“O Banco de Portugal não dispõe, nem teria de dispor, de informação concreta” sobre a possibilidade de a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa investir no capital da Caixa Económica Montepio Geral, sublinhou o governador do Banco de Portugal no parlamento esta quarta-feira. “Trata-se de negociações entre duas entidades privadas, não sujeitas à supervisão bancária — nem a Associação Mutualista nem a Santa Casa são supervisionadas pelo Banco de Portugal — cujo racional [do negócio] são da sua exclusiva responsabilidade“. Ainda assim, diz Carlos Costa, lembra que “uma vez negociada uma transação, o Banco de Portugal pode ou não autorizar“.

No que diz respeito à origem do possível negócio, Carlos Costa garante que “o Banco de Portugal não pediu nada nem induziu nada“. Ainda assim, “a diversificação de acionistas, num plano geral, é desejável do ponto de vista da supervisão, porque diminui os riscos”.

Perante a insistência do CDS-PP nesta questão, partido que convocou a audiência, Carlos Costa explica que “a Santa Casa, e o seu provedor, pediu para ser recebida pelo Banco de Portugal, o que é comum e frequente [neste tipo de negócios], por razões óbvias, que é conhecer a posição do supervisor”. “Fui eu que recebi o sr. provedor no dia 25 de maio”, afirma Carlos Costa, e, segundo o próprio, explicou-lhe o mesmo que está a dizer hoje, no parlamento: “para mim, não cabe tomar qualquer posição sobre a negociação. Caberá a esta entidade — do terceiro setor, do setor assistencialista — analisar se faz sentido adquirir a outro acionista”.

Sobre se esta é uma ajuda de Estado a um banco — ou a uma associação mutualista — (pelo facto de a Santa Casa ter uma concessão dos jogos), Carlos Costa chutou para canto. “Não somos nós que vamos determinar se a Santa Casa está ou não dentro do perímetro público. Não sou eu que vou tomar posição sobre isso, posso ter opiniões mas as minhas opiniões não são chamadas para o caso. Cabe à tutela, à Santa Casa e às entidades do terceiro setor, determinar isso”, asseverou.

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E quando vale a participação no Montepio? “Depende da qualidade do ativo a que se refere essa participação e das perspetivas de negócio. Vender uma entidade que já voltou aos lucros não é o mesmo que vender uma entidade que está numa trajetória oposta. Depois, há uma análise de goodwill, ou seja, ter em conta o poder efetivo que depois o novo acionista tem na instituição”, explicou Carlos Costa, que sublinhou que a Caixa Económica Montepio Geral satisfaz, neste momento, os rácios de capital exigidos pelos reguladores.

A única coisa que quem queira comprar pode fazer é olhar para o balanço e verificar quanto vale 10% daquele total. O Banco de Portugal não tem de tomar uma decisão sobre essa matéria, nem quando o preço é bom, nem quando o preço é mau, porque estamos perante duas entidades que assumem as consequências das decisões que tomam”.

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Carlos Costa tem “o pior currículo” em supervisão? “Tive a pior herança”

O momento mais tenso da sessão nasceu de uma pergunta de Miguel Tiago, deputado comunista, que atacou o governador do Banco de Portugal: “o senhor governador tem um dos piores currículos da história da supervisão bancária, viu falir nas suas barbas o BES e o Banif e só trabalha na escuridão”.

Visivelmente incomodado, Carlos Costa ripostou: “não gosto que diga que tenho o pior currículo. Tive a pior herança”.

Tendo tido a pior herança. O que estamos a fazer é progressos sobre a legislação que datava de 1979 e progressos sobre a legislação, no caso da Mutualista, que datava de 1990. Estamos a fazer a adaptação da legislação necessária para fazer face ao problema. Mas há problemas que não se desvanecem por uma alteração de legislação”.

Confrontado por alguns deputados com aquilo que veem de semelhante entre o processo do GES/BES e o caso do Montepio, Carlos Costa garante que “as informações que nós prestámos, e que constam dos arquivos da comissão parlamentar de inquérito, são suficientemente claras para perceber as diferenças entre o caso BES e a Caixa Económica”. Não existem, no Montepio, as motivações e os métodos “pouco claros” que houve no caso do BES.

Esta é uma audição conjunta da Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa e da Comissão do Trabalho e Segurança Social. Carlos Costa veio à Assembleia da República para falar sobre “os contornos que envolvem a hipótese de a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa entrar no capital da Caixa Económica Montepio Geral”.

Numa referência à Associação Mutualista, Carlos Costa lembra que se trata de “uma entidade não sujeita à supervisão do Banco de Portugal, tutelada pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Não compete ao Banco de Portugal fiscalizar a sua atuação, nem os produtos emitidos pela mutualista se encontram sujeitos à supervisão do Banco de Portugal”.

Carlos Costa sublinha que não supervisiona a associação mutualista, “o que não é qualquer juízo de valor sobre a supervisão que é feita. A única coisa que o Banco de Portugal supervisiona é a Caixa Económica, e não quer que haja confusão entre produtos bancários e não-bancários”.

Em virtude de os produtos do MGAM também serem comercializados aos balcões da CEMG, e tendo em vista acautelar os riscos de uma perceção incorreta da natureza dos produtos emitidos pelo MGAM por parte dos clientes e do público em geral, designadamente a eventual confundibilidade desses produtos com depósitos bancários, o Banco de Portugal tem vindo a acompanhar a questão, numa perspetiva prudencial, para que cada investidor esteja devidamente esclarecido.

“Neste contexto, o Banco de Portugal determinou à CEMG a apresentação de um plano de ação que assegurasse a separação entre ambas as marcas, de modo a tornar publicamente percetível, de forma clara e inequívoca, as diferenças entre as duas instituições”, lembrou Carlos Costa. “O Banco de Portugal não determinou a criação de uma nova marca. Tal decisão depende exclusivamente da vontade da CEMG e do(s) seu(s) acionista(s), os quais poderão tomar essa opção se entenderem que a mesma é essencial para dar resposta às preocupações prudenciais manifestadas pelo Banco de Portugal”, lembrou Carlos Costa.

A audição a Carlos Costa vem na sequência dos testemunhos recolhidos no parlamento junto de Edmundo Martinho, atual provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, e José António Vieira da Silva, ministro do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social.

Edmundo Martinho foi ao parlamento em meados de janeiro, altura em que afirmou que queria esclarecer algumas “mistificações” que acreditava existirem na forma como este tema tem sido tratado na praça pública e na imprensa, “de forma preconceituosa”. Uma dessas “mistificações”, diz Edmundo Martinho, está ligada aos valores que têm sido veiculados — os 200 milhões por 10% do capital da Caixa Económica Montepio Geral.

Depois de lembrar que “a Santa Casa sempre teve investimentos no setor financeiro, incluindo sob a tutela política de alguns” que hoje questionam a possível entrada no capital do Montepio, Edmundo Martinho quer “recordar que, quando se fala de valores, desde que o processo começou a ser estudado, há cerca de um ano, para estudar a possibilidade de a Santa Casa entrar no capital do Montepio, na altura ficou definido que no máximo poderia comprar 10% do capital”.

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O Expresso noticiou, entretanto, que passou a estar em cima da mesa a compra pela Santa Casa de 6% do Montepio, por 160 milhões. O que, na realidade, corresponde a uma avaliação mais generosa, até, do que 200 milhões de euros por 10%.

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Também no parlamento, Vieira da Silva recusou a ideia de que o Governo tenha empurrado a Santa Casa para o Montepio. Foi uma sugestão, garantiu o ministro. Para Vieira da Silva, o negócio não se afasta da missão da Santa Casa.

O Governo não empurrou a Santa Casa para o Montepio. Foi uma sugestão, diz Vieira da Silva