Grécia, Portugal e a escolha de cadeiras que ajudou a fazer de Mário Centeno presidente do Eurogrupo. É este o caderno de encargos da primeira reunião do grupo informal de ministros das Finanças da zona euro liderada pelo ministro das Finanças português. Durante os próximos dois anos e meio, Centeno terá nas mãos o leme de um dos mais poderosos grupos na Europa.

A economia está a crescer e é preciso aproveitar os bons ventos, graças também aos resultados das eleições na Europa, para fazer as mudanças que a zona euro precisa para ser mais forte quando surgir a próxima crise, disse Mário Centeno em Berlim, na sua primeira visita oficial enquanto presidente do Eurogrupo. Esta segunda-feira, o ministro português começará a saber o quão difícil é esse empreendimento.

A agenda de trabalho desta primeira reunião do Eurogrupo da era Centeno é bastante completa, em parte porque nenhum dos temas deve oferecer grande resistência… Mas isso é só para já. Nos próximos meses, algumas destas questões podem vir a dar grandes dores de cabeça ao ministro português.

Resgate da Grécia

A boa notícia para Mário Centeno é que o governo grego chega à reunião depois de haver acordo entre as instituições de que aprovou as medidas pré-acordadas, abrindo caminho para que os ministros das Finanças aprovem o desembolso de 6,7 mil milhões de euros. No entanto, o desembolso pode não ser imediato, ficando dependente de uma visita dos técnicos no início de fevereiro, com o intuito de comprovar que as medidas restantes foram implementadas.

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Mas, quando faltam poucos meses para o programa terminar, a Grécia promete ser um teste às convicções do ministro das Finanças português. Por um lado, Mário Centeno sempre disse que a questão da reestruturação da dívida pública devia ser tida a nível europeu e que Portugal participaria desse debate quando ele existisse. Mas, por outro, afastou sempre essa possibilidade defendendo que a dívida tem de ser paga.

A Grécia há muito que exige um maior alívio da dívida — atingiu os 179% em 2016 e espera-se que desça para os 176,4% do PIB este ano –, mas o melhor que conseguiu foi não ter como resposta um ‘não’. Os empréstimos à Grécia já têm condições melhores que as dadas a outros países (incluindo Portugal) e os ministros não estão dispostos a ir aos seus parlamentos defender que os financiamentos que pediram para a Grécia são na verdade a fundo perdido.

Outra questão em que Mário Centeno estará envolvido é no que acontecerá após o resgate. O programa acaba este verão, a Grécia já está a preparar leilões de dívida, mas o rating grego ainda está em lixo e, sem uma melhoria substancial, assim que a Grécia sair do resgate a dívida grega não será aceite pelo Banco Central Europeu como garantia nos empréstimos que os bancos gregos necessitam desesperadamente para continuar a funcionar no dia a dia.

Isto coloca uma questão fulcral em relação à saída da Grécia do resgate: como será? Ou a Grécia recebe uma linha de crédito (também conhecida como programa cautelar) e, como está sujeita a condições, o BCE pode continuar a aceitar a dívida pública grega como garantia, algo que os países mais conservadores querem evitar a todo o custo; ou tem uma chamada saída limpa e os bancos ficam dependentes do financiamento de emergência do banco central da Grécia, financiamento esse que é mais caro e mal visto pelos bancos centrais de países como a Alemanha. Seja qual for a decisão, ela passará certamente pelo Eurogrupo. E por Centeno.

Eleições no EWG

Os ministros vão ainda confirmar a eleição de Hans Vijlbrief como novo presidente do influente Eurogroup Working Group (EWG). Este é o grupo composto pelos braços-direitos dos ministros das Finanças da zona euro que prepara as reuniões do Eurogrupo, escolhe a agenda e até faz o esboço do comunicado final do Eurogrupo que é discutido e aprovado pelos ministros (raramente tem alterações de maior depois de uma reunião dos ministros).

Se o Eurogrupo é um grupo informal, o EWG é ainda menos visível para o público em geral. O cargo de presidente é, ao contrário do Eurogrupo, um posto a tempo inteiro, equiparado a diretor-geral, que acumula com a presidência do Economic and Financial Committee, um grupo alargado a membros da União Europeia, responsável por dar opiniões técnicas ao Conselho e à Comissão Europeia, e que enquadra o diálogo entre o Conselho Europeu e o Banco Central Europeu.

O Economic and Financial Committee é composto por altos-responsáveis dos governos da União Europeia e dos bancos centrais da zona euro, do BCE e da Comissão Europeia. Também se reúne sem a presença dos banqueiros centrais.

Quando Mário Centeno foi eleito, ficou acordado entre os ministros socialistas e os ministros de centro-direita que o cargo de Thomas Wieser seria entregue a um membro mais conservador, com os ministros afetos ao Partido Popular Europeu a prometerem em troca dar o seu apoio ao socialista que fosse indicado para o cargo de presidente do Eurogrupo.

Foi assim que Hans Vijlbrief, diretor-geral do tesouro holandês e número dois de Jeroen Dijsselbloem no Eurogrupo, foi escolhido para o cargo, que será agora confirmado pelos ministros. A substituição acontece a 1 de fevereiro.

Thomas Wieser foi o primeiro presidente a tempo inteiro do EWG e teve um papel decisivo durante os anos mais críticos da crise na Europa, em especial nas relações com a Grécia.

Quem substituirá Vítor Constâncio no BCE?

Depois de meses de especulação, os ministros vão dar o tiro de partida oficial na corrida para a substituição de Vítor Constâncio na vice-presidência do BCE. Constâncio assumiu o cargo a 1 de junho de 2010, quando era governador do Banco de Portugal, e termina o seu mandato de oito anos a 31 de maio deste ano.

O principal interessado parece ser Luis de Guindos, o ministro das Finanças de Espanha, que assumiu publicamente ter feito pressão ativa para que a presidência do Eurogrupo fosse atribuída a um socialista, mas só depois de perceber que dificilmente conseguiria ele próprio o cargo devido à sobrecarga de elementos ligados ao Partido Popular Europeu em cargos de topo na Europa: Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia; Antonio Tajani, presidente do Parlamento Europeu; Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu; Federica Mogherini, Alta-Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança.

Depois de já ter sido descartado (com a Alemanha a mudar o seu apoio à última hora) para a presidência do Eurogrupo, Luis de Guindos apontou baterias ao BCE, mas enfrenta mais um problema às suas ambições. O facto de ainda ser ministro das Finanças espanhol não é muito bem visto entre os seus pares, que querem evitar ao máximo qualquer perceção de que pode haver uma gestão política do BCE.

A escolha pode não ser tão fácil como parece, mais uma vez, para De Guindos, mas o espanhol espera o apoio português depois da sua intervenção no processo de eleição de Mário Centeno como líder do grupo de ministros das Finanças do PPE.

Portugal na agenda

Na primeira reunião como presidente do Eurogrupo, Mário Centeno terá ainda em cima da mesa os resultados da sétima missão de supervisão pós-programa feita pela Comissão Europeia e pelo Banco Central Europeu.

Como Mário Centeno é presidente do Eurogrupo, a responsabilidade de defender os interesses de Portugal cabe a Ricardo Mourinho Félix, secretário de Estado Adjunto e das Finanças, que, como número dois de Centeno, assume a cadeira do ministro enquanto representante de Portugal.

A missão terminou a 7 de dezembro e mostrou-se otimista com a continuidade da recuperação da economia portuguesa, mas antecipando um abrandamento no médio prazo e pedindo uma redução mais ambiciosa da dívida pública, ainda que os aumentos do salário mínimo que venham a ser decididos estejam alinhados com a produtividade.

O futuro do euro

Os ministros vão ainda ter um debate aberto sobre os resultados da cimeira do euro que se realizou em dezembro, tendo em conta que o que ficou acordado é que os ministros das Finanças se concentrem em dois temas: a finalização da União Bancária e a transformação do Mecanismo Europeu de Estabilidade num Fundo Monetário Europeu.

O mais sensível destes dois é a finalização do projeto da União Bancária. Ainda há trabalho a fazer para completar o segundo de três pilares da União Bancária, o Mecanismo Único de Resolução europeu, mas o maior bloqueio existe sobre o seu terceiro pilar, o Mecanismo Único de Garantia de Depósitos.

Como Mário Centeno ouviu do ministro interino das Finanças da Alemanha, Peter Altmaier, esta semana, quando fez a sua primeira visita oficial como presidente do Eurogrupo à capital da maior economia da zona euro, o debate não será fácil.

Os países mais conservadores querem que sejam tomadas medidas para reduzir o risco nos sistemas financeiros mais vulneráveis antes de aceitarem qualquer partilha de risco, e mais a sul pede-se mais partilha de riscos. A Alemanha, em particular, argumenta que o seu mecanismo de garantia de depósitos é sólido e está bem capitalizado, e que não quer colocar em causa o seu sistema. As divergências são conhecidas e públicas, e prometem colocar dificuldades numa negociação que Mário Centeno terá que gerir com pinças.

Nessa mesma visita a Berlim, Mário Centeno admitiu que quer que, no próximo mandato, o futuro presidente do Eurogrupo o seja já a tempo inteiro, um cargo que o comissário dos Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, tem cobiçado. Mas Peter Altmaier afastou o tema, dizendo que não serão os ministros a decidirem este tema, já que isso implicaria a criação de uma espécie de ministro das Finanças do euro com um orçamento para a zona euro à sua disposição, outra proposta relativamente à qual os países mais a norte têm expressado muitas reservas.