A liderança dos deputados do PSD, dominada por apoiantes de Santana, está à espera de uma decisão: a tão aguardada “conversa” entre o novo líder e o presidente do Grupo Parlamentar, Hugo Soares, deve acontecer no início da semana. O deputado de Braga não terá a intenção de permanecer no lugar, apurou o Observador, mas quer deixar para Rui Rio a responsabilidade pelo seu afastamento. Porquê? Porque “para fazer oposição interna é preciso capital de queixa”, e a ideia de Rio descartar Hugo Soares é a queixa perfeita, já que transmite uma imagem de “limpeza” dos ativos do partido. “Serve ao Hugo Soares e serve sobretudo a uma estratégia futura do Luís Montenegro”, diz ao Observador um deputado social-democrata.

Caso venha a formar-se essa oposição interna no âmbito do grupo parlamentar, deve atenuar-se com a aproximação as eleições legislativas e a feitura das listas, explica outro deputado. Mas se Luís Montenegro quiser disputar o partido na próxima ronda terá de ir preparando o caminho.

Quando esta quinta-feira Rui Rio se reuniu com Passos Coelho na sede do partido, admitiu que estava a encontrar “alguma turbulência” no processo de unir o PSD — quer fosse uma turbulência real, quer fosse uma turbulência “criada na comunicação social”. A declaração não caiu bem nas hostes do partido: se há turbulência é porque Rio deixou “espaços vazios” que permitiram essa turbulência. Na cabeça de todos estava a polémica sobre a renovação ou não da bancada parlamentar, que o líder eleito deixou andar alguns dias à deriva, até se transformar num elefante no meio da sala.

Rio viria a esclarecer depois, numa entrevista à RTP, que a direção parlamentar tinha legitimidade até ao dia 18 de fevereiro, último dia do congresso, mas remeteu tudo para uma “conversa” que terá brevemente com o líder parlamentar. Hugo Soares tem mantido o silêncio sobre esta matéria, e até o silêncio é gerido com pinças. A ideia é pôr a decisão nas mãos de Rui Rio: é ao líder que cabe decidir se a direção da bancada é ou não da sua confiança política. Assim, se Rio se decidir pela mudança ficará com o ónus de ter “varrido” ou “corrido” com o líder parlamentar. Problema: o líder parlamentar representa agora uma ala expressiva dentro do partido, a ala de Luís Montenegro, que apoiou Santana Lopes e aspira ainda chegar à liderança do partido. E essa ala ficaria então com “créditos”. E poderia vitimizar-se.

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Assim se começa a delinear a oposição interna a Rui Rio. Ao que o Observador apurou, depois de ter estado com Passos Coelho na São Caetano, Rui Rio enviou uma mensagem ao líder parlamentar, e a reunião entre os dois deverá acontecer nos próximos dias — no início da próxima semana. A partir daí, haverá sinais mais claros do que acontece a seguir. Certo é que poucos são os que equacionam a hipótese de Hugo Soares vir a ficar na liderança, com o nome de Luís Marques Guedes (ex-ministro de Passos e ex-secretário-geral do PSD no tempo de Manuela Ferreira Leite) a saltar como o mais provável para o pós-congresso. “Fazer guerra ao Hugo Soares é a maneira mais fácil de fazer guerra ao Montenegro”, diz uma fonte do partido, sugerindo que grande parte do debate sobre se Hugo Soares devia ou não sair pelo próprio pé foi “empolado” pelos apoiantes de Rio, para se criar a ideia de que está “agarrado ao poder”, quando na verdade a direção da bancada é um órgão autónomo, eleito pelos parlamentares.

Unir, ser unido ou fazer um “caminho próprio”. Montenegro escolhe a terceira

Esta quarta-feira, Hugo Soares reuniu-se com os 12 vices da bancada parlamentar, e, ao que o Observador apurou, houve quem argumentasse que o líder do grupo tinha de se “defender”, não deixando que o silêncio de Rio imperasse. Isto porque o silêncio jogava a favor da lógica de o líder parlamentar, eleito há apenas seis meses, estar “agarrado ao poder”. Outras fontes dizem que imperou a “serenidade”, com os vices a manifestarem solidariedade com o atual líder, pedindo apenas que a situação não se estendesse no tempo. “Tem de haver um sinal até ao congresso do que vai acontecer”, ouviu o Observador.

Se Hugo Soares se tem mantido em silêncio, remetendo para a conversa que terá com o presidente eleito, Luís Montenegro não conseguiu evitar comentar o tema: “Essa coisa de o líder parlamentar pôr o lugar à disposição do presidente do partido não existe. Quanto muito pode pôr o lugar à disposição da bancada parlamentar”, disse na TSF. Mas a seguir deixou vários recados: 1) Pôr o ónus em Rio: “A união deve ser construída por quem ganhou”; 2) Dar-lhe um prazo: o novo presidente tem 21 meses até às legislativas para afirmar as suas “políticas concretas alternativas”; 3) dizer que não estará na linha da frente (porque tem “divergências públicas quanto à estratégia política de Rui Rio”), mas isso não quer dizer que estará “fora do combate”.

A ideia é mesmo essa: Montenegro vai ser o rosto da oposição interna para fazer o seu caminho até ao próximo ciclo pós-Rio. Mas também continua a não ser de descartar o nome de Paulo Rangel. Se Montenegro tem o palco do grupo parlamentar, Rangel está longe, entre Bruxelas e Estrasburgo — com um pé em Portugal no comentário político na TVI –, mas é uma peça fundamental para a ligação internacional do partido, por ser vice-presidente do PPE e vice-presidente da bancada do PPE no Parlamento Europeu. No caso de Rangel, será decisivo aquilo que Rui Rio decidir fazer nas Eleições Europeias de maio de 2019.

Esta sexta-feira, numa entrevista à Antena 1, o coordenador da moção estratégica de Rui Rio, David Justino, recusou a ideia de estar a preparar “vassouradas” e sublinhou a necessidade de união interna. Mas com uma condição: só se une quem quer ser unido, os que não querem estar dentro, então são oposição. Palavras que encaixam que nem uma luva em Luís Montenegro. “A prática tem revelado que qualquer novo líder tem de unir o partido para se apresentar perante os eleitores, e não deve consumir-se em conflitos internos. Portanto, nessa lógica, todos têm lugar”, começou por dizer. “Mas unir para deixar ficar tudo na mesma não vale a pena. E unir para quem não quer ser unido, também não vale a pena”. Ou seja? “Tem de haver da parte do líder a vontade de unir, e da parte dos que são liderados a vontade de integrar essa união, se não houver vontade, então há que considerá-los como alguém que não quer ser unido e que quer ter um caminho próprio”, explicou. No fim, ficou o recado: “Estaremos atentos a isso, como é natural”.

Voltar aos “velhos tempos” do PSD

É o regresso aos “velhos tempos” do PSD, ouve-se nos corredores do partido, aludindo às guerrilhas internas e contagem de espingardas. A ideia de que Rui Rio decide tudo sozinho é unânime, correndo a perceção de que até os apoiantes de Rio se “queixam de que não há informação nenhuma sobre qual vai ser a composição dos órgãos do partido” na nova direção. “Tudo vai depender muito da equipa que tiver, e de quem vai estar a amparar o seu pensamento”, diz um destacado social-democrata. E também da perceção na opinião pública: “A opinião fora do partido é boa”, continua o mesmo dirigente, apesar de a primeira sondagem conhecida não ser animadora. “É que Rui Rio é um populista anti-populista, fala com franqueza e sem rodeios e isso pode jogar a favor dele”.

Também é unânime entre as fontes ouvidas pelo Observador que a oposição interna que pode começar a ganhar corpo não será uma “oposição formal”, porque isso tornaria mais difícil o combate das legislativas. “Mas vai começar a haver uma resistência aqui e ali”, diz uma fonte social-democrata.

Apesar de muitos deputados do PSD terem apoiado Santana Lopes — e embora na atual direção de bancada essa proporção seja ainda mais evidente –, a partir do momento em que Rui Rio der o seu veredito sobre o líder parlamentar e for constituída outra direção, “o grupo parlamentar vai começar é a pensar nas listas” para as próximas legislativas. Isso vai aproximar os deputados do líder ou atenuar as dissonâncias.

Para já, mas há quem diga que a guerra “não acaba aqui”. Apesar de a relação entre Rio e Santana não ter saído do campo de batalha com feridas abertas, entre os grupos locais que apoiaram uns e outros o embate foi “mais duro”, e nem uns nem outros pretendem largar o osso nos locais onde perderam. Este ano haverá eleições nas várias distritais e é aí que se fará o segundo round. Além de que, embora Rui Rio tenha sido o mais votado para líder na maior parte das concelhias, tal não significa que nessas mesmas concelhias a lista de delegados ao congresso afeta a Rui Rio tenha sido a mais votada.

Por isso, no congresso de 16, 17 e 18 de fevereiro vai medir-se o pulso à oposição interna. A ideia de vir a aparecer uma “lista forte” anti-Rio ao Conselho Nacional não é descartada, embora prevaleça a tese de que, em nome da união, é mais fácil dividir essa oposição interna em pequenas listas separadas.