Quando em julho de 2016 Teresa Paula Marques foi contactada pela produtora do programa SuperNanny, a psicóloga clínica entrou “imediatamente em contacto com a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP)” para pedir um parecer. A OPP, por sua vez, respondeu-lhe com um parecer já existente sobre a participação generalista de psicólogos em programas de televisão, o mesmo que a Warner Bros. Tv Portugal havia requisitado e que foi emitido em março de 2016. Foi negativo e, ainda assim, o programa avançou.

Na terceira audição a propósito da ação especial de tutela da personalidade interposta pelo Ministério Público, Teresa Paula Marques, a cara do programa SuperNanny, afirmou que o parecer que recebeu “nada tem que ver” com a sua realidade, e que, ainda assim, “foi debatido ponto por ponto” com membros da Ordem dos Psicólogos que aceitaram a sua participação no respetivo programa desde que fosse interpretada uma personagem — isto é, desde que a psicóloga estivesse separada do seu título profissional.

A OPP não deu parecer negativo coisa nenhuma. Tive esse cuidado de perguntar à minha ordem. Que eu saiba não houve um parecer anterior pedido pela estação televisiva.

Após a emissão dos dois episódios do programa SuperNanny, a Ordem dos Psicólogos Portugueses recebeu queixas contra a psicóloga Teresa Paula Marques. À data, o presidente da Comissão de Ética Miguel Ricou confirmou ao Observador que poderia ser aberto um processo: “As queixas vão ser julgadas no contexto do Conselho Jurisdicional”.

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“A SuperNanny é uma personagem, não é uma super psicóloga”

Durante quase três horas, a psicóloga clínica com mais de 20 anos de experiência reiterou em audiência que no programa em causa interpreta uma personagem e que fornece “estratégias de educação” — apesar de derivarem da psicologia, diz, não foram utilizadas no “contexto de terapia”. “A SuperNanny é uma personagem, não é uma super psicóloga, não é uma super Teresa Paula Marques”.

Teresa Paula Marques garante que não está a fazer “terapia absolutamente nenhuma”, e que apenas dá “estratégias educacionais às famílias para que estas tentem ultrapassar os problemas que foram detetados”. O “banquinho da espera”, uma das ferramentas aplicadas no primeiro episódio, é usado em infantários, assegura: “Nunca vi nenhum educador de infância acusado de estar a fazer terapia. Não é nenhuma terapia, caso contrário teria de ser num setting próprio que não é uma televisão, mas sim um consultório”.

A grande maioria das “SuperNannys” dos outros países não tem qualquer habilitação académica superior. Jo Frost [apresentadora do programa no Reino Unido] era uma ama. Não era condição necessária que eu fosse psicológa para desempenhar este papel. Usei estratégias de educação para ajudar aquelas famílias que com boa intenção se inscreveram naquele programa”

A psicóloga que no programa atua enquanto educadora — uma personagem que apresenta alguns traços em comum com as “amas” dos formatos internacionais, assegura –, afirmou que ainda hoje acompanha as famílias e as crianças que protagonizam os episódios e que os benefícios do programa ultrapassam os seus riscos: “O risco relativo à exposição das crianças é um risco que está equilibrado com a oportunidade de melhorar a vida das pessoas e é isso que quero valorizar. O risco não se transformou num dano, neste momento, passados dois meses, o que me interessa é que as crianças estão bem, as famílias estão bem”.

A Margarida estabeleceu uma ótima relação comigo. Gostava e gosta de mim”, disse, referindo-se à menina de 7 anos que aparece no primeiro episódio. “Quando me despedi dela, ela ficou a chorar e ofereceu-me um bouquet de flores que arranjou do chão e que ainda guardo.”

Numa outra audiência, o também psicólogo Eduardo Sá expressou preocupação com a “exibição pública do sofrimento” e do “desespero de uma criança”: “Quando se pega na vida privada e íntima das crianças e isso acaba por ser público em prime time, entendo que estamos a passar uma linha de direito que me parece pouco razoável”. O psicólogo clínico com cerca de 30 anos de experiência referiu ainda que aquilo que podem passar por birras no pequeno ecrã podem resvalar para perturbações graves de comportamento.

Já a Ordem dos Psicólogos Portugueses, acrescente-se, divulgou um parecer sobre o impacto da exposição de crianças e jovens em reality shows, equiparando-o a um possível “abuso emocional”. No documento, que cita vários autores, falava-se ainda em perturbação do comportamento.

Tenho mantido contacto com as famílias para saber se estão bem. (…) As crianças estão bem. Até agora não houve nenhum dano, pelo menos que se detete. Não tenho bola de cristal para saber o que vai acontecer daqui para a frente.

Ainda sobre Margarida, a psicóloga testemunhou que a menina não sofreu qualquer tipo de bullying e que até “brinca de SuperNanny com as colegas na escola”. “Se a criança fica traumatizada com algo, ela vai evitar o estímulo e não é o que se está a passar. Nem com a Margarida, nem com o Francisco ou com a Lara”, justificou. “Aquilo que se viu no programa são birras, não é nada de daqui a dez anos venha trazer problemas”, garantiu, assumindo que, apesar de não estar no programa enquanto psicóloga, conseguiu perceber que nenhuma das crianças tinha um comportamento psicológico.

Compreendo e aceito que as pessoas tenham ficado apreensivas, é um formato diferente. Compreendo que isto tenha causado discussão. Não sou eu que estou inteiramente certa, mas também não me parece que tenha sido necessário esta preocupação excessiva”

“Não sabemos se vai haver danos. Isso é fazer futurologia”

A testemunha chamada pela SIC considerou um “efeito perverso”, com potencialidade de impacto, o facto de o MP ter interposto uma ação especial de tutela da personalidade: “Se não fosse esta confusão toda que se criou, isto já tinha quase caído no esquecimento e ninguém se lembrava da Margarida do primeiro programa”. Teresa Paula Marques afirmou ainda que “aquilo que vemos no programa é absolutamente real, como se fosse um documentário. As crianças não são atores”, disse, no mesmo dia em que a madrasta da menina de 7 anos acusou um operador de câmara da produção de ter instigado a criança a exagerar determinados comportamentos. “Nada foi provocado, nada foi aumentado. Não tenho um guião. Não estou a ler nada”, continuou, assegurando que a intimidade das pessoas foi preservada.

SuperNanny. Madrasta acusa membro da produção de influenciar comportamento de criança

Aqui é tudo muito intenso. São cinco dias muito intensos. Quando chego lá [a casa das pessoas] já lá estão os membros da produção. A família já está familiarizada com as câmaras. Passamos ali muitas horas, falamos muito com as pessoas. Há elementos das equipas que estabelecem relações muito próximas com as crianças, brincam com elas. Sempre foi um ambiente muito simpático.”

Teresa Paula Marques, cuja recém-defendida tese de doutoramento se foca no uso das redes sociais por parte dos jovens, considerou a exposição das crianças uma “situação sensível”, mas assegurou que “as crianças beneficiaram”. “Não sabemos se vai haver danos. Isso é fazer futurologia”.