Jordyn Wieber era provavelmente a mais discreta das ginastas americanas campeãs em 2012, a par de Kyla Ross, mas tinha um currículo de peso antes da chegada a Londres para os Jogos, nomeadamente a brilhante participação no Campeonato do Mundo de Tóquio no ano anterior onde, com apenas 16 anos, ganhou o título individual e coletivo. Em dois anos, até menos do que isso, foi a melhor. Primeiro no plano nacional, depois na parte mundial, por fim em termos olímpicos. Em 2015, já quando tirava o seu curso de psicologia na UCLA, retirou-se da alta competição; este ano, acabou por ser a maior surpresa num dos julgamentos de Larry Nassar, o médico que durante mais de duas décadas abusou sexualmente de centenas de atletas.

“As nossas cabeças só pensavam na mesma coisa em Londres: quem seria o médico que enviariam para nos ajudar? O médico que abusava de nós. Não sabia que eram tudo técnicas que tinha preparado para me manipular. E ninguém nos protegeu, ninguém se preocupou se estávamos ou não a ser abusadas! Os meus pais confiavam na ginástica dos Estados Unidos e em Larry Nassar e fomos traídos por ambos. Estou zangada comigo mesmo por não ter reconhecido o abuso e é algo com que tenho de lutar hoje. Não sei como foi possível fazer isto durante tanto tempo… Mas apesar de ser uma vítima, não vivo nem nunca viverei a minha como uma”, revelou no seu testemunho, um dos mais fortes ao longo do primeiro julgamento do médico.

Wieber foi uma das últimas Fierce Five (nome com que ficou conhecido a equipa campeã olímpica de 2012) a assumir em termos públicos os abusos que sofreu de Larry Nassar. Mas foi mais longe e questionou como tinha sido possível ninguém saber o que se passava durante tanto tempo. Tal McKayla Maroney. “Da Federação de Ginástica à Universidade de Michigan State ao Comité Olímpico, todos devem ser responsabilizados por terem permitido que isto acontecesse sem fazerem nada para o impedir”, apontou. Tal como Aly Raisman. “Se queremos acreditar numa mudança, devemos primeiro perceber o problema e tudo o que contribuiu para ele. Agora não é tempo de falsas garantias. Precisamos de uma investigação independente ao que realmente aconteceu, ao que correu mal e a como pode ser evitado no futuro”, salientou.

John Geddert com Jordyn Wieber após uma prova nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012 (Michael Regan/Getty Images)

Agora, e depois de várias demissões na Universidade de Michigan State e na Federação de Ginástica, há mais uma pessoa a ser investigada pelas autoridades: John Geddert, antigo técnico de Jordyn Wieber e da equipa americana nos Jogos de 2012 que conhecia e seria próximo do médico há muito tempo. De acordo com o The New York Times, o ex-treinador está a ser alvo de uma investigação no seguimento de nova condenação de Nassar e terá sido alvo de queixas. A notícia foi confirmada pelo gabinete de justiça de Eaton County, que se recusou a revelar mais pormenores por ser um processo ainda em curso.

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Proprietário até janeiro deste ano do ginásio Twistars, em Dimondale (onde Larry Nassar dava consultas às segundas-feiras e que passou para o nome da sua mulher), Geddert também foi criticado em alguns testemunhos no julgamento do médico, onde se argumentou não só que levava as atletas até ao limite físico como, em caso de lesão, aconselhava também a que se consultasse o ex-responsável da seleção americana e da Universidade de Michigan State. Existirá também uma queixa anónima que remonta ao final dos anos 90 em que uma ginasta de 16 anos acordou, numa reunião com a mãe e Geddert, que Nassar deixaria de ser o seu médico após ter feito aquilo que foi descrito como um “tratamento inapropriado”.

Segundo a mesma publicação, Geddert insistiu que tinha “zero conhecimento” das práticas de Larry Nassar e o seu advogado apresentou uma declaração em tribunal em que o ex-técnico dizia ser “apenas mais uma pessoa entre uma longa lista que foi enganada por Nassar”. No entanto, a verdade é que acabou por ser no início do ano suspenso de todas as atividades na Federação de Ginástica até que fosse concluída uma ampla investigação sobre todo o caso. Em paralelo, é referido como alguém com uma ligação próxima e de décadas ao médico condenado em três julgamentos diferentes nos últimos dois meses.

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Conhecido pelo seu estilo intenso e restrito de trabalho, John Geddert, de 60 anos, foi acusado ao longo dos anos por antigas atletas de pedir para que trabalhassem até à morte nos treinos, ao mesmo tempo que lhes atirava objetos quando estava irado. Como recorda o Lansing State Journal, que acompanhou também de forma exaustiva os julgamentos de Nassar, em 2011 o treinador foi acusado de agressão por uma funcionária do Twistars mas não foi a julgamento e, em 2013, teve um processo de uma atleta pela mesma razão, onde foi de novo ilibado de qualquer acusação (embora tenham aconselhado a fazer terapia). “Ele devia estar na prisão com o Larry”, disse a ex-ginasta Lindsey Lemke em tribunal, tendo depois contado mais detalhes sobre o que se passava nos treinos: “Agarrava as raparigas pelos ombros e abanava-as deixando marcas”.

John Geddert, um dos técnicos das campeãs olímpicas de 2012, era proprietário do ginásio Twitstars (Thomas Coex/AFP/Getty Images)

Makayla Trush, que também passou pelo ginásio Twistars entre os sete e os 17 anos, foi mais longe. “Não existe um único osso do meu corpo que não odeie o John Geddert porque tudo o que me fez durante a carreira. Disse-me para me matar mais do que uma vez; o final da minha carreira, eu tentei”, apontou em declarações citadas pela ESPN, antes de especificar que o seu fim como ginasta surgiu no seguimento de uma lesão nos músculos do estômago após ter empurrada contra um aparelho de treino. “Os abusos de John Geddert eram a gasolina do Larry Nassar, usou tudo isso para mascarar o seu prazer patético”, contou também Bailey Lorencen, acrescentando que um dia sofreu uma fractura nas costas, foi forçada a continuar o treino e mais tarde soube que era um milagre não estar paralisada no seguimento dessa lesão.

A Associated Press destaca também as declarações de Annie Labrie sobre Geddert. “Treinar pelo medo, pela intimidação, pela vergonha e pelo favoritismo explícito era a norma. Não é surpresa que Larry Nassar possa ter feito o que fez tanto tempo porque fomos condicionadas durante anos a obedecer a qualquer custo”, defendeu.