Foi um arquivamento em tempo recorde porque os factos que estiveram na origem da investigação também eram simples. Afinal, os indícios tinham única e exclusivamente a ver com uma solicitação de bilhetes por parte do gabinete de Mário Centeno para que o ministro das Finanças visse o Benfica – FC Porto no dia 1 de abril do ano passado e uma alegada influência de Centeno numa isenção de IMI obtida por uma empresa do filho de Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica. E as conclusões da 9.ª Secção do DIAP de Lisboa não podiam ser mais claras: não foi recolhido qualquer indício de que o recém eleito presidente do Eurogrupo tenha cometido os ilícitos criminais que estavam sob investigação e os autos foram simplesmente arquivados cinco dias depois das mediáticas buscas ao gabinete de Mário Centeno.

O ministro das Finanças nem chegou a ser ouvido pelo procurador-adjunto titular dos autos, por tal se afigurar um ato inútil. “Não se procedeu à audição do ministro das Finanças, considerando os princípios da intervenção mínima subjacentes ao Direito Penal” decorrentes do Código Processo Civil que, de acordo com o Código de Processo Penal, prevê que “não é lícito realizar no processo atos inúteis”, cita o procurador Pedro Roque no despacho de arquivamento consultado pelo Observador.

Ao que o Observador apurou, a procuradora-geral Joana Marques Vidal acompanhou esta situação de perto e defendeu uma decisão célere, tendo em conta que se tratava de uma matéria que não era complexa de analisar.

As razões para o arquivamento

De acordo com o despacho de arquivamento, o ministro das Finanças foi investigado por suspeitas da prática de três crimes: corrupção passiva, tráfico de influências e recebimento indevido de vantagem.

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Estavam em causa neste inquérito, recorde-se, dois factos:

  • uma solicitação de bilhetes para Mário Centeno e o filho assistirem ao jogo Benfica – FC Porto na tribuna presidencial, endereçada no dia 17 de março de 2017 pelo adjunto André Monteiro a Ana Zagalo, funcionária do Benfica; e a presença do ministro das Finanças na tribuna presidencial do clube liderado por Luís Filipe Vieira;
  • uma isenção de IMI concedida no dia 24 de março de 2017 pela Câmara de Lisboa a um prédio propriedade da empresa Realitatis liderada por Sara Vieira e pelo seu irmão Tiago, filhos do presidente do Benfica.

De acordo com o despacho de arquivamento, 0 procurador Pedro Roque entendeu que não existia nenhum indício da prática de nenhum dos crimes sob suspeita por parte de Mário Centeno pelas seguintes razões:

  • Centeno não teve qualquer influência no processo do IMI, sendo que este processo administrativo era da competência da Câmara de Lisboa; teve uma tramitação perfeitamente normal e a decisão verificou-se antes de os bilhetes serem solicitados. O MP procurou nas caixas de correio eletrónicas de diversos adjuntos do Ministério das Finanças alguma alusão a comunicações com Tiago Vieira ou que mencionassem o nome da empresa Realitatis – Investimentos Imobiliários, Lda. Aliás, Tiago Vieira queixou-se ao vereador das Finanças da Câmara de Lisboa por email com razão: o processo esteve parado entre 2 de dezembro de 2016 e 3 de março de 2017.
  • Por outro lado, a solicitação dos bilhetes parte do gabinete do ministro das Finanças foi justificada. Estavam em causa a segurança de Mário Centeno e o Gabinete de Segurança Pessoal que o acompanha já tinha mostrado essa preocupação. Este facto foi testemunhado pelo responsável pela segurança de Centeno, Nelson Couteiro. Este segurança também afirmou que nunca ouviu alguma conversa entre Centeno e os responsáveis do Benfica durante os jogos que o ministro das Finanças presenciou sobre o processo do IMI.

Só estas duas razões fizeram com que as suspeitas dos crimes de corrupção e de tráfico de influências tivesse ‘caído’.

Restavam as suspeitas do crime indevido de vantagem. Mas também aqui o Ministério Público entendeu que não existia qualquer indício de ilícito criminal. Tudo porque o convite que foi solicitado pelo gabinete de Centeno ao Benfica mostrava-se justificado pelas referidas razões de segurança e o mesmo não foi comercializado.

“Com efeito, não se vislumbram motivos para colocar em crise a afirmação das testemunhas ouvidas (com particular relevo para Nelson Couteiro, que não tem dependência laboral para com o ministro) de que a solicitação de bilhetes para a tribunal presidencial teve como motivação, não a possibilidade de assistir gratuitamente a um ‘clássico’ do futebol nacional, em condições de elevado conforto, mas assegurar um contexto de segurança que permitisse ao ministro ponderar assistir a tal jogo”, lê-se no despacho de arquivamento.

Este cuidado com a segurança de Mário Centeno foi considerado fundado pelo procurador Pedro Roque, “atenta a pública e notória animosidade existente entre os adeptos das duas equipas e a circunstância de se tratar de espaço com capacidade para 65 mil pessoas”. Aliás, Centeno já tinha assistido a dois jogos do Benfica, mas o despacho não especifica em que lugar do Estádio da Luz: o Benfica-Bayern Munique a contar para a Liga dos Campeões, que se realizou a 13 de abril de 2016, e o Benfica-Nacional em maio de 2016 a contar para a I Liga.

Assim, as conclusões do MP foram simples:

  • “Não tendo ficado indiciada qualquer intervenção do ministro das Finanças, direta ou indireta, no andamento/desfecho do processo [tráfico de influências] ou qualquer pedido nesse sentido por parte de qualquer dos interessados no aí decidido [corrupção], conclui-se que tais tipos criminais não se mostram verificados”, lê-se no despacho de arquivamento;
  • Apesar de concluir que os convites têm “uma natureza indevida de vantagem”, uma vez que “não há fundamento – nomeadamente, o pagamento de um preço ou uma prerrogativa legalmente consagrada – para que tais convites fossem endereçados ao ministro e ao seu filho”, o DIAP de Lisboa entende que a aceitação do convite representa uma prática “socialmente adequadas e conforme aos usos e costumes” – requisitos da lei que fazem que a vantagem obtida seja legal e não indevida;
  • E porque razão são “socialmente adequadas e conforme aos usos e costumes”? Porque Mário Centeno é, enquanto ministro das Finanças, um “alto titular de cargo político”, ocupa um cargo que ganhou cada vez mais importância desde a crise económica de 2008” e “já vinha gozando de crescente projeção na cena internacional – a qual veio a culminar com a sua eleição “como presidente do Eurogrupo”. Isto é, o “desempenho de tais funções gera um conjunto de direitos e deveres que a comunidade já identifica e reconhece, em sedes várias, como legítimas”. O que explica o estatuto diferenciado em sede legislativa e jurisprudencial. Assim sendo, é perfeitamente justificado que Mário Centeno, “pretendendo legitimamente assistir a evento desportivo em contexto de elevado risco, aceite a única solução que oferece garantias de segurança consideradas adequadas pelo seu Corpo de Segurança Pessoal”.