O escritor Manuel Alegre afirmou que “talvez a crise atual necessite de novo da voz dos filósofos e dos poetas”, defendendo que a literatura e a poesia possam representar a resistência contra o pensamento único.

O escritor discursava na cerimónia de entrega do Prémio Camões, que recebeu sexta-feira, no Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa, das mãos do primeiro-ministro, António Costa, do embaixador do Brasil em Lisboa, Luiz Alberto Figueiredo Machado, e do ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes.

“Nesta era da globalização e de um novo bezerro de ouro, em que o poder financeiro impõe a sua hegemonia sobre a política, a democracia, a cultura e os próprios Estados, a literatura e, em especial, a poesia, podem ser ainda um território de resistência contra o pensamento único e de defesa da liberdade de escolha de cada povo”, afirmou Manuel Alegre.

O galardoado disse acreditar “que nenhuma revolução na poesia constituiu em si mesma uma revolução política”, mas “nunca houve revolução política sem uma poética da revolução”, pelo que “talvez a crise atual necessite de novo da voz dos filósofos e dos poetas”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O autor d'”A Praça da Canção” realçou a forma como a Língua Portuguesa une povos de diferentes latitudes e como “houve o português de múltiplas tiranias e de várias resistências”.

“Por mais estranho que pareça, o povo anda na rua a falar Camões. Fala nas ruas de Portugal. Mas também nas ruas do Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné, Timor e São Tomé e Príncipe. Não tem consciência disso, não sabe que há um Acordo Ortográfico e também não precisa dele. Mas fala Camões, quero dizer: fala a Língua Portuguesa”, argumentou Alegre.

“Além de escrever a epopeia que fundou a identidade cultural dos portugueses, uma epopeia em que os heróis não são figuras míticas, mas ‘homens de carne e osso’, como diria António Sérgio; além de ter criado uma nova e fantástica linguagem poética a que Eugénio de Andrade chamou ‘festa da língua’, Camões consolidou, como gostava de dizer Mário Cesariny, a Língua Portuguesa tal como nós hoje a escrevemos e falamos”, justificou o poeta.

Língua essa que “anda pelos cinco continentes, língua de diferentes identidades e culturas, em que as vogais, não têm todas a mesma cor. E em que as consoantes, como se sabe, em Portugal assobiam, na África cantam e no Brasil dançam”.