Só tomavam banho uma vez por ano, não sabiam o que era um medicamento nem nunca tinham visitado um dentista, mas apesar desta vida de castrações e maus tratos que os filhos do casal Turpin viviam na chamada “casa dos horrores”, uma delas mantinha uma vida secreta nas redes sociais que veio à tona esta quarta-feira. A rapariga de 17 anos que fugiu da clausura e denunciou os crimes cometidos pelos pais tinha uma página de YouTube com um nome falso, usava o Instagram com outro nome de utilizador e era muito ativa no Twitter.

Esta página de YouTube já foi desativada, mas a Internet guardou-lhe o rasto e até é possível ver fotografias dos vídeos no Google Images. A rapariga de 17 anos usava como pseudónimo Lacey Swan e aproveitava a plataforma para publicar vídeos onde aparecia a interpretar canções que ela própria escrevia. Entre as músicas que publicou, e que as autoridades entretanto eliminaram, estão títulos como “It’s Over” (publicado a 28 de dezembro de 2017), “You Blame Me”, “Not For Today”, “Where Is The Key” e “So Weak”. As letras das canções incluem frases como: “Culpam-me por tudo, culpam-me de todas as formas, culpam-me pelo que eles dizem”.

“Ele está a tentar entrar na sala, mas é impossível. O pai trancou-a outra vez”.

Além dos vídeos onde aparece sempre com uma porta branca nas costas (e aparentemente na mesma divisão), a rapariga também publicou alguns vídeos a brincar com os cães. Numa dessas publicações, chamada “My Dog Sandy Plays With A Ball”, as imagens permitem espreitar as condições da última casa onde David e Louise Turpin terão cometido os crimes de que são acusados desde 14 de janeiro, quando a jovem fugiu e procurou auxílio. Quando a rapariga atira a bola para brincar com o cão, que está vestido com uma camisola verde, o movimento da câmara desvenda uma pilha de roupa num canto da sala. Quase no final do vídeo, a filha de 17 anos abre a porta da sala e ouve-se uma voz aguda, possivelmente de uma criança, dizer: “Ele está a tentar entrar na sala, mas é impossível. O pai trancou-a outra vez”.

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[Veja os vídeos que a jovem publicava no Youtube e uma conversa em que falam sobre o pai]

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O último vídeo na conta de YouTube de Lacey Swan, pseudónimo utilizado pela filha fugitiva dos Turpin nas redes sociais, foi publicado a 7 de janeiro, precisamente uma semana antes de a jovem ter escapado da casa de família na Califórnia — moravam no número 160 da rua Muir Woods em Perris, condado de Riverside. No entanto, a rapariga também mantinha uma página de Instagram aberta: todas as fotografias publicadas nesse perfil foram eliminadas pela polícia, mas incluíam fotografias do cantor Justin Bieber. A página, chamada “Elexa Morning”, era seguida por 115 pessoas (e o número continua a aumentar), mas seguia apenas três: a cantora canadiana Veronna, o mural oficial da Digster Playlist e a estrela das redes sociais Something Like Kites. Todos têm algo em comum: trabalham no mercado da música.

A única conta associada à filha dos Turpin que ainda está disponível é a página de Twitter, onde também se dá pelo nome de Lacey Swan. Embora permaneça ativa, a página já foi alterada: grande parte das publicações foi eliminada, a fotografia de perfil também foi apagada e o nome passou a ser “SL”. A conta foi aberta em outubro de 2017 e a última publicação foi feita a 14 de janeiro de 2018, dia em que a rapariga republicou um tweet de uma página que serve para amealhar mais seguidores. Esse também foi o dia em que a filha de 17 anos fugiu de casa, pondo fim a quase 30 anos de abusos no seio da família.

[Veja o momento em que os 13 filhos do casal Turpin foram libertados e os pais detidos]

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Alguns internautas conseguiram gravar as publicações antes de elas serem eliminadas. Uma das mais peculiares foi feita a 19 de dezembro de 2017, quando respondeu a um tweet de Nicholas Tetreault, um cantor da Disney Channel, com a frase: “Lamento muito, tenho de viajar outra vez e vai ser uma viagem longa. Falo contigo daqui a um ano, continua a seguir-me”. Em três meses de atividade, entre outubro do ano passado e meados de janeiro, a página de Twitter já tinha recolhido um total de 2.045 “gostos” — uma média de 20 por dia — e a maioria deles eram postos em citações de músicas de Justin Bieber e de Selena Gomez e de fotografias de animais.

Embora as contas nas redes sociais de uma das filhas dos Turpin tenham sido desvendadas esta quarta-feira, desde pelo menos 2011 que há informações relativas a esta família a circular nas redes sociais. Em abril desse ano, David Turpin — o pai — publicou uma nota de óbito da avó, Bertha L. Green, no site da casa funerária Engle-Shook. Bertha era uma mulher religiosa que casou duas vezes e que tinha 80 netos (incluindo David Turpin), 167 bisnetos e 63 trinetos. O primeira marido de Bertha, avô de Turpin, era King Jr., um homem também religioso de que o irmão de David, J. Randolph Turpin Jr., fala num livro à venda na Amazon chamado “A Man Called King”.

Nessa nota, David Turpin escreveu que avó “significava amor” para ele: “Eu sei que ela amava todos os netos. Vamos sentir saudades, mas finalmente alcançou o descanso”, acrescentou. David lamenta ainda que a família não possa comparecer no funeral e assina a nota com os nomes dele, da mulher e de todos os filhos que tinham até aquela época (todos com nomes começados por J) por ordem decrescente de idades. A mais nova ainda não tinha nascido.

Dentro da casa dos horrores. As explicações psicológicas para o caso dos 13 filhos acorrentados

Ainda nesse ano, a sobrinha dos Turpin — Miranda — viajou para a Califórnia para assistir à cerimónia de formatura do irmão, Ben, e para visitar os tios e os primos. Miranda Turpin conta que só conhecia dois dos primos porque a última vez que os tinha visitado tinha sido quando tinha seis anos: “Quando entrámos em casa e vi os meus 12 lindos primos pela primeira vez foi realmente um sonho tornado realidade. Chorei e é preciso muito para eu chorar. Eles eram os filhos mais gentis e mais bem comportados que eu já conheci”, descreveu Miranda Turpin no blog “Dream Chaser”, onde fala das suas viagens.

Foi com ela que a família foi à Disneyland. Na publicação sobre a experiência no parque de diversões, Miranda Turpin explica que ficou especialmente próxima da prima mais velha, porque tinham a mesma idade: “Ela é a pessoa mais doce e com coração mais puro que já conheci. E, acreditem, ela é uma sonhadora! Ela sonha um dia vir a ser uma cantora e compositora profissional. Nunca teve nenhum tipo de educação musical ou de voz, mas ela tem uma voz tão bonita e uma imaginação incrivelmente criativa”. A filha mais velha dos Turpin disse a Miranda que tinha escrito 141 canções, sem contar com as que não terminou ou aquelas que já não canta para os irmãos mais novos. Uma delas, a pior de todas na opinião desta filha, chamava-se “Have Faith”.

A mãe dos 13 jovens e crianças, Louise Turpin, tinha uma página de Facebook à parte da que mantinha com o marido e que tinha o nome “Louise Robinette”. Essa página tinha apenas uma fotografia de perfil atualizada a 27 de julho de 2013 com cinco partilhas. Segundo as informações do mural, o Facebook de Louise não mantinha amigos na rede social, não tinha mais nenhuma fotografia nem desvendava os gostos da mulher.