O sistema bancário português ainda não está a salvo de problemas graves. E também é possível que os contribuintes sejam chamados a pagar para os resolver. O alerta é do economista Abel Mateus, para quem a banca ainda pode estar na origem de muitas dores de cabeça, defendeu em entrevista ao Público e à Rádio Renascença.

Perante esse cenário, “é possível. E é melhor dizer que sim”, assume o economista, que também já foi presidente da Autoridade da Concorrência e administrador do Banco de Portugal. E lembra as contas que o economista Vítor Bento já adiantou para o caso da resolução do Novo Banco: cerca de 10 mil milhões de euros é quanto irá custar esse processo — um valor que ainda não é certo quem irá pagar na totalidade. Abel Mateus acredita, por isso, que a fatura acabará por ser paga pelos contribuintes, mas também os funcionários bancários poderão ser chamados a pagar parte dessa fatura através de mais despedimentos.

Evidentemente que não serão os depositantes, também não estou a ver a dívida subordinada a suportar isso, e dizer que são os outros bancos, quando estão numa situação de fragilidade, também é ilusório. Portanto vão acabar por ser os contribuintes”, sublinha.

O economista acredita mesmo que os níveis de crédito malparado podem ser penalizar a banca e torná-la num dos fatores de desequilíbrio da economia portuguesa. “Continua a ser um risco elevado”, admite, até porque “entre os países da crise [Espanha, Grécia e Irlanda] somos o segundo com níveis de malparado mais elevado, temos registado uma redução muito lenta e ainda temos níveis incomportáveis”. A solução, defende, passa pela via da regulação e supervisão mais atenta e exigente.

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Os alertas de Abel Mateus não se ficam pela banca e pelo sistema financeiro, estendem-se ainda ao próprio Governo. A ineficiência com que os recursos públicos têm sido geridos levam o economista a defender uma mudança radical na forma de gerir o dinheiro público no país. E isso implica uma maior responsabilização direta dos próprios governantes.

É preciso reorganizar a forma como se gere o Estado, é preciso que os ministros sectoriais tenham mais responsabilidade e sejam responsabilizados pela gestão do seu dinheiro. Não é dando a conta-gotas o dinheiro a cada um dos ministérios que se resolvem os problemas. Aliás, estão à vista, cada vez mais, as dificuldades que é gerir um país com este tipo de regras. É necessário que cada uma das políticas públicas seja feita com a preocupação da eficiência e da qualidade dos serviços.”

Na mesma entrevista, o economista critica ainda os cortes cegos na despesa e a política de cativações. E considera que, face ao atual nível de endividamento, o país já deveria ter excedente orçamental para fazer face aos choques externos.

O mercado e a concorrência — e a sua falta, diz — foram também temas abordados na conversa com os jornalistas do Público e da RR, destacando-se o comentário sobre as recentes investigações à EDP. Uma iniciativa que não apanhou Abel Mateus de surpresa. “A EDP tinha um poder de influência muito grande junto do Governo”, lembra o antigo líder da Autoridade da Concorrência, para quem os preços de eletricidade ainda estão elevados.