Era, aquela, a Espanha todo-poderosa de Vicente del Bosque. A final contra a Itália em Kiev, então no Verão de 2012, foi uma passeata e quatro “secos” atestam-no bem. Mas antes de chegar à final do Europeu, e para lá chegar, nuestros hermanos tiveram que eliminar Portugal nas meias.

Sim, eliminaram, mas eliminaram a custo. E o “custo” foi o desempate por grandes penalidades. Na baliza estavam Iker Casillas, de Móstoles, e Rui Patrício, dos Marrazes, dois “adivinhos” que sabem mais vezes para onde vai a bola do que aquelas que não sabem.

Casillas adivinhou mais naquela noite de 27 de junho. Esta noite, em Braga, na final four da Taça da Liga, Patrício não adivinhou mais grandes penalidades do que Casillas. Cada um defenderia duas: Casillas travou Coates e William; Patrício travaria Herrera e Aboubakar. Na decisão pela “negra” — mais negra ainda, batidas as cinco primeiras –, Patrício escolheu o lado esquerdo e Brahimi o direito. Mas o argelino nem acertaria na baliza. Em seguida, Bryan Ruiz decidiu, sereno e certeiro, quem vai encontrar o V. Setúbal na final de sábado.

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Sporting-FC Porto, 0-0 (4-3 após grandes penalidades)

Taça CTT

Estádio Municipal de Braga

Árbitro: Nuno Almeida (AF Algarve)

Sporting: Rui Patrício; Piccini, Coates, Mathieu e Fábio Coentrão; William Carvalho, Bruno Fernandes, Gelson Martins (Battaglia, 43’) e Acuña (Bryan Ruiz, 78’); Rúben Ribeiro (Montero, 78’) e Bas Dost

Suplentes não utilizados: Salin, André Pinto, Ristovski e Bruno César

Treinador: Jorge Jesus

FC Porto: Casillas; Ricardo Pereira, Felipe, Marcano e Alex Telles; Danilo Pereira (Óliver Torres, 11’), Sérgio Oliveira (Waris, 78’) e Herrera; Marega, Brahimi e Soares (Aboubakar, 67’)

Suplentes não utilizados: José Sá, Reyes, Maxi Pereira e Corona

Treinador: Sérgio Conceição

Golos: Nada a registar

Ação disciplinar: Cartão amarelo para Piccini (53’), Óliver Torres (54’), Fábio Coentrão (75’) e Marega (76’)

Foquemo-nos, pois, no guarda-redes vencedor – até porque do jogo propriamente dito antes dos penáltis pouco há para contar.

Quando Rui Patrício resolveu ser futebolista, com 11 anos, não foi para ser guarda-redes como é hoje. Rui era avançado (como canhoto que é, mais descaído sobre o flanco) no Sport Clube Leiria e Marrazes, o clube “da terra”, o mesmo onde o pai e os tios, seis “Patrícios” ao todo, foram futebolistas também. O rapaz só deu em avançado por ser um “matulão”. Sobretudo isso. Certo dia, e depois de o guarda-redes titular do Marrazes ter amuado num treino e deixado o clube, o treinador olhou em volta e chamou o tal matulão. “Vais tu à baliza!” Mal sabia ele que Patrício nunca mais abandonaria os postes. E rapidamente se viu que era diferente dos restantes, um predestinado. E quem “viu” primeiro foi o Sporting. Depois de disputar um torneio em Pataias, Alcobaça, Patrício teve escrito sobre si um relatório. E esse relatório chegou às mãos de Aurélio Pereira, o homem-forte do recrutamento do Sporting. Aurélio nem hesitou quando leu o que o olheiro escreveu: Rui era para contratar e depressa.

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Mas não foi logo, logo. E não foi porque a família Patrício era toda benfiquista dos sete costados. Não queriam ver o rapaz (ou melhor: rapagão já) no clube rival. Valeu ao Sporting que Paulo Silva, o treinador de Patrício no Marrazes, convenceu a família a deixá-lo pelo menos treinar em Alcochete — e depois logo decidiriam se assinava pelo Sporting ou não. Andou um ano inteiro a fazer “piscinas” entre Leiria e a margem sul do Tejo. Em sete dias que a semana tem, treinava duas vezes no Sporting, três no Marrazes e ao fim-de-semana defendia a baliza verde-e-branca. Ao fim de um ano, e quando por fim o Benfica se interessou por Patrício, já este tinha colocado preto no branco a sua vontade de ser “leão”. O ano era o de 2000. E o guarda-redes do Sport Clube Leiria e Marrazes custou 1500 euros ao Sporting.

Na formação do Sporting, já Patrício defendia penáltis como defende hoje. Tornou-se a sua especialidade entre postes. E defendia, não só pela altura que tinha — acima do metro e oitenta ainda com 13 anos de idade –, mas também pela elasticidade com que se atirava aos remates, pelo “sexto sentido” em adivinhar para onde seguiram, e pela invulgar envergadura de braços que nenhum outro miúdo daquela idade tinha.

Rui Patrício estrear-se-ia pelo Sporting ainda com idade de júnior. O balneário dos “graúdos” não lhe era necessariamente estranho, pois treinava com os seniores durante a semana. O seu antigo treinador dos juniores, Paulo Bento, chegara ao plantel principal do Sporting e queria-o por perto. Mas recordemos a estreia. Foi a 19 de novembro de 2006, no estádio dos Barreiros, diante do Marítimo. O titular Ricardo lesionou-se antes do jogo, Tiago, o suplente, lesionou-se durante o próprio jogo, e Paulo Bento chamou Patrício. Estava nervoso. E não foi feliz em tudo quanto fez nessa noite. Mas não mais se esquecerá do penálti que defendeu aos 74′. Adivinhou o lado para onde Kanú bateria, o direito. E agarrou o Sporting aos três pontos.

De volta a Braga e à Taça da Liga. Da primeira parte, monótona, apenas um lance. Polémico? Não, nem por isso. Foi ao minuto 17. Brahimi faz a bola rasgar entre linhas, Sérgio Oliveira toca-a de primeira e isola Tiquinho Soares, que bateu Rui Patrício à saída deste da baliza. Depois de consultar o VAR, Nuno Almeida não validou o golo. Soares estava de facto em fora-de-jogo. No segundo tempo não houve apenas um lance para recordar: houve dois. E até esteve o Sporting mais perto da vitória no tempo regulamentar. Ao minuto 64, cruzamento de Acuña à esquerda, Coates cabeceia sem oposição e a bola embate em cheio no poste direito. Sorte ou não, esta regressou a Casillas e o espanhol abraçou-a, grato. Por fim, ao minuto 74, Sérgio Oliveira rouba a bola a Battaglia quando este o tenta driblar. A bola sobraria para Mathieu.. mas o francês chutou-a contra Aboubakar. O camaronês isolou-se, tinha a bola e baliza em mira, viu Patrício adiantado e rematou logo, ainda distante da grande área. Patrício esticou-se até ao último tendão e defendeu à segunda.

No final, e no duelo dos “senhores penáltis”, ganhou o dos Marrazes ao de Móstoles.