Cumprir o contrato de concessão do serviço público universal do serviço postal não chega se esse cumprimento se ficar pelos mínimos. Isso mesmo foi dito pelos deputados à administração dos CTT que foi chamada à comissão parlamentar de economia para explicar o impacto do plano de reajustamento da rede que levou ao fecho de 22 estações dos correios.

O deputado socialista Luís Testa, foi o PS a chamar Francisco Lacerda, disse que todos os dias chegam ao Parlamento queixas da população e dos seus representantes, autarquias e juntas de freguesia, que sinalizam falhas nos serviços dos CTT.

Perante a solidez financeira e a capacidade da empresa, evidenciadas na intervenção inicial do presidente dos CTT, “como é que a qualidade se tem vindo a distanciar dos padrões desejados? Não nos interesse que os mínimos sejam cumpridos de forma sistemática. O que é desejável é que todos os indicadores se aproximem do objetivo. Cumprir os mínimos é estar no limiar da pobreza e da indigência na prestação do serviço à população que mais precisa”, disse Luís Testa.

O tema da degradação da qualidade do serviço foi constante nas intervenções dos deputados de todos os partidos.

Todas as bancadas, da esquerda à direita convergem nas criticas à atuação dos CTT”, concluiu Heitor Sousa do Bloco de Esquerda que, tal como outros deputados, confrontou Francisco Lacerda com os dados revelados na audição ao presidente da Anacom, João Cadete de Matos, que apontam precisamente no sentido de uma erosão generalizada da qualidade do serviço.

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Regulador. Indicadores mostram degradação generalizada da qualidade do serviço postal dos CTT

Para Ascenso Simões do PS, o “país tem um problema com os CTT e o Parlamento não está confortável” com a empresa. Na resposta, Francisco Lacerda assegura que “o conselho de administração tem todo o interesse em que o país esteja com os CTT e quando há problemas cá estamos para discutir e melhorar a ideia que passa”. Não se comprometeu com os resultados desse esforço, mas com o empenho. Francisco Lacerda recusou ainda a classificação de “abutre” dada aos acionistas que compraram a empresa privatizada em 2013. E revelou o “incómodo” que se sente dentro dos CTT sobre o que se lê na imprensa sobre a empresa.

O presidente dos CTT garantiu que “a ambição é ter qualidade”, mas acrescentou, “não a melhor do mundo. A nossa vontade é continuar a ser o prestador do serviço público postal, (após o termo do contrato de concessão em 2020), mas Portugal e a Europa devem discutir o que deve ser o serviço público, a cada momento”.

Reconheceu contudo que a empresa tem “problema sério” nos Açores por causa dos transportes e de oferta no mercado aéreo com a liberalização do mercado. “É um drama que vivemos” porque os CTT não conseguem lugar nos aviões, sobretudo para as encomendas.

Queda do negócio postal: “Um dia isto vai virar, mas ainda estamos longe”

Na apresentação inicial, o presidente da empresa justificou o reajustamento da rede à dinâmica de queda permanente do tráfego postal, mais acentuada do que o previsto. Os CTT ainda dependem muito do tráfego postal e estão mais vulneráveis do que outras empresas do setor, mais diversificadas. O banco postal arrancou mais tarde, em 2016, e Portugal está atrasado no crescimento do comércio digital e no tráfego de encomendas. Por outro lado, alerta, o essencial da faturação da empresa vem das grandes empresas e do Estado (Segurança Social, fisco e justiça). E é aqui que a queda é mais acentuada. O gestor avisou ainda que grande parte do atual mercado dos CTT está aberto à concorrência.

É certo, reconhece, que existem bolsas de crescimento, como o turismo, o pequeno comércio com origem internacional, e as encomendas. “Um dia isto vai virar, mas ainda estamos longo do dia que isso vai acontecer”, admitiu Francisco Lacerda que justificou ainda o racional de apostar no banco CTT como parte da estratégia de diversificação. Apesar do arranque tardio, face a outros operadores dos correio, o gestor destaca que o número de clientes e os depósitos captados em menos de dois anos ultrapassam as expetativas, mas vai demorar alguns anos a atingir o break-even, “como é normal”.

O objetivo final, sublinha, é garantir a sustentabilidade dos CTT” e que a empresa vai estar cá muitos anos. Mas para isso é preciso encontrar soluções que respondam à procura que existe e essas soluções, acrescenta, passam pela redução do número de estações, mas não do número de pontos de acesso, 2381. Segundo Francisco Lacerda, os postos (geridos por entidades privadas ou freguesias), oferecem os mesmos serviços postais essenciais às populações, correspondência, vales postal (os CTT ainda pagam 650 mil pensões nos seus balcões) e serviços de pagamento. Mas não permitem subscrever certificados de aforro.

A redução de trabalhadores e a “descapitalização”

Questionado sobre despedimentos, o presidente dos CTT desvalorizou os indicadores transmitidos pela empresa ao mercado sobre a necessidade de reduzir 800 empregos na área da distribuição até 2020, tendo adiantado que por ano saem da empresa, por várias razões, cerca de 150 pessoas por ano. Só esse movimento representa 400 saídas até essa data. Francisco Lacerda reconheceu que existem negociações para rescisões por mútuo acordo. “Há alturas em que é preciso reduzir o número de pessoas numa organização”. A empresa faz propostas, uns aceitam e outros não e continuam na empresa. O presidente da empresa disse ainda que o número de funcionários até cresceu 43 nos últimos três anos, depois terem saído quase 3000 pessoas entre 2008 e 2013 .

A alegada “descapitalização da empresa”, através do pagamento de dividendos aos acionistas mais elevados do que os lucros obtidos no ano, foi outro tema constante da audição. Para o deputado Bruno Dias do PCP, esta foi uma “moda” que começou com o mandado de Francisco Lacerda na liderança da empresa quando os CTT ainda eram uma empresa pública. “Foi dado um mandato a esta administração: Façam dinheiro para os acionistas“. A questão também foi suscitada por Heitor Sousa que lembrou que as reservas que agora servem para pagar dividendos foram constituídas quando os CTT eram do Estado. Lacerda diz que esse é uma decisão da gestão e dos acionistas e sublinha que a empresa não tem passivo bancário.

O deputado comunista também identifica a entrada de Francisco Lacerda para a administração com o ano em que foram encerradas mais estações — 125 entre 2012 e 2013 — e que antecedeu a privatização. Bruno Dias ainda questionou o presidente dos CTT sobre se 20 das 22 lojas que a empresa fechou tiveram lucros de 2,5 milhões de euros. O gestor responde que a decisão de fechar aquelas estações resultou da evolução da procura e do nível de utilização em cada estação. E o que fazem às estações que fecham? (pergunta de Heitor Sousa) “Quando os espaços são nossos vendemos”.