Como qualquer boa tradição, esta voltou a cumprir-se: o calendário de desfiles da 50ª edição da ModaLisboa arrancou esta sexta-feira, às 18 horas, com o desfile do concurso Sangue Novo. Oito jovens designers deram provas de talento no Pavilhão Carlos Lopes e nem o vento e a chuva os demoveram. Filipe Augusto foi o vencedor do prémio ModaLisboa, mas Rita Sá e Inês Nunes do Valle também foram distinguidas com os prémios Fashion Clash e The Feeting Room, respetivamente.

Mas é claro que os principiantes tiveram de dar lugar aos mais experimentados, mesmo que esses estejam só meia dúzia de degraus mais acima. Foi o que aconteceu com o desfile de Carolina Machado. Depois de, em 2015, se ter estreado no concurso reservado aos novos talentos e de ter apresentado quatro coleções nesse registo, a criadora conquistou, na última edição, o seu lugar ao sol, que é como quem diz na plataforma Lab. Para o próximo outono, sugere silhuetas senhoris, sofisticadas q.b..

Carolina Machado © Ugo Camera

No descritivo da coleção, podia ler-se: “’Passionate’ [título da coleção] foca-se no l’amour e como o conceito de casal se transformou e evoluiu através do tempo e espaço”. Entre fatos, camisas de mangas abalonadas (aquele típico toque romântico), blazers solenes e vestidos matadores, o look executivo de Carolina Machado parece ter-se perdido entre o clima de romance que reclama como tema da coleção e a monotonia das relações duradouras que são, na realidade, a outra face da moeda de “Passionate”. Posto isto, alguém precisa de terapia de casal?

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A sala de desfiles ainda nem tinha arrefecido quando chegou Duarte, que, só por acaso, não é um senhor, mas sim a marca criada por Ana Duarte, uma designer de 20 e poucos anos que, também por acaso, deu os primeiros passos no Sangue Novo da ModaLisboa. E eis que chegámos àquela altura em que dizer que uma coleção é inspirada no sportswear ou que alguém dá um toque desportivo a peças para usar no dia-a-dia deixou de ser relevante. Contudo, Ana faz tudo isso e continua a divertir-nos. Melhor, desconfiamos de que ela própria se continua a divertir, e muito, caso contrario não teria ido aos loucos anos 20 em busca de referências para o guarda-roupa, feminino e masculino, da próxima estação fria.

Duarte © Ugo Camera

Continuamos a ver aquelas peças que nos fazem lembrar umas férias glamorosas na neve e a esbarrar naquelas que são as cores assinatura da designer: o verde água, o cinzento e o azul marinho. Talvez o vestido semitransparente às riscas não seja nada do outro mundo, mas o blusão estampado com gola de pelo é digno de da etiqueta a dizer “vendido”. A lista de materiais com que Duarte se propõe a aquecer o próximo inverno é longa. Além de lã e pelo, há algodão, neoprene e tecidos impermeáveis que muito jeito nos tinham dado no regresso a casa.

Aleksandar Protic © Henrique Casinhas/Observador

Entre principiantes e designers tenrinhos, a responsabilidade de Aleksandar Protic só aumentou. De repente, a lady roqueira do criador sérvio era a única oportunidade do dia para ver um veterano da ModaLisboa em ação. Protic partiu da figura de Theda Bara, uma das primeiras sex symbols do cinema mudo, para desenhar uma coleção negra, do princípio ao fim. Não traiu nada, nem ninguém. As silhuetas longas e fluidas estiveram lá, tal como os detalhes resultantes daquela arquitetura do tecido que ele domina tão bem. Não desiludiu ninguém, tirando aqueles que insistem, por casmurrice, em ver algo novo.

Morecco © Henrique Casinhas/Observador

No final da noite, um revés daqueles. E por culpa do mau tempo. A apresentação da coleção da Morecco, inicialmente marcada para a Estufa Fria, acabou por acontecer na mesma sala de desfiles de todos os outros, se bem que esteve muito longe de ser um desfile. Falemos antes numa montra techno onde 10 modelos dançaram dentro das suas possibilidades, sem catwalk. A maquilhagem, sensível à luz negra, fez o resto. Ao mesmo tempo que falamos de um dos nomes mais extravagantes do calendário da ModaLisboa (e também de um dos mais jovens), a marca de João Magalhães é um dos últimos redutos de alta-costura, mesmo que, no caso da coleção do próximo outono, os estampados e os bordados à mão saiam ofuscados pelo aparato pop que cada peça, só por si, é. Uma coisa é certa: quando formos ao Burning Man, não nos vai passar pela cabeça usar outra coisa.