É emblemática a cena de Shawshank Redemption em que o banqueiro caído em desgraça Andy Dufresne consegue arquitetar a sua fuga da prisão sem que ninguém desconfiasse de tal. Não tanto por Andy ser banqueiro e ter-se evadido do cárcere; emblemático será um dia um banqueiro ser condenado e lá continuar. Mas adiante. O emblemático na fuga é Dufresne ter escolhido uma noite de enxurrada para fugir, ter rastejado ao longo de um esgoto imundo (que é como quem diz “five hundred yards of shit-smelling foulness”) e, chegado à ribeira onde esse esgoto desagua, exibir, prazenteiro, uma t-shirt imaculadamente branca. Isso é emblemático.

Como emblemático é, e lembrando esta cena hollywoodesca, o Moreireinse ter, sem qualquer ataque ou remate digno de registar com perigo, empatado esta terça-feira à noite com o FC Porto, exibindo um imaculado ponto no final.

Mostrar Esconder

Moreirense-FC Porto, 0-0

Estádio Joaquim de Almeida Freitas, em Moreira de Cónegos

Árbitro: Luís Ferreira

Moreirense: Jhonatan; Sagna, Aberhoune, Belkeroui e Rúben Lima; Boubacar, Alfa Semedo e Tozé; Bilel (Zizo, 77’), Arsénio (Peña, 83’) e Edno (Cádiz, 63’)

Suplentes não utilizados: Felipe, André Micael, Alan Schons e Dramé

Treinador: Sérgio Vieira

FC Porto: José Sá; Ricardo Pereira, Felipe, Reyes e Alex Telles; Herrera, Óliver (Sérgio Oliveira, 89’) e Paulinho (Soares, 67’); Marega, Brahimi e Aboubakar (Waris, 74’)

Suplentes não utilizados: Casillas, Maxi Pereira, Jorge Fernandes e André André

Treinador: Sérgio Conceição

Golos: Nada a registar

Ação disciplinar: Cartão amarelo para Boubacar (49’) e Rúben Lima (65’); cartão vermelho para Boubacar (92’)

Mas como explicar o empate portista em Moreira de Cónegos? Vamos por partes.

A primeira parte: quando findo o encontro o melhor em campo é um defesa-esquerdo, algo vai mal. É certo que tal até podia acontecer no Real Madrid do final da década de noventa e viragem do século. Então, o defesa-esquerdo era um tal de Roberto Carlos, claro. Mas voltando a Moreira de Cónegos e ao estádio com o mais longo nome da história dos estádios de futebol: Estádio Comendador Joaquim de Almeida Freitas. Se alguém quis vencer o Moreirense esta noite esse alguém foi Alex Telles. E cruzou, cruzou e cruzou. Cruzou que se fartou. E correu que se fartou também. Mas em vão. Então e Brahimi, o abre-latas Brahimi, o prega-cuecas Brahimi, o [inserir aqui adjetivo elogioso para o argelino] Brahimi? Foi desarmado cinco vezes e perdeu 24 vezes a posse de bola. Está tudo dito.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A segunda parte: quando chegados ao intervalo só um remate com direção há a registar e esse remate é a um minuto… do intervalo, algo vai mal. Mas verdade se diga: foi uma grande, grande defesa de Jhonatan Luiz, o guarda-redes do Moreirense. Primeiro desvia o cruzamento de Marega à direita… mas desvia para a sua frente. Na recarga, Óliver remata à queima-roupa e, num golpe ágil com o braço direito, Jhonatan afastou.

A terceira e última parte: Soares. O ponta-de-lança brasileiro (que até se pegou com Sérgio Conceição no clássico com o Sporting e terá recebido guia de marcha para a China) entrou ao minuto 67 e conseguiu, entre o 69 e 89, falhar três golos (quaaaase) cantados. No primeiro, ao minuto 69, Brahimi cruza à esquerda, Soares antecipa-se à defesa do Moreirense mas cabeceia por cima. Depois, ao minuto 75, Marega cruza desde a direita e Soares, à boca da baliza, cabeceia ao lado do poste esquerdo. Por fim, ao minuto 89, Sérgio Oliveira voltou a cruzar. Como até aqui, Soares estava sozinho na grande área. Como até aqui, falhou o golo.

Mas acrescente-se uma quarta e derradeira parte para explicar o empate portista: Jhonatan Luiz. E a defesa que este fez ao minuto 50. O livre era frontal à baliza, chegou-se à frente a canhota de Alex Telles para o bater, bateu em arco e Jhonatan desviou (que defesa foi!) para o canto superior esquerdo da sua própria baliza. Na recarga, e tendo o guarda-redes tombado sobre o relvado — e só que encostar de cabeça, portanto –, Felipe permitiu a antecipação de Rúben Lima, que cortou para lá do sol posto.

[No final ainda houve um golo anulado ao FC Porto no minuto 96. Sérgio Oliveira cruzou para a grande área, Ricardo amorteceu de cabeça e Waris desviou para a baliza. De pronto o árbitro Luís Ferreira apitou: o ganês estava em fora-de-jogo.]

Contas feitas, o FC Porto ainda é líder mas, vencendo o Sporting amanhã em Alvalade o V. Guimarães, pode perder essa liderança. Mas haverá sempre quem, portista, pense agora: we’ll always have pari… perdão: a segunda parte com o Estoril.