As luzes deverão ser poucas e a hora pode ser tardia — ou não, até porque nisto da música eletrónica há quem goste de dançar até de manhã –, mas entre a 1h e as 4h do próximo sábado para domingo, 10 para 11 de março, a Fábrica do Pão no HUB Criativo do Beato, em Lisboa, não vai juntar ‘ravers’ apenas na pista, vai ter uma ‘raver’ experimentada atrás da mesa de mistura.

Saoirse, irlandesa, é compatriota de Paddy Cosgrave, o fundador da Web Summit, mas o ‘pitch’ que está a preparar para o Lisboa Dance Festival (festival de música eletrónica e urbana, em que predominam o techno, house, R&B e hip hop e que começa na tarde desta sexta-feira, 9 e termina quando Saiorse, Truncate e Steffi, os três últimos a atuar, decidirem que já chega de dançar) é outro: vai mostrar alguns dos seus discos de eleição, que ouve desde pequena, quando a mãe ainda a levava pela mão às festas de música eletrónica na Irlanda.

A música foi uma peça fundamental na minha infãncia e a minha mãe transmitiu-me imensa coragem para arriscar e ouvir outros géneros musicais, especialmente a electrónica, e mesmo ir a raves ainda bebé ajudou-me imenso. Esta cultura está enraizada em mim desde miúda”, diz a DJ irlandesa, em entrevista ao Observador.

Sem pruridos no que toca aos meios que utiliza para chegar ao grande fim de pôr a pista dançar — a house é o género de eleição, é certo, mas não surpreenderá que na Fábrica do Pão se oiçam, aqui e ali, ecos de música dub, garage e acid jazz –, Saoirse explica que tudo começou pelo prazer de colecionar discos: “Sem essa coleção provavelmente seria uma luta tentar ser DJ. Quantos mais discos tens e/ou conheces, mais te tornas capaz de ter um estilo único. É muito importante ouvir um disco do princípio ao fim, ter tempo para o fazer. Todos os meses tento tirar um tempo para me dedicar à procura por nova música”.

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[Uma atuação de Saiorse em Belfast — ou um aperitivo para a noite de sábado no Lisboa Dance Festival:]

Com uma vasta experiência e conhecimento no mundo da música eletrónica, adquirido ao longo de vários anos, Saoirse tem vindo a ganhar reconhecimento nos Estados Unidos e sobretudo na Europa (não apenas na Irlanda) nos últimos anos, sendo habitual enveredar por digressões internacionais. A experiência fora do seu país, contudo, começou a ganhá-la ainda era praticamente desconhecida, “aos 18, 19 anos”, quando viveu em Ibiza. “Tocava durante toda a semana. Mas realmente demorei mais 11 anos a ter o feeling de: isto [uma carreira] está a acontecer!”.

Estando escalada para o mesmo dia do português Mirror People (Rui Maia) e de Joe Goddard (dos Hot Chip), Midland, Bawrut, Prins Thomas e Nosaj Thing, Saiorse será uma das poucas mulheres a atuar no festival (a par dela, destacam-se por exemplo a portuguesa Mvria, a holandesa — a viver na Alemanha — Steffi e a cantora britânica de neo-soul NAO).

[Os Octave One são outro dos destaques do festival e também falaram ao Observador. Leia a entrevista abaixo:]

Techno de Detroit para dançar no Beato. “Porque não haveríamos de ir a Lisboa?”

A percentagem de mulheres a seguir carreira de DJ e a ter oportunidades de chegar a um panorama de destaque é ainda residual (face à percentagem de homens que o têm conseguido) e o assunto tem vindo a ser discutido a fundo entre programadores, artistas e media. Na última edição do Lisboa Dance Festival, por exemplo, foi discutido num painel de debate, intitulado “Girl Power”. Um ano antes, o espaço lisboeta Village Underground chamara também a atenção para a desigualdade de género neste meio, dedicando a programação do mês de Setembro (de 2016) em exclusivo às produtoras e DJs mulheres.

Foi neste ambiente, predominantemente masculino, que Saoirse cresceu e singrou. Pela experiência dos últimos anos, a DJ não tem dúvidas que a desigualdade existe e é preciso continuar a lutar para equilibrar a balança de representação: “O feminismo foi e continua a ser muito importante para manter na agenda de qualquer indústria. Continua a faltar ainda um longo caminho para a igualdade e feminismo não deve ser visto como uma palavra maldita”.

[Nosaj Thing será outro dos destaques do festival lisboeta:]

Já quanto ao ecletismo do cartaz do festival, que apresenta propostas sonoras muito distintas (da música eletrónica mais tradicional às atuações com música tocada ao vivo, com instrumentos), Saoirse diz que pessoalmente lhe agrada mas que as pessoas também são livres de gostar de só ouvir um género musical: “Tudo se resume a escolhas pessoais. Eu adoro muitos géneros musicais e por isso este alinhamento entusiasma-me muito, no entanto, há pessoas que gostam de um só género e isso também deve ser respeitado”, remata.

O Lisboa Dance Festival decorre dias 9 e 10 de março no HUB Criativo do Beato, em Lisboa. Os bilhetes diários para o festival custam 30 euros e os passes gerais para os dois dias custam 45. Os horários das atuações podem ser consultados aqui.