Greg Bishop (Tim Robbins) faz 60 anos e está sozinho dentro do seu carro no primeiro episódio de “Here and Now” — a nova série de Alan Ball, criador de “Sete Palmos de Terra” e argumentista de “Beleza Americana”, que chegou este domingo à televisão norte-americana e portuguesa em simultâneo (em Portugal é exibida no canal TV Séries, que transmitiu o primeiro episódio às 2h desta segunda-feira, o mesmo que canal que volta a transmitir a estreia, agora às 22h45).

Professor de filosofia, com livros publicados (um deles A Layperson’s Guide to the Here and Now, em português algo como “O guia de um leigo para o tempo presente”), Greg está deprimido. A distração semanal, um encontro com uma prostituta asiática vários anos mais nova, aparentemente (já?) não resulta. Vemo-lo no carro, a chorar. Momentos depois, está em casa, rodeado de família e amigos. É então que o elefante da sala aparece: “Olho para o mundo (…) e tudo o que vejo é ignorância, ódio, terror e raiva. Perdemos, meus caros. Perdemos.”

[o trailer de “Here and Now”:]

O que parece simples, contudo, não o é. Não é só a América e o mundo  que estão destroçados — por causa de Donald Trump, explica, de forma implícita mas óbvia (momentos antes, o seu genro era descrito como alguém que “era republicano… até ao Trump, claro”) uma das personagens centrais no primeiro episódio da nova série norte-americana, produzida pela HBO. Também entre os presentes Greg Bishop vê tudo isso: ressentimento e rancor.

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É a partir desse momento que percebemos que a série, que sucede a “Banshee” e “Sangue Fresco” entre as criações de Alan Ball, dificilmente não terá um olhar crítico tanto sobre a América de Trump como (com boa dose de ironia à mistura) sobre a América liberal, que o permitiu. A dado momento da festa, Audrey (Holly Hunter), a “matriarca” de uma família bastante sui generis (inclui uma filha biológica e três filhos adotivos, um vietnamita, um colombiano e uma liberiana negra) a que o Greg chama “uma grande experiência”, encontra o novo flirt do filho adotivo Ramon (homossexual assumido) e diz-lhe entre-dentes que tinha deixado bem explícito que não queria pessoas responsáveis pelo catering no evento (destruiria a ideia de festa familiar?). Quando descobre de quem se trata, abraça-o efusivamente e leva-o para longe para “saber tudo sobre ele”.

[nos bastidores de “Here and Now”:]

“Estava a tentar perceber como dar uma volta ao argumento típico de um drama familiar e é daí que os elemento místicos [sobretunaturais], multiétnicos e adotivos vieram. Estava numa sala com os argumentistas quando o Trump foi eleito e achámos que esta série podia ser uma forma de olhar para a maneira como estas personagens, todas tão diferentes, vivem a América de Trump e como é que a maquilhagem que cada um coloca dita essas diferenças”, apontou Alan Ball, em entrevista à Hollywood Reporter. Disse mais:

Estou num momento da minha vida em que penso muito nas coisas e no que elas significam. Queria ter este tipo de personagens, capazes de ter conversas sobre o que significa a vida e como é que ela pode ser aproveitada ou experienciada.”

O elemento sobrenatural (assim como a comunicação humana na era dos telemóveis e do Facebook), precisamente um dos trunfos que Alan Ball encontrou para tentar subverter a estrutura rígida das séries dramáticas acerca de famílias (como aquele que é um dos grandes fenómenos atuais da televisão, “This Is Us) adiciona uns pós de realismo mágico a “Here and Now”. Esta, contudo, tem estado longe de colher elogios da crítica, que já pôde assistir a quatro episódios: o The New York Times diz que nada do que Alan tem para dizer é verdadeiramente novo face ao que já transmitiu em outros projetos (“Os brancos heterossexuais são disfuncionais e detestam-se, os pais estão deprimidos mas redimem-se, as mães são basicamente uma causa perdida e estaríamos todos melhores se largássemos os telefones e fossemos para a rua viver a vida”), o The Guardian defende (por outras palavras) que as personagens estão tão embrenhadas em discussões filosóficas e existenciais que as suas vidas só servem de adereço narrativo. Será assim? O público terá oportunidade de confirmar, de esta semana em diante.