Monster Hunter é um dos maiores casos de sucesso comercial da última década. Uma série de RPGs de ação que nos coloca na pele de caçadores de monstros e cujo ambiente levou a milhões de vendas no Japão até conquistar o mundo nos anos subsequentes. O mais recente título, Monster Hunter World, lançado há duas semanas, já vendeu 5 milhões de unidades nos primeiros três dias de lançamento e é sobre o que o distingue dos outros que falamos nesta antevisão.

Esta série da histórica Capcom tem como elementos fundamentais o extremo desafio que coloca, não só pela dificuldade em derrotar as gigantescas criaturas mas pela limitada informação que o jogo dá para consegui-lo. Monster Hunter nunca “deu a mão” aos jogadores de forma a facilitar-lhes a vida. Jogá-lo assume-se sem rodeios como uma tarefa árdua, morosa, mas em que a satisfação de conseguir derrotar estas titânicas criaturas compensa as muitas horas investidas.

Desde sempre que a experiência de Monster Hunter se centrou na experiência de jogo e não na narração. Existem ligeiras semelhanças com outro título do mesmo ano de lançamento, o Shadow of the Colossus, que também quase resumia o jogo a um combate com criaturas gigantes. Mas, no caso deste, esses duelos eram expressões de uma belíssima história que está a ser contada, enquanto que no caso do outro, cada luta é um fim em si mesmo. Monster Hunter: World tenta trazer maior peso ao enredo do que os seus antecessores, mas falha em criar algo verdadeiramente interessante e rapidamente nos lembra que o seu foco é mecânico, e não narrativo.

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Este é, sobretudo, um jogo que vive quase exclusivamente das boss fights em si mesmas e da emoção que estas acarretam. Mas lutar contra uma serpente marinha com largos metros de comprimento pode não ser tarefa fácil se não tivermos o equipamento correto. E é nessa investigação, descoberta e preparação que circunda o grande ónus do jogo: o grind intenso. Apesar de termos explicado em profundidade a definição de grind neste artigo, esta atividade resume-se a uma repetição da mesma ação na procura de obter itens que podem sair aleatoriamente.

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No caso de Monster Hunter, o grind prende-se com a tónica de caça-recoleção de todo o jogo: para desenvolvermos melhores armas e armaduras precisamos de materiais. Esses materiais são usualmente encontrados como espólios de caça dos monstros, sejam eles dentes, escamas, ossos, e afins. A lógica é mesmo essa: para podermos combater um monstro temos de repetidamente derrotar outros para deles recolher materiais, equiparmo-nos com melhores ferramentas e assim sucessivamente. Um ciclo quase interminável que obriga a uma entrega de tempo tremenda, levando-nos muitas vezes a encarar o ato de jogar esta série como um segundo emprego, virtual e sem retorno que não seja a satisfação da vitória.

As fundações de Monster Hunter mostravam as pré-concebidas diferenças culturais entre o Ocidente e o Japão, percebendo-se que foi originalmente desenvolvido para o mindset nipónico. Os consumidores japoneses têm uma grande proximidade com títulos com repetição e grind, nos quais o desafio intenso é ultrapassado pela noção de progressão e auto-evolução. Mas, com as fronteiras conceptuais a esbaterem-se num mercado global, não demorou muito para que Monster Hunter encontrasse milhões de fãs para lá da ilha do sol nascente. O único problema com a série, assim como atestámos em artigos de análise das iterações anteriores, é que o seu desafio e lógica de repetição não é abrangente a todos. Aliás, é seguro assumir Monster Hunter como uma das séries menos fáceis de “entrar” para novos jogadores.

Sem sacrificar o que faz de Monster Hunter um jogo com tantos milhões de fãs, a Capcom decidiu repensar a série para que ela seja mais abrangente e reflita o mercado globalizado como o conhecemos. Até porque, convenhamos, se não existirem demasiadas barreiras intransponíveis a novos jogadores isso equivalerá a novos compradores. E os números crescentes de vendas de iteração em iteração têm comprovado que Monster Hunter tem margem de crescimento em termos de público.

Com este Monster Hunter: World (o primeiro da série com lançamento simultâneo em todo o mundo), a Capcom tornou a jogabilidade mais acessível. A adição de scoutflies, uma espécie de pirilampos que indicam o trajeto até aos monstros que temos como alvo de caçada, vem quebrar com alguns dos aborrecimentos que a série tinha até aqui. Algum do tempo que perdíamos nos títulos anteriores passava por andar literalmente à caça, percorrendo mapas por pistas e indicações de onde encontrar os monstros que procurávamos. Estes pirilampos vão “evoluindo” ao longo do jogo, permitindo-nos de forma mais eficaz e mais rápida identificar rastos e pistas que nos levem rapidamente aos nossos alvos.

A fauna deste mundo foi mais uma vez surpreendentemente criada. Apesar das criaturas com as quais nos cruzamos serem obras de fantasia, o seu comportamento está mais animalesco do que nunca, mimetizando a “personalidade” de animais que tão bem conhecemos. É esta ideia de vida orgânica e de imprevisibilidade no comportamento dos monstros que tornam o desafio de os caçar (tarefa essa que pode ir até a uma hora de luta) como algo interessante de se experimentar.

Monster Hunter: World, apesar de mais acessível, continua a demonstrar-nos que tal como em toda a série, experienciar o que ele tem para nos oferecer é uma tarefa que requer entrega e aprendizagem. Seja por percebermos quais as armas (de um leque de 14 tipos diferentes que podemos livremente escolher) mais eficazes para combater uma determinada criatura, ou por conhecermos melhor o seu habitat e comportamento. O grande foco que este novo título tem estende-nos esta partilha de conhecimento ao facto de coabitarmos o mundo com outros jogadores e com eles podermos criar grupos de caça para ultrapassar os desafios mais duros. E no extremo, aprendermos e desenvolvermos novas estratégias de caça com eles.

Os monstros continuam sem informação direta sobre se estão próximos de morrer, o que significa que a tensão ao longo de toda a batalha é constante — do primeiro ao último momento. Existem alguns sinais e indicadores de que estes titãs já tiveram algum dano, mas nada é transmitido de forma direta, como as usuais barras de vida, para que possamos ter noção se falta muito para sermos vitoriosos ou não.

Apesar da maior acessibilidade, Monster Hunter: World continua a não ser o jogo mais “amigável” de se jogar e não é de todo indicado a jogadores mais casuais. O desafio de combater os monstros não só continua elevado, como o simples ato de navegar os menus internos do jogo continua a ser uma missão digna de estudos académicos avançados. Situação esta de experiência de jogo que até complica algo simples, como tentar criar ou procurar grupos de caça.

Se Monster Hunter: World se apresenta como um dos melhores da série em muito se deve também ao brilhantismo visual. O esforço artístico na construção deste mundo é soberbo e existe um sentimento constante de surpresa pelo quão bonito e deslumbrante este jogo consegue ser em todos os instantes.

Este novo jogo da Capcom e exclusivo temporário da PS4 e Xbox One (que chegará ao PC no final do ano) é um título com largas dezenas e possivelmente centenas de horas de conteúdo para ser explorado. O facto de termos ultrapassado apenas marginalmente as primeiras dez horas de jogo não nos deixa confortáveis, de momento, para criar uma avaliação justa, mas o melhor remate que podemos deixar a esta espécie de antevisão prende-se com a sua acessibilidade. Sempre tivemos algumas reticências em sentirmos o apelo que tantos milhões de jogadores sentem com esta série, mas Monster Hunter: World parece ter esbatido ligeiramente essas barreiras que nos mantiveram “de fora” por mais de dez anos. É decerto um dos títulos mais envolventes e exigentes deste início de ano. Mas não é feito para todo o tipo de jogadores.

Ricardo Correia, Rubber Chicken