Jacopo Cardillo jura que não tem segredos na pele de Jago, o nome artística que escolheu. Tudo o que tem é uma paixão umbilical pelo mármore e não tem medo de sujar as mãos: “Gosto de trabalhar muito. Sou muito curioso e facilmente me apaixono pela novidade. Mas há um pormenor: se eu quiser ver algo, ao invés de ir pesquisar por ela ao Google, crio-o”, conta ao Observador nos intervalos que a exposição em Nova Iorque lhe permite. Jago é escultor, nasceu em Itália e tem 31 anos. O mundo cultural já o adjetivou de o próximo Miguel Ângelo. Mas. ao Observador, Jago diz que só quer ser ele mesmo.

Talvez o conheça como o homem que criou um controverso busto do papa Bento XVI nu e com os olhos negros. Há muito mais por detrás dessa estátua criada em 2009, na altura ainda vestido com as vestes papais e à conta do qual venceu uma medalha do pontífice. Em 2013, quando Bento XVI renunciou do cargo à frente da Igreja Católica, Jago quis repensar e estátua e decidiu despi-la. Literalmente. O busto começou a ser esculpido até Ratzinger ficar nu: podiam ver-se todas as rugas do papa. Jago queria mostrar Bento XVI, a quem admira, da forma mais crua e humana possível. Mas se alguns o acharam genial, outros acusaram-no de profanação.

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Jago não se incomodou demais, confessa-nos: “Quando comecei a destruir as vestes ninguém sabia que o estava a fazer, fiz tudo em segredo. Perguntei aos meus pais se achavam boa ideia e eles imploraram-me para não o fazer porque tinha sido um trabalho importante. Quando lhes mostrei o que estava a fazer ficaram petrificados”. Hoje, os pais de Jago estão contentes com o resultado final e com aquilo que o filho quis transmitir. E ele próprio também: “Destruir aquele trabalho também me permitiu destruir o meu apego à estátua. Sinto-me melhor agora”. É enquanto nos conta esta história que Jago nos conta algo que nunca tinha confidenciado a ninguém: “Vou dizer-lhe uma coisa que nunca contei a ninguém. A minha impressão digital está gravada na folha de ouro no anel do papa. Aconteceu por acaso, não foi premeditado. Agora já está”. Afinal, Jago tem segredos.

Amada por uns e odiada por outros, a estátua que Jago criou do papa Bento XVI fez com que já fosse comparado a Miguel Ângelo. Mas o artista nunca ambicionou ser esse escultor: “Quando era criança olhava para ele e para Bernini e imaginava que um dia podia tornar-me tão grande quanto eles. Hoje só me quero tornar eu mesmo. Na arte não há concorrência, só partilha. É começar com os passos de alguém para encontrar os nossos”, descreve Jago.

Desde pequeno que Jago se lembra de “manipular coisas, entender, compreender a realidade”. Não se lembra de quando começou a esculpir, mas “hoje nada mudou”. “A criança que eu fui, curiosa e intuitiva, manifesta-se em mim sempre que estou diante de um bloco de mármore. Eu amo o que faço e a escultura é a única maneira de trabalhar comigo. Na verdade é ela que me esculpe a mim”, diz-nos. Como a água é o elemento de um nadador, o mármore é o elemento de Jago, compara ele: “Gosto de olhar para o corpo de um nadador e entender como a natação criou tudo isto para torná-lo perfeito para essa disciplina. Reconhecer um escultor é um pouco mais difícil, mas não é impossível”.

Jago não teve professores, só inspirações. Explica-nos que é autodidata, que ninguém o ensinou a viver na arte e sempre renegou as escolas porque “queria seguir teimosamente” o próprio caminho. E ainda bem, considera ele: “Hoje sinto-me livre para inventar a minha caminhada e é por isso que eu luto todos os dias: a minha liberdade”. É uma liberdade que o próprio mármore lhe dá, mas que é sensível: “Eu sei que isto parece estranho, mas tenho de me abstrair da mente senão ela toma vantagem sobre as emoções. Em vez disso, trabalho apenas com emoções”, explica. É por isso que compara o que faz a “poder respirar profundamente”.

Sobre os detalhes que cria em todas as peças, Jago diz que é algo intuitivo como “um microcosmos que pertece a cada um de nós”. Para ele, cada ruga, cada impressão digital deixada para trás sem querer, cada lábio imperfeito ou um dedo torto são “simplesmente uma caligrafia”. E “toda a gente tem a própria caligrafia, não tem?”.

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