O draft de 2004 na NBA foi um daqueles onde as posições estavam inicialmente invertidas. Por norma, espera-se pelo sorteio para se saber qual a equipa que tem a primeira escolha e depois conhece-se quem é o eleito; neste caso, ainda antes de ser feita essa escolha, Dwight Howard seria sempre o número um. Como foi. Seguiram-se Emeka Okafor e Ben Gordon, numa casta que teve ainda nomes como Luol Deng, Andre Iguodala, Kris Humphries, Al Jefferson, JR Smith ou Josh Smith. Entre estes, no 12.º lugar, um nome pouco familiar: Robert Swift. É ele o protagonista desta história que dá que falar em Espanha.

Eleito pelos Seattle Supersonics nesse ano (quebrando a promessa de que iria passar a Universidade de Southern Califórnia), o poste foi um autêntico flop no primeiro ano (16 jogos, média de quatro minutos e meio e 0.9 pontos), melhorou um pouco no segundo (47 jogos, média de 21 minutos, 6.4 pontos e 5.6 ressaltos) e assumiu-se como titular no terceiro, altura em que devia ter uma época de confirmação mas que se transformou em frustração: depois de ter feito uma rotura do ligamento anterior do joelho na pré-temporada, falhou 2006/07 inteiro e, no ano seguinte, teve outro problema no mesmo joelho (agora no menisco). Em 2009, já pelos Oklahoma City Thunders de Kevin Durant e Russell Westbrook (que ficaram com os direitos dos Seattle Supersonics), continuou com números demasiado pequenos e acabou por ser dispensado da equipa.

Swift passou depois pela D-League (uma espécie de segundo escalão do basquetebol norte-americano) mas, passados apenas dois jogos pelos Bakersfield Jam, saiu. Além da falta de motivação, estava com peso a mais e mobilidade reduzida em comparação com o miúdo que se tinha apresentado no draft de 2004, como explicou o The Seattle Times. Sem equipa, aceitou um convite de um antigo treinador, Bob Hill, e rumou ao Japão, na primeira experiência fora dos Estados Unidos que correu bem… até chegar ao fim de forma brusca: depois de ter recebido algumas sondagens de equipas da NBA, ficou nos Tokyo Apache, mas o terramoto/tsunami na região em 2011 acabou prematuramente a prova. Ainda esteve à experiência, depois, nos Portland Trail Blazers, mas não convenceu. Nesse ano, foi apanhado a conduzir com excesso de álcool e acabou acusado por condução negligente. Foi o princípio do fim. Nunca mais voltou a jogar, como escrevia o Yahoo Sports. Até agora.

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“Quando estive longe desliguei-me do que tinha aprendido: que o que mais gosto de fazer é jogar, é isso que mais quero. Tudo recomeçou quando regressei à Igreja. Tive muita sorte com a Igreja que escolhi na Califórnia, porque tinha uma grande ligação ao desporto e ajudou-me a voltar ao basquetebol. Nesse ginásio conheci o Mike Huete e foi assim que tudo começou”, explicou à Marca Robert Swift, reforço do Círculo Gijón Baloncesto y Conocimiento da quinta divisão espanhola.

A adolescência do jogador não foi fácil, entre o grave acidente de viação que deixou o pai dois anos sem poder trabalhar e o cancro da mãe, que motivou várias operações. A família sofreu graves problemas financeiros nesse período, mas os anos de NBA de Robert acabaram por equilibrar a situação até entrar numa espiral de más opções que lhe levaram todo o dinheiro e motivaram inúmeros problemas com a justiça: além dos buracos de balas na parede, jaulas de animais, fezes de cão, muitas garrafas não só de cerveja mas também de Dom Perignon ou Crystal, uma pilha com mais de 100 caixas vazias de pizza, foram encontradas armas e munições na casa que tinha e foi obrigado a vender; foi apanhado a viver na casa de um traficante (para quem trabalhava) durante uma rusga onde tinha uma arma de fogo; foi detido pela polícia em 2015 por assalto à mão armada de uma casa, alegando depois em tribunal que estava sob efeito de drogas quando isso aconteceu.

Em setembro de 2016, Chris Ballard publicou na Sports Illustrated uma enorme reportagem sobre a ascensão e queda do jogador (que vale bem a pena ser lida na íntegra). E tudo começa com a detenção, em outubro de 2014, quando foi apanhado pela equipa SWAT que invadiu a habitação do traficante Trigg Bjorkstam, onde era responsável pela casa e pela limpeza da mesma em troca de uma cama e sacos de heroína. Tratando-se de alguém difícil de passar indiferente (gigante, ruivo e cheio de tatuagens, em Seattle não há assim tantos), foi reconhecido por um dos polícias que lhe perguntou como tinha chegado àquele ponto (nessa detenção, foi dos primeiros a acordar após três dias sem dormir onde consumiu heroína e anfetaminas).

Foi um caminho com tanto de longo como de sinuoso. Mesmo não jogando muito, Swift era um jogador que todos conheciam, que assinou um primeiro contrato de três anos por 4.4 milhões de dólares, que se tornou ainda mais mediático quando um dia o ator Jack Nicholson, na primeira fila do pavilhão de Los Angeles, lhe pediu para jogar com mais calma porque estava a matar os “seus” Lakers. Entre a D-League e o Japão, chegou a pensar ser lutador de MMA (algo que nunca chegou na realidade a tentar). Quando entrou na espiral de erros, a partir de 2013, ficou entregue ao vício da droga. Que tentou contornar, por mais do que uma vez, sem efeitos. Bateu no fundo mas, com a ajuda do irmão, de amigos e da Igreja, regressou à tona.

Depois de decidir que queria voltar a jogar, escrevi uma lista com as coisas a atingir para jogar simplesmente basquetebol. A meta final dessa lista era conseguir um contrato profissional e, quando coloco desafios, não gosto de falhar nem de perder”, resumiu o americano.

Com 2,16 metros e tatuagens até às pontas das unhas (literalmente), Swift, de 32 anos, não consegue passar ao lado dos olhares mais curiosos nestas duas semanas iniciais, em Gijón, para o primeiro capítulo da redenção. E, como confessou na entrevista, está “encantado”. “Adoro a cidade e a equipa é genial. Tem muita qualidade e estou ansioso para jogar. E, agora que voltei ao basquetebol, gostava também de poder treinar miúdos mais novos. Acredito que posso ter impacto na vida das pessoas e é esse o meu objetivo enquanto avanço”, destacava este domingo o poste americano, para quem o conjunto espanhol tem um projeto a médio prazo, não só de recuperação pessoal, mas também de crescimento de espectadores e patrocínios. E o primeiro jogo correu bem: fez 16 pontos e 14 ressaltos na vitória frente à Universidade de Oviedo (82-62), o que mereceu trabalhos de outros jornais generalistas espanhóis como o La Vanguardia.