Milhares de pessoas recusam-se a institucionalizar os filhos ou os pais doentes, transformando-se em cuidadores informais, um trabalho sem descanso, sem direitos e quase sem apoios estatais, que é feito com pouco dinheiro e muito amor.

“Eu não quero institucionalizar o Rodrigo. Se eu institucionalizasse o Rodrigo ele já cá não estava”, desabafa Ana David, 33 anos. O Rodrigo é o seu filho de oito anos que nasceu com paralisia cerebral e sofre de Doença Obstrutiva Pulmonar Crónica (DOPC).

Aos 28 anos, Ana David não teve dúvidas entre manter o “emprego estável” numa empresa e garantir que estaria ao lado do filho para lhe dar todo o apoio possível.

Mas o dia-a-dia revelou-se difícil. Ana David tornou-se cuidadora informal, um trabalho de 24 horas por dia, sem descansos nem folgas, e que em Portugal quase não tem regalias.

A mãe lembra que o Governo paga às instituições 1004 euros por mês por cada pessoa internada, mas às famílias que fazem o mesmo trabalho dá apenas 101 euros: “Nós precisamos de dignidade para cuidar. Nós não queremos entregar os nossos pais e os nossos filhos a uma instituição. Nós queremos cuidar dos nossos filhos”.

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Ana David usa sempre a palavra “sobreviver” para explicar que é difícil viver com a verba que o Estado lhe dá e por isso esta sexta-feira juntou-se a outras duas dezenas de pessoas que se manifestaram em frente ao parlamento, onde foi discutida uma petição pela criação do estatuto do cuidador informal, além de outras quatro propostas do BE, PCP, CDS-PP e PAN sobre o mesmo tema.

Os partidos políticos foram unânimes a saudar a petição, com CDS e o Bloco de Esquerda a lamentarem que em mais de dois anos o Governo não tenha concretizado qualquer medida efetiva.

“Nós estamos aqui a lutar para que eu possa cuidar do meu filho com dignidade. O meu filho está cá porque é cuidado com amor, é cuidado pela mãe”, diz Ana David.

Hoje em dia, a maioria dos cuidadores são mulheres: umas são mães, outras filhas, mas também há esposas e até noras.

Também há homens, como o irlandês Michael Daly, pai de uma menina de seis anos que nasceu com atrofia muscular espinal de tipo 2 e que “precisa de ajuda para quase tudo”.

Michael Daly deixou de trabalhar para estar com a filha Inês, tal como muitos outros milhares de pessoas que dedicam a vida a cuidar dos outros.

“Os cuidadores informais não têm qualquer tipo de reconhecimento. Ficam em casa a tratar dos familiares e ficam sem empregos”, alerta Maria Anjos Catapirra, uma das promotoras da manifestação.

Os cuidadores pedem apoios a nível laboral, “porque quem cuida precisa muitas vezes de ir a médicos, precisa de tudo o que o doente precisar, e não há qualquer tipo de tolerância”, acrescenta Maria Catapirra.

“Quem deixa de trabalhar precisa que o Estado, no mínimo, pense que está ter um trabalho efetivo de 24 horas por dia, 365 dias por ano sem qualquer tipo de descanso”, lembra.

Michael Daly sublinha o trabalho incrível que é feito pelos profissionais que trabalham nos hospitais e associações, mas lamenta a falta e atraso nos apoios devidos.

Ana David lembra um pedido feito à Segurança Social para receber umas “talas para os pés e o fato postural” que demorou um ano a ser entregue e quando chegou já não servia ao Rodrigo.

A mãe não baixou os braços e decidiu recolher tampinhas que entregou a uma empresa em troca de sessões de terapia e outros equipamentos, como o fato postural que o filho precisava.

“Com esta ação estamos a contribuir para a sociedade, porque fazemos a recolha de plásticos para reciclagem, mas depois somos tratados como lixeiros”, desabafa a mãe do Rodrigo.