Há poucos casos em que a cópia tem mais sucesso do que o original. Paulo Portas, quando se candidatou à câmara de Lisboa em 2001, prometeu nos cartazes: “Eu fico”. Mas não ficou. Assunção Cristas, 16 anos depois, seguiu-lhe as pisadas: candidatou-se à maior autarquia do país, disse que ficava e teve um bom resultado (aumentou o número de vereadores de um para quatro). E ficou. A líder do CDS tem ido às reuniões de câmara, intervém em várias sessões e assume-se como a líder da oposição na autarquia. Fez guerra à taxa de proteção civil, continua a criticar a “perseguição” que a EMEL faz aos lisboetas e elege como bandeira a área da ação social. O seu calcanhar de Aquiles tem sido a Lei das Rendas que aprovou como ministra. Mas afinal como foram os primeiros quatro meses da vereadora Maria Assunção Cristas, que esta semana presta contas ao CDS no congresso do partido?

Antes de outubro de 2017, o CDS só tinha um rosto na autarquia: João Gonçalves Pereira, que era o único vereador. A entrada de Cristas na vereação retirou protagonismo ao antigo homem forte do CDS na câmara. Mas o líder da distrital do CDS de Lisboa não se importa. “Não há aqui uma competição de protagonismo. O que há é a afirmação do CDS como maior partido da oposição na câmara, já que deixei de estar isolado e passei a ter a companhia de mais três vereadores”, afirma Gonçalves Pereira ao Observador.

O CDS ganhou peso. Cristas trouxe outro gravitas e o PSD — o segundo partido da oposição em Lisboa nas últimas décadas — até sofreu a humilhação de ter deixar o gabinete que a vereação costumava ocupar nos últimos anos para que os vereadores do CDS o ocupassem. Na sequência disso, Teresa Leal Coelho até preferiu que a equipa fosse para outro edifício camarário, ali perto, na Praça do Município.

A ultrapassagem ao PSD também se viu na própria taxa de Proteção Civil. Teresa Leal Coelho — que tem sido assídua, ao contrário do anterior mandato — também defendeu o fim da taxa publicamente e no seu programa eleitoral. Porém, assim que chegou à autarquia, logo na primeira reunião, Assunção Cristas antecipou-se e apresentou a proposta para revogar a taxa antes do PSD — que ficou para trás. Quando o Tribunal Constitucional considerou a taxa inconstitucional, os holofotes viraram-se para duas figuras: Fernando Medina, o derrotado (que pôs Duarte Cordeiro a falar sobre o assunto); e Assunção Cristas, a vitoriosa (que chamou a si os louros da pressão pública para que a taxa caísse e cantou vitória).

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Gonçalves Pereira fala em causa própria, mas garante que Assunção Cristas tem sido “uma vereadora ativa, presente” e que “não só ficou, como está e entrou bem como vereadora”. A folha de presenças é clara quanto à assiduidade: têm sido raras as reuniões a que Assunção Cristas falta. As atas também não lhe dão um mau registo: nas dez primeiras reuniões, falou na maioria. Mas já lá vamos.

É certo que Assunção Cristas tem conhecimento dos dossiês, mas quando chega a altura de debater uma “malha fina“, é Gonçalves Pereira, pelo conhecimento que tem dos dossiês e pelo conhecimento do histórico dos assuntos, que acaba por intervir nessas discussões para entrar mais em confronto com Fernando Medina.

Fontes da vereação de outros partidos ouvidas pelo Observador, confirmam que “Assunção Cristas tem estado presente” e que “intervém nas reunião”, embora “por vezes pareça estar exausta quando vem da Assembleia e a cumprir um frete”. Gonçalves Pereira nega isso, descrevendo um “mandato muito empenhado da líder”. Isto, embora o líder da distrital de Lisboa admita que para a presidente do CDS “não é fácil ser líder do partido, deputada na Assembleia da República, mãe e mulher de família“.

Gonçalves Pereira até tem a expectativa que Assunção Cristas, caso cumpra o mandato, seja “eleita presidente da câmara de Lisboa daqui a quatro anos“. O vereador do CDS garante ainda que — tanto acompanhada pela imprensa, como sem imprensa — Assunção Cristas “continua a fazer o trabalho que começou na campanha, de ir aos bairros e de reunir com associações. Nessas reuniões com entidades umas vezes estou eu, outras vezes está ela. Mas ela continua a ir.”

Ainda sobre as reuniões de câmara, fontes da vereação de outros partidos dizem ao Observador que Assunção Cristas mantém sempre “uma pose de estadista“, de “alguém que é mais do que vereador e que está ali como passagem para outro lugar“.

Já o líder distrital do CDS de Lisboa destaca que “o resultado de Assunção Cristas, que tirou a maioria absoluta ao PS em Lisboa, foi a primeira mossa a António Costa” desde que o líder do PS formou a “geringonça”. Além disso, para Gonçalves Pereira, Assunção Cristas é “neste momento, a líder da oposição na autarquia, mas também a líder da oposição ao Governo“.

O que dizem as atas: Do Barrio Latino ao relógio que conta o tempo

As atas são a prova do algodão para o mandato de qualquer eleito. O Observador teve acesso às atas das dez primeiras reuniões — até agora as únicas transcritas e disponibilizadas aos gabinetes de vereação — que mostram que a vereadora do CDS tem sido bastante interventiva nas reuniões camarárias. Na primeira reunião — a 2 de novembro, onde apenas se instalaram os órgãos — o único a falar foi Fernando Medina que fez questão de deixar “uma palavra muito particular de boas vindas a todos os novos vereadores”. Uma delas era, claro, Assunção Cristas.

Deputada Assunção ajuda a vereadora Cristas

Na primeira reunião em que se abriu o debate, Assunção Cristas começou logo a discutir o Regimento da Câmara Municipal com Fernando Medina. O presidente de câmara disse que ia mudar o regimento e passar o Período Antes da Ordem do Dia (PAOD) dos 90 minutos de tempo máximo para os 60 minutos, alegando que é precisamente isso que consta da lei. Isto porque, tinha sido “excessivamente liberal” no mandato interior, o que perturbou a eficácia das reuniões.

Assunção Cristas, também deputada na Assembleia da República, ofereceu-se logo para usar essa condição para alterar a lei. Para a vereadora democrata-cristã 60 minutos era “pouco tempo” para aquele momento da reunião e alertou que “o costume era que uma fonte de direito podia revogar as leis. E, por isso não estava excessivamente inquieta com a dificuldade de se ir além dos 60 minutos”. Cristas, lembrando que beneficiava de “um duplo estatuto de deputada” ofereceu-se para “caso no decorrer dos trabalhos se entendesse que os 60 minutos eram pouco, no Parlamento, em articulação com os demais grupos parlamentares podia propor uma alteração para que fossem 60 minutos no mínimo e não no máximo“.

Apesar do regimento ser complexo e Cristas ser estreante, a líder do CDS interveio 26 vezes nesta reunião, a grande maioria delas sobre o regimento da CML, batendo-se com Fernando Medina — que o conhece de trás para a frente.

Ideologia: aproveitar o 25 de novembro para atacar o PCP

Sempre que se discute o 25 de novembro de 1975, o debate aquece entre os partidos da esquerda e os da direita. Para o Bloco de Esquerda e, principalmente, para o PCP, a data foi, como cantou José Maria Branco, quando a “festa [do 25 de abril] se estragou” e “o sonho lindo que acabou”. E, por isso, a esquerda (ao contrário do centro-esquerda) não gosta dela.

Sabendo que a câmara costuma assinalar a data, o CDS não desperdiçou um dia que celebra com mais afinco do que o 25 de abril. A dois dias dos 42 anos do 25 de novembro de 1975, Cristas tomou a palavra para dizer que o “CDS gostaria de continuar a assinalar e que a Câmara se juntasse na saudação dos quarenta e dois anos do 25 de novembro” e que, por isso, “propunham um texto que era exatamente igual ao texto aprovado” pela autarquia dois anos antes por “altura dos quarenta anos do 25 de novembro”.

Cristas continuou — sem problema de irritar a vereação do PCP e visando o PREC — a explicar que é muito “importante saudar, não só, e na altura própria, o 25 de abril como grande conquista da liberdade, mas também o 25 de novembro como um momento em que, essa liberdade tinha sido consubstanciada com a limitação e o corte de um processo que levaria a tudo, menos a um espaço de democracia, e de liberdade no País”.

Num piscar de olho a Fernando Medina, Cristas disse que não deveria haver nenhum problema com a aprovação já que o texto que o CDS levava agora a votos era “exatamente igual ao que tinha sido apresentado pelo senhor presidente Fernando Medina” dois anos antes. Medina, ao verificar que o texto era o mesmo,  disse que votaria a favor do texto e lembrou que o texto foi elaborado depois de “um amplo debate, com uma participação particularmente ativa do então vereador [do PSD] Fernando Seara”, pedindo aos vereadores do PSD que se juntasse no apoio ao texto.

Teresa Leal Coelho enalteceu depois o 25 de abril, mas lembrou que “a democracia não se fez num só dia, foi feita com muitas datas, uma delas o 25 de novembro“. Cristas subscreveu as palavras de Leal Coelho e dirigiu-se aos vereadores João Ferreira (PCP) e Ricardo Robles (Bloco de Esquerda) para dizer que estava confortável com a celebração do 25 de abril, mas que registava que daquele lado havia uma “incapacidade de olhar para o 25 de novembro, de o ler e de perceber o que de tinha sido o 25 de novembro, que tinha evitado que houvesse em Portugal uma subsidiária da União Soviética“. Cristas acrescentou ainda, mais dura, que  “isso [o 25 de novembro] não agradava aos senhores [aqui visando o PCP], porque tinham trabalhado nesse sentido, incomodava-os muito o caminho que não tinham conseguido nas eleições de 1975, quando obtiveram 12% e não a maioria da votação dos portugueses e quiseram depois alcançá-los por outros métodos“.

Numa intervenção fortemente ideológica, Assunção Cristas afirmou ainda que foi “graças ao 25 de novembro, a militares corajosos e a muitos que se tinham associado, que tinha sido possível garantir que eram cumpridos os ideais do 25 de abril que os senhores [PCP] saudavam. Se não houvesse o 25 de novembro, provavelmente teriam uma história bem mais difícil para contar, do agrado dos senhores, mas não seria do agrado dos portugueses”.

Um relógio com contador de tempo, o metro até Belém e um desafio à “geringonça”

Logo na primeira reunião pública, a 29 de novembro, o CDS fez um ataque duro (que coube a Gonçalves Pereira) a Fernando Medina na sequência do caso “Urban Beach”. Após a intervenção, o presidente informou que os vereadores do CDS tinham esgotado o tempo, mas que ele, numa postura benevolente, iria conceder “três minutos adicionais para as perguntas que entendessem colocar.”

Apesar de defender um “cumprimento integral e escrupuloso das regras”, Assunção Cristas sugeriu que passasse a existir na sala das reuniões “um relógio público, para os vereadores se orientarem e saber que tempo tinham usado e que tempo tinham para usar“. A líder do CDS sugeriu ainda que a discussão fosse feita num sistema de “perguntas/respostas”. Ou seja: uma espécie de debate quinzenal, que neste caso seria semanal, com Fernando Medina.

Cristas aproveitou ainda essa reunião para pressionar Medina sobre a devolução da Taxa de Proteção Civil, ao que o presidente da câmara garantiu que essa questão ia ser discutida aquando do debate do Orçamento. Cristas voltou ainda à carga com a expansão do metropolitano de Lisboa. A líder do CDS defendeu durante a campanha mais 20 estações até 2030, numa rede que chegaria a Loures, Sacavém e Algés até 2030, passando por Campo de Ourique e Alcântara.

Onde vai o Metro de Cristas. CDS quer 20 novas estações até 2030

Fernando Medina tinha afirmado, durante a reunião, que não concordava com a lógica de expandir o metro para Ocidente em detrimento da linha circular. Então, Assunção Cristas questionou-o para saber se estava disponível para uma alteração ao texto (de recomendação ao Governo sobre o assunto) para “tão breve quanto possível se planeasse e apresentasse um calendário de expansão da linha do metro até Belém“. Medina disse não ter “problema” e lembrou que essa questão até “consta do programa do PS e do acordo feito com o Bloco de Esquerda“.

Ao longo da reunião, após a intervenção de uma munícipe, Cristas lembrou ainda o caso dos moradores do bairro São João de Brito, em particular da rua das Mimosas, que lutam pela legalização das suas casas. O debate evoluiu para os problemas de habitação na cidade (devido aos munícipes que se queixaram de serem despejados) e o vereador do Bloco de Esquerda aproveitou para atacar Assunção Cristas. Ricardo Robles lembrou “uma lei”  — a Lei das Rendas, que Cristas criou como ministra do Ordenamento do Território —  que “tinha permitido a criação desse mecanismo de justificação de obras para expulsão dos inquilinos”. E acrescentava que essa “era uma das razões para o estado a que tinham chegado” aquelas pessoas.

Cristas contratacou, dizendo que, ao aprovar a lei das rendas, o Governo PSD/CDS “tinha acautelado as situações de maior fragilidade de carência económica e de idade e não era aceitável que se deturpassem os factos e atribuir a uma reforma situações que, no caso concreto, nada tinham a ver com essa reforma”. E fez então uma sugestão envenenada a Robles: que pedisse ao Bloco de Esquerda para, na Assembleia da República em conjunto com os parceiros de “geringonça”, voltar a congelar as rendas. “O partido ao qual o senhor vereador Ricardo Robles pertence, tal como o PCP  do senhor vereador João Ferreira, fazem parte de uma maioria parlamentar com o Partido Socialista. Se entendiam que era altura de voltar a congelar as rendas na cidade de Lisboa e para fazer alterações nessa matéria, tinham no Parlamento uma maioria parlamentar que poderia aprovar legislação nessa matéria.”

Robles rebateu Cristas dizendo que o caso sobre o qual acabara de falar uma munícipe era resultado da “lei dos despejos” e que a centrista não poderia utilizar o “argumento fantasma do congelamento das rendas.” E muito menos quando se trata de “um drama sobre passar a morar na rua, deixar de morar na casa onde se tinha morado toda a vida.”

Barrio Latino. Medina azedou e disse que não queria ser o “mestre-escola”

Dias depois do assassinato de um segurança na discoteca Barrio Latino, Assunção Cristas levou o assunto da segurança na noite lisboeta a reunião de câmara. A vereadora do CDS disse sentir que “a câmara aparecia sempre numa lógica reativa, quando as coisas aconteciam” e lembrou a situação do Barrio Latino, em que a câmara decidiu suspender a licença e depois encerrou mesmo a discoteca, que funcionava em regime de “after hours“.

Cristas fez questão de destacar que a animação noturna é “um aspeto positivo para a cidade de Lisboa, se funcionasse bem e em condições de segurança, não só para os residentes mas também para os muitos turistas procuravam a cidade”. Porém, com situações como a do Urban e do Barrio Latino ” acabava a “credibilidade da cidade, do ponto de vista de segurança.” A vereadora centrista defendeu assim que a posição da autarquia “devia ser pró-ativa e preventiva, e não apenas reativa como tinha acontecido, até ao momento, indo atrás do prejuízo”.

Na resposta, Medina afirmou que “não gostaria de fazer de mestre-escola” e que “pensava que o gabinete dos vereadores do CDS tinha obrigação de facultar aos vereadores o que era a identificação clara do quadro legal de competências do município nessa matéria“. Medina lembrou que, na anterior reunião, o CDS tinha sugerido o uso do licenciamento urbanístico para fazer ordem pública, mas a autarquia não pode, no entender do presidente, “utilizar aprovação de projetos para condicionar a segurança pública”. Isto porque são “poderes que a lei não lhe atribui”.

Fernando Medina respondeu ainda que se algum vereador do CDS tivesse “conhecimento de algum caso de conduta imprópria [de um estabelecimento noturno] tinha obrigação de comunicar ao Ministério Público, não tinha que dizer nada à Câmara.”

Medina defendeu Cristas após ser alvo de crítica de munícipe

Na última reunião pública do ano, Assunção Cristas teve a sua primeira verdadeira afronta de um munícipe. Carla Pinheiro, representante da Associação de Moradores da Mouraria, dirigiu-se a Assunção Cristas dizendo que era a  “culpada” das pessoas estarem a ser “despejadas dos bairros” e que tinha “estragado a vida dessas pessoas”. Carla Pinheiro disse ainda que só no nº25 da sua rua tinham sido “despejadas dezasseis famílias”.

Cristas estava a ser atacada, mas Fernando Medina interveio para defender a vereadora do CDS. O presidente da autarquia disse à munícipe que estava a dirigir-se à câmara como um todo e não apenas a uma vereadora e que, por isso, pedia-lhe que se dirigisse a todo o executivo para que pudesse continuar a ouvi-la “com toda a atenção e respeito“. A representante de moradores da Mouraria respondeu que não queria “ofender ninguém”, mas apenas “dizer a verdade”, na primeira vez que estava “frente a frente” com Cristas.

A resposta da vereadora e líder do CDS também não se fez esperar. Começou por dizer que olhava “todas as pessoas nos olhos” e que “estava disponível para conversar com todos aqueles que quisessem conversar consigo e, tinha muito gosto em convidá-la para uma reunião no seu gabinete para lhe explicar, alguns aspetos da lei, porque muitas vezes lia e ouvia na comunicação social, distorções e ‘tresleituras’ da própria lei”.

Na resposta, Cristas justificou-se ainda dizendo que apenas tinha elaborado “a reforma do arrendamento, que estava inscrita no memorando da troika pelo Partido Socialista, porque havia um problema grave de degradação da cidade, nomeadamente Lisboa e Porto.”

Assunção Cristas tem um mandato na câmara de Lisboa até 2021. Durante a campanha disse que, se fosse presidente de câmara, não sairia para ocupar uma pasta ministerial. Mas que, caso fosse apenas vereadora, certamente os lisboetas compreendiam que saísse do executivo camarário para integrar um Governo.