Ainda não se sabe que químico envenenou Sergei Skripal, o ex-espião russo, e a filha Yulia Skripal, mas sabe-se que é um agente nervoso e que consequências pode ter. Também não se sabe como é os dois foram envenenados, mas sabe-se que a reação é mais rápida quando o químico é inalado. O estado crítico em que se encontram, pode indicar que se trata de um químico potente.

A contaminação também pode ter acontecido através da pele ou por ingestão. De qualquer das formas, o químico ainda estava presente quando chegou o primeiro polícia ao local. Este agente encontra-se hospitalizado com envenenamento pela mesma substância.

O químico usado contra o espião e a filha pertence a um grupo de químicos que atua diretamente no sistema nervoso. Ao atacar uma das enzimas reguladoras da comunicação entre os neurónios, o agente químico mantém as comunicações ligadas. “Todas as luzes vão estar ligadas o tempo todo e o organismo vai entrar em problemas rapidamente”, disse David Caldicott, consultor em situações de emergência e professor de Medicina na Universidade Nacional Australiana. Isto pode levar a uma sobre-estimulação dos músculos.

Mais especificamente, o químico inibe a enzima acetilcolinesterase: uma enzima que funciona como um interruptor de desligar, para desligar a acetilcolina. Sem a enzima, a acetilcolina viaja livremente entre neurónios. E acumula-se sem que seja degradada pela enzima. Imagine que o vizinho lhe toca à porta para lhe dar um recado, mas que depois disso não tira o dedo da campainha.

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A acetilcolina tem um papel importante na parte do sistema nervoso que controla os movimentos involuntários, como os batimentos cardíacos, a respiração, a dilatação das pupilas e ainda a salivação, digestão ou micção. Pela ação que tem na inibição da acetilcolinesterase, é fácil perceber se foi um agente nervoso o químico usado ou não. Basta medir a sua concentração no sangue. Já identificar concretamente o químico usado pode não ser tão fácil.

Depois da bomba atómica, os agentes nervosos são, possivelmente, das coisas mais perigosas que os humanos alguma vez fizeram”, afirmou David Caldicott, co-fundador do curso “Bombas, Explosões e Bombas.”

Os agentes nervosos não são difíceis de fazer, em teoria, escreveu o jornal britânico The Guardian. Mas, na prática, são precisas instalações especiais e algum treino para o fazer. A matéria-prima usada não é cara e até é fácil de obter — faz parte da composição de pesticidas, por exemplo —, mas as versões mortais têm de ser criadas em laboratório. Tentar criar estes químicos “em casa” é demasiado arriscado. Como são facilmente voláteis — formam partículas que se dispersam pelo ar — podiam intoxicar e matar quem o estivesse a preparar. Uma gota é suficiente para os efeitos relatados no caso dos dois russos, escreveu o Guardian.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha criou uma versão para ser usada como arma de guerra — o tabun —, mas nunca a usou. O gás sarin, outra forma deste tipo de químicos, foi usado nos ataques de gás em Tóquio, nos anos 1990, e, mais recentemente, na Síria, em 2011. Mas até à morte de Kim Jong Nam com VX, na Malásia, este tipo de químicos era usado como arma de destruição maciça e não para ataques personalizados.

Ex-espião russo e filha foram envenenados por agente nervoso

Sergei e Yulia Skripal foram encontrados inconscientes no banco de um centro comercial. Para este tipo de envenenamento existem antídotos eficazes, mas têm de ser dados logo após a exposição para terem efeito, explicou Hilary Walker, que faz planeamento em situações de emergência. “Neste momento, acho que os doentes hospitalizados podem estar apenas a receber tratamento para os sintomas apresentados.” Podem ser dados medicamentos que reduzam a quantidade de acetilcolina — cujo excesso resulta deste envenenamento — e outros contra as convulsões. Estes doentes podem precisar também de suporte a nível respiratório e cardíaco porque estas funções estão comprometidas. Mesmo que sobrevivam, os envenenados podem sofrer sequelas para o resto da vida.

Os efeitos no organismo, que serão mais rápidos consoante a via de envenenamento, podem incluir dificuldade em respirar, excesso de muco nos pulmões e de saliva na boca (com as pessoas a babarem-se). A constrição das pupilas, suores e convulsões também afetam as pessoas expostas ao químico. As pessoas podem ainda vomitar, perder o controlo sobre a bexiga e os intestinos. Em casos mais graves, podem entrar coma, falência respiratória ou morrer. Se a dose for mesmo muito alta, a morte pode acontecer ainda antes de se manifestarem os sintomas da intoxicação.

“O facto de um agente nervoso, presumivelmente de origem militar — dada a aparente potência —, ter sido usado contra uma pessoa acusada de traição por um país que tem um alegado registo de envenenar os seus opositores no exílio, deixa pouco à imaginação de que quem possa ter causado esta situação”, disse David Caldicott. “Os oponentes de Vladimir Putin têm, curiosamente, uma elevada taxa de exposição a alguns dos agentes letais mais exóticos alguma vez conhecidos.” O governo russo, por sua vez, nega estar envolvido no envenenamento do ex-espião e da filha.