A Inspeção-Geral das Finanças (IGF) detetou falhas várias no reporte e controlo de dívidas no setor da saúde. Auditorias realizadas em 2016 às administrações regionais de saúde revelaram a existência de dívida subavaliada, com um valor registado abaixo do real e omitido no reporte aos ministérios da Saúde e Finanças, mas também dívida sobreavaliada, com um valor registado acima do real, bem como diferenças “materialmente relevantes” de custos e proveitos de dezenas de milhões de euros.

A auditoria à Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo foi feita no quadro da revisão da despesa pública. E descobriu que a dívida registada nas demonstrações financeiras de finais de 2016 “encontrava-se subavaliada em cerca de 183 milhões de euros. Apesar do valor estar suportado documentalmente em faturas e documentos equivalentes, foi registado indevidamente como acréscimo de custos e, consequentemente omitido nos reportes de dívida efetuados à Administração Central do Sistema de Saúde e à Direção-Geral do Orçamento“. Já na Administração Regional de Saúde do Centro foi detetado o contrário: “a sobrevalorização das dívidas a terceiros (14,8 milhões de euros).

As administrações regionais têm como competência distribuir, de acordo com as orientações definidas pela Administração Central do Sistema de Saúde, IP, os recursos financeiros às instituições e serviços prestadores de cuidados de saúde integrados ou financiados pelo Serviço Nacional de Saúde. O tema dos atrasos nos pagamentos da saúde voltou à ordem do dia e deverá ser uma das matérias sobre a qual o ministro Adalberto Fernandes será questionado esta quarta-feira de manhã no Parlamento.

Sistemas de informação contabilísticos não fiáveis, atrasos na contabilização de faturas e ausência de informação validada sobre os montantes em dívida e a receber, compras classificadas como empréstimos, foram outros problemas detectados em três auditorias cujos resumos foram recentemente disponibilizados pela IGF. Isto numa altura em que o Ministério das Finanças está a passar a pente fino, precisamente através da Inspeção-Geral de Finanças, as faturas em atraso dos hospitais para validar que montantes serão pagos com os 500 milhões de euros injetados no final do ano passado. E garantir que o prazo vencido, prioridade às dívidas mais antigas, é o critério determinante.

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Hospitais. 500 milhões para pagar dívidas estão congelados pelas Finanças há um mês

O cheque foi depositado ainda no ano passado, mas os gestores hospitalares ainda não puderam usar o dinheiro para pagar as dívidas aos fornecedores. O Ministério das Finanças, na execução orçamental de janeiro de 2018, revela que só em março é que se começará a fazer esse pagamento. E as contas do Estado do primeiro mês do ano revelam os resultados desta demora.

Os pagamentos em atraso do Estado aumentaram 276 milhões de euros face a janeiro de 2017. A derrapagem agravou-se especialmente face a dezembro com a conta por pagar a subir 115 milhões de euros. Os hospitais são os grandes responsáveis por esta situação. Dados da execução orçamental mostram que os valores por pagar cresceram 339 milhões em janeiro face ao mesmo mês do ano passado e 112 milhões de euros face a dezembro de 2017.

Estado teve mais excedente, mas pagamentos em atraso cresceram 276 milhões em janeiro

Perante as queixas dos gestores hospitalares e críticas da oposição, o Ministério das Finanças já esclareceu as razões do compasso de espera. Apesar de o aumento de capital de 500,19 milhões de euros realizado em 39 hospitais empresa ter como objetivo a “diminuição do stock de dívida a fornecedores”, para além de garantir a sustentabilidade destas empresas, o dinheiro serve “exclusivamente para o pagamento de dívida vencida a fornecedores, por ordem de maturidade”.

As Finanças acrescentam que o processo de validação das dívidas dos hospitais está a ser supervisionado pela Inspeção-Geral de Finanças, acompanhada pela Administração Central do Sistema de Saúde. E, citando um despacho assinado em 29 de dezembro de 2017, realçam “só após identificação e validação das dívidas a regularizar estarão reunidas as condições para se proceder aos pagamentos através da aplicação dos saldos de gerência em despesa, nos termos das normas orçamentais em vigor”.

Principais conclusões das três auditorias

Lisboa e Vale do Tejo. O reporte das contas de 2016 feito no início de 2017 “evidenciava diferenças materialmente relevantes (39 milhões de euros de custos e 37 milhões de euros de proveitos)“, em relação aos números da prestação de contas final. Houve uma subvalorizado dos saldados das contas de custos, por não ter sido considerado a tempo os custos com parcerias público privadas (PPP).

A dívida a terceiros relevada nas demonstrações financeiras finais de 2016 encontrava-se subavaliada em cerca de 183 milhões de euros. Apesar deste valor estar suportado em faturas e documentos equivalente, foi registado de forma indevida como acréscimo de custos e consequentemente omitido nos reportes de dívida efetuados aos ministérios das Saúde e Finanças.

Norte. O reporte das contas de 2016 feito no início do ano seguinte revelava diferenças materialmente relevantes face aos valores que estavam no reporte final das contas (35 milhões de euros de custos, 28 milhões de euros de proveitos e nove milhões de dívidas a terceiros).

Esta administração recorreu a “operações atípicas” de compra de vacinas, classificadas como “empréstimos” junto de fornecedores que configuram verdadeiras aquisições sem recorrer a processos forais de contratação pública. Para além de incorretamente contabilizadas, estas operações introduziram “distorções relevantes nas demonstrações financeiras”. Situação que já foi regularizada.

Centro. Para além das diferenças materialmente relevantes entre os valores registados no reporte de 2016 feito no início do ano seguinte e as contas finais apresentadas, foi detectada a sobrevalorização das dívidas a terceiros, no montante de 14,8 milhões de euros. Tudo resultado de atrasos no registo contabilístico de faturas e o não seguimento de procedimentos.

O sistema de informação contabilístico foi considerado “não fiável”, o que é demonstrado nas diferenças entre os saldos dos balancetes analíticos e de terceiros. A IGF concluiu que não existe “informação validada que permita conhecer os montantes em dívida e a receber. Não estavam implementa dos procedimentos regulares de confirmação de saldos de terceiros.

Os documentos de prestação das contas de 2016 apresentam valores em dívida — 8,3 milhões de euros — e a receber — 10,3 milhões de euros — do Estado e outros entes públicos que não estavam suportados em documentos, desconhecendo-se a sua origem.