Chegou ao fim a 50ª edição da ModaLisboa, no Pavilhão Carlos Lopes. Num calendário dividido entre uma passerelle principal e uma segunda improvisada na Estufa Fria, foram quase 20 os desfiles que apresentaram as propostas de criadores portugueses para o próximo outono-inverno. No último dia, jovens designers e nomes consagrados voltaram a misturar-se. No final, tudo acabou em beleza, ou melhor, em limpeza.

Silicone, glitter e folha de ouro. Algum palpite? Olha Noronha, pois claro. A designer da moda medicamente prescrita abriu o último dia da 50ª edição da ModaLisboa com um desfile na Estufa Fria, cenário que favoreceu a morfologia orgânica da coleção “Uncanny”. E Olga foi ao sentido freudiano da questão: o estranho, o bizarro e o desconhecido, fonte de desconforto e medo. No silicone, encontrou a matéria-prima perfeita para dar corpo ao conceito. Nas rampas de areia da estufa, as modelos desfilaram cobertas de materiais gelatinosos. Se umas pareciam fadas Orianas, outras eram noivas 2.0, 3.0, ou até mais… Seja como for, Olga Noronha continua a fazê-lo de forma diferente.

Olga Noronha © Henrique Casinhas/Observador

Ainda na plataforma Lab, mas já no quentinho do Pavilhão Carlos Lopes, David Ferreira, o rapaz de todas as extravagâncias, surpreendeu tudo e todos com uma coleção de proporções bem menos megalómanas do que o habitual. Segundo antecipou o criador, que apresentou a sua primeira coleção na ModaLisboa há precisamente dois anos, “a musa brinca com o guarda-roupa da avó e enfatiza o que o futuro pode ser”. De facto, durante o desfile, encontrámos sedas carcomidas, buracos que, segundo explica, foram feitos mantendo a minúcia que caracteriza o trabalho de alta-costura desenvolvido no seu atelier em Lisboa durante os últimos anos.

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David Ferreira © Henrique Casinhas/Observador

Com a coleção “Grandma’s Girl”, David Ferreira mostrou o outro lado do seu génio criativo em relação, às estações anteriores. Menos volumes não é necessariamente sinónimo de menos atenção ao detalhe, pelo contrário. Acabado de chegar de Paris, onde apresentou esta mesma coleção em showroom, o designer perpetua silhuetas e cortes, pedrarias e cristais, materiais ricos como o veludo e a pele de cordeiro da Mongólia. Depois do desfile-espetáculo, David Ferreira quer agora dar provas de versatilidade.

Filipe Faísca © Henrique Casinhas/Observador

Mas domingo foi também dia de pesos pesados, a começar com Filipe Faísca. Convidado a mergulhar no universo do bordado da Madeira, o criador voo até ao arquipélago em busca de peças em arquivo. Encontrou, maravilhou-se e apresentou a primeira de duas coleções desenhadas a partir deste lavor tradicional. “É uma coleção sem estação”, afirma Faísca. Deu para ver, pelo esvoaçar da seda, do organdin e do linho na passerelle, pelas flores bordadas nas saias, pelas elaboradas barras dos tecidos. Foi leve, primaveril e campestre. “Apesar de se falar tanto em tecnologia, eu acredito que o futuro também está aqui, no que é feito à mão”, acrescenta. Os vestidos em veludo e as écharpes de lã equilibraram os termómetros desta odisseia insolar. Se neste primeiro capítulo, Faísca utilizou sobretudo bordados de toalhas de mesa, na próxima estação vai estar a trabalhar com uma equipa de bordadeiras em peças inéditas. Nunca antes vista foi também a colaboração do criador com a concept store Olhar de Prata da qual resultaram uns óculos de sol, no mínimo, originais. Não está a ver mal, têm mesmo três lentes.

Lidija Kolovrat © Henrique Casinhas/Observador

Etnicidade, misticismo ou, simplesmente, memórias. Dos ingredientes mais comuns nas criações de Lidija Kolovrat, a designer tomou a terceira via. É como se cada modelo a pisar a passerelle fosse uma personagem e, através do styling, refletisse a própria história. Entre malhas felpudas, franjas multicolores e tecidos técnicos, Kolovrat apresentou peças statement capazes de atravessar estações e anos até. Pelo meio, passaram despercebidos estampados feitos com fotografias de família. “Há esse sentimentalismo. Num bomber, criei um padrão com uma fotografia dos meus pais a andarem de mota na Bósnia, foi a primeira mota deles. Nas écharpes, há uma imagem minha com os meus avós, de mãos dadas”, contra a criadora.

Ricardo Andrez © Henrique Casinhas/Observador

Ricardo Andrez foi o herói da noite, mas não um herói qualquer, um verdadeiro Robin dos Bosques da moda. Porquê? Começou por se apropriar do xadrez da Burberry, usou e abusou dele, estampou a nota da capa de “Nevermind” (álbum dos Nirvana) por cima e parece não estar nem aí para o que a casa-mãe vai dizer. “É quase uma crítica social ao streetwear atual, à apropriação por parte das marcas de luxo das pequenas marcas dos anos 80 ligadas ao hip hop e à cena mais underground. Depois, os putos compram a marca de luxo e estão-se a marimbar se simboliza a história de outras marcas”, explica o designer. À receita, Andrez juntou polka dots com fartura, tote bags XXL e cachecóis acolchoados. No final da noite, Eduarda Abbondanza, diretora da ModaLisboa, já anunciava o nascimento de um novo estilo: o “Burberrez”. Vamos usar.

A noite terminou com uma faxina daquelas. Dino Alves mobilizou assistentes de limpeza e técnicos de produção para irem limpando e desmontando a sala de desfiles enquanto apresentava a coleção outono-inverno 2018/19. Uma coisa é certa: ninguém o pode acusar de falta de sentido prático. Ficou tudo num brinco e não foi por isso que o desfile não aconteceu. Aconteceu com silhuetas disformes e desproporcionadas, cinturas deslocadas e uma paleta de cores à la Dino Alves.

Dino Alves © Henrique Casinhas/Observador