Humilhação pública, abuso emocional e perturbação do comportamento. A Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) emitiu um parecer sobre o impacto da exposição de crianças e jovens em reality shows no mesmo dia em que a SIC fez saber que o terceiro episódio do polémico programa SuperNanny não vai ser emitido.

No documentopublicado nas redes sociais, a OPP destaca vários estudos para explicar as consequências negativas associadas a este tipo de exposição mediática, que passam pela humilhação pública, a desvalorização pessoal e até a depressão.

A violação da privacidade

O formato de SuperNanny foi muito contestado deste o primeiro episódio, que passou na SIC a 14 de janeiro, com a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ) a emitir de imediato um comunicado onde alertava para o risco de o programa “violar os direitos das crianças”.

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O parecer da OPP esclarece, então, que neste tipo de programas as crianças e os jovens podem surgir totalmente identificáveis, sendo que as imagens que retratam a vida familiar são captadas num período vulnerável, isto é, num “período fundamental no desenvolvimento cognitivo, emocional, moral e social” dos mais novos, pelo que “determinadas experiências negativas podem ter grande impacto”.

A exploração da imagem negativa

Em causa estão situações de humilhação pública e o tornar trivial detalhes íntimos dos problemas dos mais novos, de cada vez que estes são retratados em momentos de maior vulnerabilidade (é o caso das birras protagonizadas pela menina de sete anos, no primeiro episódio, que ficou conhecida como “Furacão Margarida”).

“Momentos de elevada fragilidade na vida de uma criança e de um jovem expostos desta forma contribuem para a sua desvalorização enquanto pessoa global, complexa e multidimensional para serem reduzidas a segmentos de entretenimento interrompidos por publicidade”, lê-se no parecer. A exposição, esclarece a OPP, retira o “anonimato valioso” à criança, transformando-a “numa personagem unidimensional, que o público acredita que conhece e sobre a qual formula juízos de opinião”.

A OPP lembra ainda que, nestas situações, a criança não é protegida de momentos geradores de stress, como é o caso de ter elementos da produção a observar os seus comportamentos negativos — “situação que pode, inclusivamente, exacerbar estes comportamentos”.

Quando a exploração da imagem negativa da criança é utilizada para aumentar o grau de identificação e de emoção dos telespectadores, para atrair audiência e para aumentar a visualização destes programas, pode configurar abuso, sobretudo havendo manipulação intencional da produção com o objetivo de gerar audiências”, lê-se no documento da OPP.

Os danos psicológicos

A exposição mediática nestes moldes pode fazer com que a criança se sinta “humilhada, ridicularizada ou mesmo rejeitada”, o que pode aumentar os níveis de stress. Uma investigação citada no parecer da OPP sugere que “humilhar e envergonhar as crianças em público”, mas também “ferir o seu orgulho e representá-las em momentos de fragilidade”, pode provocar ansiedade, depressão e perturbações do comportamento.

Estes efeitos emocionais negativos são sentidos durante um período fundamental para a construção da personalidade da criança ou adolescente, mas também a longo prazo. É importante atentar que estes programas podem ser repetidos ou vistos através de plataformas online, o que perpetuará a exposição das crianças/jovens, a utilização (eventualmente abusiva) das imagens e as suas consequências negativas.

Outro autor citado sugere que expor crianças em programas em que estas são retratadas em situações humilhantes tem potencial “para elevado sofrimento psicológico” que pode ser considerado “abuso emocional”.

Na relação com os outros

Não estando preparadas para lidar com a exposição mediática e com a fama, as crianças e os jovens podem sentir dificuldades no relacionamento com os amigos e outros membros da comunidade. “As crianças podem também sentir dificuldade em lidar com os comentários e críticas posteriores à emissão do programa, não só na vida real, mas também nas plataformas digitais”, escreve a OPP.

No regresso à escola, as crianças visadas podem ser ridicularizadas e até rejeitadas e os educadores podem criar um preconceito negativo sobre os seus comportamentos.

As consequências junto do público

Os problemas apresentados na televisão, que são resolvidos “com soluções imediatas e num curto período de tempo”, transmitem a ideia irrealista de que a “mudança de comportamentos, a transformação de estilos de parentalidade e a resolução dos problemas” é não só rápida como fácil, e não o resultado de um trabalho moroso e colaborativo, entre família e profissionais de saúde, diz o parecer.