As populações de origem europeia e asiática têm maior probabilidade de sofrerem efeitos severos de uma infeção com o vírus dengue do que as populações de origem africana. Os genes responsáveis pela severidade dos sintomas foram identificados por uma equipa internacional que inclui investigadores portugueses do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S, Universidade do Porto). Os resultados foram publicados na passada sexta-feira pela revista científica PLOS Neglected Tropical Diseases.

Este trabalho vem na sequência de outro publicado no ano passado, na revista PLOS Pathogens (também com uma equipa portuguesa do i3S), que mostra que as populações de origem africana têm genes que lhes permitem resistir sem problemas a uma segunda infeção com o vírus.

Evolução da dengue

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O vírus da dengue pode causar febres altas — febre da dengue —, mas quando as febres muito altas são associadas a hemorragias (no nariz, boca e gengivas), dores abdominais fortes ou inquietação, a situação é mais grave e trata-se de febre hemorrágica.

Numa fase posterior, a doença pode evoluir para a síndrome de choque da dengue, que pode levar à morte, e que se caracteriza pelo aparecimento de petéquias (pequenos pontos vermelho na pele e mucosas, causado por uma pequena hemorragia de vasos sanguíneos) e equimoses (sangramento no tecido subcutâneo, originado da ruptura de um ou mais capilares sanguíneos).

Nem todas as pessoas infetadas com o vírus da dengue desenvolvem sintomas, mas quando o fazem os sintomas são, normalmente, semelhantes aos de uma gripe, com febres altas, dores de cabeça graves, erupções cutâneas, entre outros. Para a larga maioria das pessoas, esta infeção confere imunidade contra uma segunda infeção contra o mesmo tipo de vírus da dengue (mas não contra os outros três tipos).

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No entanto, algumas pessoas apresentam sintomas severos, como febre hemorrágia ou síndrome de choque da dengue (DSS, na sigla em inglês), quando voltam a ser infetados. Estas situações podem ser fatais. A febre hemorrágica causada pela dengue tornou-se uma importante causa de morte, sobretudo entre crianças, em vários países asiáticos, segundo o Centro Europeu para a Prevenção e Controlo da Doença (ECDC, na sigla em inglês).

Há muito que se considerava que a diversidade étnica poderia explicar porque é que as formas mais severas de dengue aparecem no sudeste asiático. Mas como é que se chegou até aqui? A resposta estava em Cuba. Desde o início do século XX que os médicos cubanos observavam que os cubanos que apresentavam sintomas mais graves da doença eram os de pele clara, de origem europeia, por oposição aos de pele escura, de origem africana. Como a dengue não é endémica em Cuba e os surtos surgem esporadicamente esta era a população ideal para ser estudada. Os genes OSBPL10 e o RXRA apareceram como os melhores candidatos à proteção contra os efeitos numa segunda infeção.

Embora a dengue não seja uma doença muito mortífera, outras doenças relaccionadas e mais perigosas como a febre amarela podem ter levado à selecção de mecanimos genéticos de proteção nas populações de origem africana, que também as protegem contra o vírus da dengue”, disse Luísa Pereira, investigadora no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S, Universidade do Porto) e uma das coordenadoras da equipa. “Esta protecção adquirida em África migrou para outras regiões do globo com a escravatura transatlântica.”

Mas isto dizia respeito a uma população muito restrita. O que aconteceria com as populações na Europa e, sobretudo, na Ásia onde as quatro estirpes do vírus terão surgido? No trabalho agora publicado, os identificaram dois genes relacionados com a inflamação dos vasos sanguíneos, que aumentam o risco de síndrome de choque da dengue, e quatro genes relacionados com o metabolismo de moléculas externas ao organismo, como fármacos, que condicionam o risco de febre da dengue.

“O risco genético particular conferido por estes genes indicam que as pessoas do sudeste e nordeste asiático estão mais susceptíveis a ambos os fenótipos [ou seja, à febre da dengue e à DSS]”, escrevem os autores do artigo. “Os africanos são os melhor protegidos contra a DSS e os europeus são os melhor protegidos contra a febre da dengue, mas são os mais susceptíveis à DSS.” De facto, e apesar da dengue estar completamente instalada em África, são raros os registos de cidadãos que apresentam febre hemorrágica, sendo os principais afetados os imigrantes não-africanos.

O vírus da dengue — qualquer uma das quatro estirpes — pode ser transmitida pelos mosquitos Aedes albopictus e o Aedes aegypti. Estes mosquitos vivem sobretudo nas regiões tropicais, mas com o aumento da temperatura global podem ocupar outras latitudes, nomeadamente viajar para norte e estabelecer-se na Europa. Em algumas regiões da Europa, como o sul de Espanha, França e Itália, já se estabeleceu o mosquito Aedes albopictus, que é mais adaptável. Na Madeira, foi o Aedes aegypti que provocou o surto de dengue na ilha em 2012.

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