A Polícia Judiciária do Norte recuperou num leilão em Espanha uma moeda romana em prata do ano 68/69 d.C., considerada peça da antiguidade clássica “única no mundo”, e entregou-a esta segunda-feira ao Museu Arqueológico D. Diogo de Sousa, em Braga.

“É um denário de prata, do período das guerras civis, dos anos 68/69, do tempo do imperador romano Galba, e portanto é uma peça única (…), emitida na Península Ibérica, na Hispânia”, avançou esta segunda-feira à agência Lusa Rui Centeno, um especialista com um doutoramento sobre “O furto e o comércio de património numismático – O caso do tesouro de denários do monte da Nossa Senhora da Piedade, em Alijó”.

É exatamente nesta dissertação que Rui Centeno conta a história deste denário e do resto da coleção de moedas que havia sido roubada em 1985. “Em 1958, quando se procedia à construção de algumas dependências da ermida da N. Sra da Piedade nos terrenos fronteiros, foi encontrado um pequeno púcaro de barro, logo partido, com 62 denários e um quinário”, contou o especialista.

Em 1985, o conjunto monetário foi furtado, “na noite de 8 para 9 de setembro”, e não voltou a aparecer. Até que, em 17 de fevereiro de 2010, Rui Centeno foi totalmente surpreendido. O investigador foi alertado para a publicação do primeiro volume das atas do XIII Congreso Nacional de Numismática, que havia acontecido em Cádiz, onde figurava “um artigo intitulado ‘Nuevo denario de las Guerras Civiles (68-69 d.C.)’, onde se estudavam 10 moedas do tesouro do Monte da N. S. da Piedade, entre as quais o denário da Guerra Civil de 68-69 que, por desconhecimento dos autores, é publicado como uma peça inédita”.

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Rui Centeno contactou José Manuel Compaña Prieto, um dos autores do artigo, a quem pediu que contactasse as autoridades espanholas – no sentido de recuperar as peças – e informações sobre as moedas. O investigador espanhol limitou-se a referir que não conhecia o colecionador, proprietário das moedas roubadas, e desconhecia a proveniência do tesouro. Desde aí, segundo o doutoramento de Rui Centeno, nunca mais tiveram “qualquer contacto com o senhor Compaña Prieto sobre o assunto”.

Apesar da escassa colaboração do colega espanhol, Rui Centeno conseguiu chegar a três conclusões através do seu artigo: 1, as moedas tinham sido adquiridas há cerca de vinte anos em Vitória, Espanha, numa feira de selos e moedas que acontecia habitualmente na Praça de Espanha daquela cidade; 2, pertenciam a um lote com mais 40 moedas: como o tesouro do monte da Nossa Senhora da Piedade só continha 12 denários, é expectável que tenham sido adicionadas moedas de outra proveniência; e 3, as moedas foram compradas a um emigrante português em Espanha que disse tê-las descoberto casualmente, dentro de um vaso de cerâmica, enquanto cumpria tarefas agrícolas perto de uma ermida. Logo, as moedas foram roubadas por um português que rapidamente se pôs a caminho de Espanha para a vender.

A moeda romana reapareceu agora num leilão em Madrid, em outubro de 2016, com uma base de licitação de sete mil euros. Foi descoberta e reportada pelo historiador português Rui Centeno à Polícia Judiciária, que acionou os trâmites necessários para que se conseguisse transferir aquele espólio de Espanha para Portugal.

A apreensão das moedas romanas e a sua entrega esta segunda-feira ao Estado português é o culminar de uma investigação da Judiciária, cujo inquérito foi aberto em 2016 no Departamento de Investigação e Ação Penal, explicou esta segunda-feira à Lusa fonte daquela polícia.

A coleção de moedas da antiguidade clássica, que foi recuperada pela brigada da Judiciária do Norte da secção dos crimes de furto e falsificação de obras de arte, poderia facilmente ter sido vendido no leilão de Madrid para o British Museum (Reino Unido) ou para o Museu de Berlim (Alemanha) ou para o Câbinet de Médaille, em Paris (França), explicou o historiador Rui Centeno. Acrescentou que, agora que a coleção das moedas romanas foi recuperada, deve ir para um local que acautele os interesses de Portugal e que conserve e preserve bem aquele património.

“Temos uma moeda única e deve estar bem acautelada, porque hoje a numismática movimenta biliões em todo o mundo e isto é uma peça muito apetecível em qualquer leilão”, acrescenta o especialista, afirmando que a instituição que vai acolher este património deve ter condições de segurança e de preservação do património.

A instituição que vai acolher o denário e o resto das moedas romanas recuperadas é o Museu Arqueológico D. Diogo de Sousa, em Braga, disse à Lusa o diretor da Judiciária do Norte, Batista Romão.

Em entrevista à Lusa, Isabel Silva, uma das responsáveis pelo Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa, avançou que o denário, tal como o resto da coleção recuperada, poderá ser vista pelo público ao longo deste ano de 2018.

“Acabam por reentrar no museu e ser fruídas pelo público tantos anos depois. Isto significa que, por um lado, há uma polícia que está atenta e empenhada nestes processos de recuperação de obras de arte e, por outro, vem realçar a importância das coleções serem inventariadas e estudadas”, observou Isabel Silva, considerando “extraordinário” que a brigada da Judiciária tenha conseguido recuperar cerca de 20 anos depois as moedas romanas desaparecidas de Alijó.