A encenadora brasileira Christiane Jatahy, que faz de cada produção um acontecimento multidisciplinar, entre ficção e realidade, para melhor ver o real, é a Artista na Cidade de Lisboa 2018, anunciada pela EGEAC.

A sua presença vai ocupar o Teatro Nacional D. Maria II e o S. Luiz – Teatro Municipal, nos meses de maio e junho, estando prevista a estreia portuguesa da sua mais recente produção, “Ítaca”, inspirada na “Odisseia”, de Homero.

A programação global da iniciativa Artista na Cidade será anunciada no domingo, pela Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural de Lisboa (EGEAC), que já associou a presença de Jatahy a cerca de uma dezena de entidades, como a Cinemateca Portuguesa, os cinemas Ideal e São Jorge, o Museu de Lisboa, o Museu Arpad Szenes – Vieira da Silva, o Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e a Escola Superior de Teatro e Cinema, além dos festivais Alkantara e Temps d’Images.

O calendário de Christiane Jatahy e a programação do D. Maria II incluem três criações da encenadora, no mês de maio: “Júlia”, a partir de August Strindberg, nos dias 04 e 05, “E se elas fossem para Moscou?”, sobre “As três irmãs”, de Tchekov, de 11 a 13, e “A floresta que anda”, sobre as vagas de imigrantes e refugiados – as “florestas que andam”, perante as portas fechadas da Europa e dos EUA -, nos dias 18 a 20 de maio.

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No Teatro S. Luiz, a 07 de junho, Christiane Jatahy faz a estreia portuguesa de “Ítaca”, a sua primeira leitura sobre a “Odisseia”, de Homero, depois da estreia em Paris, dentro de duas semanas, no âmbito da residência que mantém no teatro Odéon, onde o espetáculo estará até finais de abril. Em Lisboa, a peça fica em cena até dia 11 e haverá uma conversa da encenadora com o público no dia 08.

Em julho regressa ao D. Maria para trabalhar com os finalistas da Escola Superior de Teatro e Cinema.

Christiane Jatahy nasceu no Rio de Janeiro, em 1968, e soma perto de duas décadas de trabalhos cénicos que conjugam diferentes áreas artísticas, do teatro ao cinema e à videoarte, com preocupações comuns.

A pesquisa de linguagem de um teatro que se articule com a atualidade, com “a contemporaneidade”, como sublinha no seu sítio na Internet, uma linguagem que provoque o espetador, dê origem a novas abordagens e novos pontos de vista, são objetivos da encenadora que gosta de “armadilhar” as suas produções para as manter vivas.

Jatahy explora zonas de fronteira, entre realidade e ficção, “gerando uma terceira zona teatral”; aposta na indefinição entre territórios do ator e do público e no diálogo entre diferentes áreas artísticas, fazendo apelo a espaços não convencionais ou ao “uso não convencional de espaços tradicionais”.

“O que se pretende com esta pesquisa, é abrir frestas para que o espetador colabore com o que vê, saindo da passividade recetiva para uma atividade construtiva da cena, buscando devolver ao teatro seu caráter participativo e de reflexão” do real, lê-se na página da encenadora e da sua Companhia Vértice, na Internet.

O propósito não é novo para o público português. Pôde ser visto, em 2013, no Teatro Nacional S. João, no Porto, com “Júlia”, em que o drama clássico de Strindberg renascia em palco e em filme, com a mistura de cenas pré-filmadas com outras captadas ao vivo, enquanto o texto do século XIX se transfigurava numa abordagem atual do racismo.

Em 2016, no S. Luiz, a sua visão de “As três irmãs”, conjugada sem fronteiras entre géneros – teatro e cinema -, sem limite entre ficção e realidade, palco e público, ator e personagem, transformou-se numa manifestação contra “o golpe” que então destituía Dilma Rousseff.

Dez anos antes, em 2006, apresentara “Conjugado” no Festival de Almada, uma ‘performance’/vídeo-instalação, baseada em entrevistas, sobre a solidão e o isolamento nos grandes centros urbanos.

No próximo domingo, o anúncio da programação de Christiane Jatahy, em Lisboa, é acompanhado por “A falta que nos move”, uma peça de teatro que remonta a 2009, que também é uma longa-metragem de hora e meia e, ao mesmo tempo, um filme de 13 horas, rodado sem cortes, depois sujeito a montagem, mas que continua a poder ser visto em tempo real, em diferentes ecrãs, em simultâneo.

Segundo a encenadora, trata-se de “uma não peça” que fala da geração “que viveu toda a infância e juventude no Brasil da ditadura”. Decorre durante um jantar, em que os atores “cozinhavam e bebiam de verdade, em cena, misturando realidade e ficção, para falar de memória e relações”.

Para Christiane Jatahy, a questão é sempre a de manter viva cada criação, ligada à atualidade, consciente dos acontecimentos.

“Corte Seco”, estreada em 2009, no Rio de Janeiro, foi concebida a partir de notícias e processos judiciais, e assenta em “bruscas interrupções”, expressas em “cortes secos” da narrativa. A um canto do palco, Jatahy recria constantemente o espetáculo, “mudando a ordem de cenas e cortando-as em pontos diferentes”, em cada representação.

Em Londres, em 2012, dirigiu o projeto “In the comfort of your home”, documentário/instalação com atuações de 30 artistas brasileiros, em casas inglesas.

Em Paris, Frankfurt e São Paulo, entre 2015 e 2016, desenvolveu “Utopia.doc”, sobre ideias e desejos, “um documento político” que se prende com movimentos de imigração.

Há um ano, para a Comédie-Française, revisitou “A regra do jogo”, de Jean Renoir, combinando o caráter de ‘vaudeville’ da obra com a sua dimensão trágica, aproximando-se o mais possível da definição do filme dada pelo próprio cineasta: “Dançamos sobre um vulcão”.

Para a construção dramatúrgica de “Ítaca”, sobre Homero “e outras inspirações”, que vai estrear a 16 de março, em Paris, Christiane Jatahy entrevistou refugiados e improvisou com os atores, antes de escrever o texto final, transfigurando as faces de Penélope e de Ulisses, em diferentes personagens. Um processo de criação, que expõe no livro “Fronteiras Invisíveis”, com os diálogos para a criação de “A Floresta que Anda”.

Christiane Jatahy é artista associada de Le CentQuatre e Odéon Théâtre, em Paris, e do Théâtre National Wallonie-Bruxelles, e sucede ao bailarino e coreógrafo congolês Faustin Linyekula, Artista na Cidade de Lisboa em 2016.

O dramaturgo e encenador britânico Tim Etchells, em 2014, e a coreógrafa belga Anne Teresa de Keersmaeker, em 2012, foram os anteriores convidados da bienal que junta diferentes palcos e instituições da cidade.