Um deputado do CDS (João Almeida) defende esta segunda-feira uma tese de mestrado sobre a intervenção do Tribunal Constitucional (TC) durante a ajuda externa, em que o orientador é um deputado do PS (Paulo Trigo Pereira) e o arguente (quem o vai questionar) um juiz do próprio TC. O mestrando João Almeida, que foi governante durante o tempo da ‘troika’, compara o ativismo dos juízes do TC português com a intervenção — que foi muito menor — dos juízes irlandeses durante os programas de ajustamento nos dois países. Conclusão: mais do que a atuação individual dos juízes e o seu “ativismo” político, foi a “arquitetura do sistema” a principal responsável para que houvesse uma maior intervenção do poder judicial em Portugal nas medidas no programa.

As conclusões da tese defendida esta sexta feita no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), em Lisboa, desmistificam a ideia — muitas vezes defendida pela direita portuguesa — de que a ação do Tribunal Constitucional tinha motivações políticas. Os juízes-conselheiros, foram aliás, várias vezes referidos na opinião pública como uma espécie de oposição ao Governo — que então era suportado por uma maioria parlamentar. Foram vários os chumbos, incluindo a medidas do Orçamento de Estado, entre 2011 e 2015, período em que PSD e CDS governaram.

Da investigação de João Almeida “conclui-se que as diferenças na arquitetura e desempenho institucional contribuíram decisivamente para a existência de distintos contextos de aplicação dos programas e, consequentemente, para diferenças na sua concretização. Não tanto pela atitude dos protagonistas, mas pelo desenho institucional dos sistemas.”

Ao Observador, João Almeida dá um exemplo dessa diferença entre os dois países: “Na Irlanda, só o Presidente da República é que pode pedir a fiscalização de constitucionalidade, em Portugal, além do Presidente, outras entidades como o Provedor de Justiça ou os deputados podem fazê-lo. E todos o fizeram durante esse período, o que contribuiu para que houvesse uma maior intervenção dos juízes”. Além disso, a tese admite que “poderá também ter contribuído para um maior ativismo judicial em Portugal a intensidade das medidas ter sido ligeiramente superior“.

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O trabalho académico do deputado centrista tem como tema “Separação de poderes, “judicial activism” [ativismo judicial] e “judicial restraint” [auto-restrição judicial] nos programas de ajustamento: Portugal versus Irlanda“. E procurava perceber o porquê de uma maior “intensidade” de internvenção do poder judicial (Tribunal Constitucional) em Portugal do que na Irlanda (Supreme Court), partindo de três hipóteses: maior intensidade das medidas em Portugal do que na Irlanda; atitude mais ativista dos juízes portugueses; e diferenças de arquitetura institucional.” João Almeida escolheu uma política pública na qual incidiu a sua análise: as remunerações dos funcionários públicos.

Também neste ponto, as diferenças de arquitetura institucional foram notórias. No caso irlandês, o Procurador-Geral da República participou num Conselho de Ministros onde alertou para a inconstitucionalidade da redução dos vencimentos dos juízes, pois colocava em causa a separação de poderes. Então, os irlandeses, lembra João Almeida, “avançaram para uma revisão constitucional” para resolver esse problema. O que não aconteceu em Portugal.

João Almeida diz que a tese é “completamente objetiva” e que, para isso, também foi importante o facto do orientador (o deputado socialista Paulo Trigo Pereira) ter “uma opinião diferente”. O socialista foi alertando mesmo para as leituras que se podiam fazer da tese, mas foi fácil, conta o centrista, chegarem a “pontos comuns”. O arguente da tese (que vai interrogar quem está a defender uma tese) do deputado do CDS é Gonçalo Almeida Ribeiro, um juiz-conselheiro indicado pelo PSD em julho de 2017.

Quanto ao que a tese pode trazer em termos políticos, João Almeida admite que há um caminho a fazer na Constituição da República Portuguesa, no sentido de garantir a “excecionalidade” e não ignorar que Portugal está inserido numa União Europeia e que tem de cumprir determinadas regras por estar no espaço europeu.

Durante o tempo da “troika”, a ação do Tribunal Constitucional ficou marcada pelos “chumbos” a medidas orçamentais.

Presidente do Tribunal Constitucional termina mandato marcado por “chumbos” polémicos

De 2012 a 2014, o TC chumbou mais de uma dezena de normas de três orçamentos do Estado e de outros diplomas com impacte orçamental. O “chumbo” da suspensão do pagamento do subsídio de férias ou de Natal a funcionários públicos e pensionistas, medida incluída no orçamento do Estado para 2012, foi o primeiro revés constitucional da então maioria PSD/CDS-PP. Depois, sobre o Orçamento do Estado para 2013, o TC considerou que a suspensão do subsídio de férias no setor público mantinha a desigualdade que já tinha verificado no anterior e chumbou quatro artigos.

A suspensão do pagamento do subsídio de férias ou equivalente dos funcionários públicos, a sua aplicação aos contratos de docência, a suspensão do pagamento de 90% do subsídio de férias a aposentados e reformados e a criação de taxas sobre o subsídio de desemprego e por doença foram as medidas rejeitadas.

Antes, o TC já tinha chumbado os diplomas que estabeleciam o regime jurídico da requalificação dos funcionários públicos, permitindo o despedimento ao fim de 12 meses em regime de mobilidade. Em setembro de 2013, o TC chumbou seis de 15 normas do diploma do Código do Trabalho, incidindo sobre os critérios de despedimento por inadaptação, por violar o artigo que proíbe “despedimentos por justa causa”.

Em 2014, voltou a causar polémica a declaração de inconstitucionalidade da norma do Orçamento do Estado para esse ano que previa um corte nos vencimentos dos funcionários públicos, a 30 de maio desse ano. Essa decisão suscitou até uma querela entre o TC e o Governo PSD/CDS-PP, com o executivo de Passos Coelho a requerer uma clarificação do Tribunal Constitucional sobre a aplicação de algumas partes do acórdão. A 14 de junho do mesmo ano, as normas que criavam a chamada “contribuição de sustentabilidade” foram também chumbadas pelo TC, com Joaquim Sousa Ribeiro a sustentar que a norma se limitava a “um corte cego”.