Vladimir Putin não tinha pedido nenhuma percentagem específica dos votos. Como resultado da ida às urnas, na manhã deste domingo, o atual Presidente pediu apenas a vitória: “Qualquer uma que me dê o direito de ocupar o cargo de Presidente”, resumiu, reforçando que o seu programa — que nunca foi divulgado oficialmente num documento — “é o programa certo”.

Os russos concordaram. As sondagens à boca das urnas deram logo conta de um resultado esmagador para o atual líder, que ocupará assim o seu quarto mandato como Presidente (intercalados por um como primeiro-ministro entre 2008 e 2012 e meio ano também nesse cargo entre 1999 e 2000). O Centro Russo de Pesquisa de Opinião Pública (VTsIOM na sigla original) , um organismo estatal, colocou a vitória de Putin nos 73,9%.

A vitória viria a ser ainda mais expressiva: Putin foi reeleito com 76,7% dos votos, quando estavam contabilizados a quase totalidade dos boletins (99,8%), nas eleições deste domingo, que contaram com uma participação de 67,4%, segundo a comissão eleitoral.

O resultado representa a maior vitória presidencial de Putin, batendo os resultados de 2000 (53,4%), 2004 (71,9%) e 2012 (63,6%). 

Navalny irrita-se e quebra “promessa da Quaresma”. Oposição derrotada e dividida

Putin foi um vencedor inquestionável. Atrás de si surge o candidato comunista — e empresário agrícola milionário — Pavel Grudinin, com menos de 12% dos votos, e o ultranacionalista Vladimir Zhirinovsky com 6,7%. Ksenia Sobchak, a candidata estreante e independente, teve apenas 2,5% de acordo com as sondagens. O atual Presidente dominou todo o mapa eleitoral nacional, mas foi derrotado por Grudinin em Lenin Sovkhoz, a região onde se situa a cooperativa de morangos do candidato comunista, que teve ali 55% dos votos, segundo conta a Radio Free Europe.

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O principal rosto da oposição, Alexei Navalny, foi impedido de concorrer por causa de uma condenação anterior por desvio de fundos. Isso não o impediu de coordenar uma campanha de monitorização das eleições, de promover um boicote eleitoral e de comentar os resultados: “Estamos na Quaresma. Prometi a mim mesmo não me enervar nem levantar a voz. Bom, vou ter de tentar outra vez para o ano”, escreveu no Twitter, traduzido pela BBC.

Navalny protagonizou ainda um dos momentos mais quentes do dia eleitoral, quando Sobchak invadiu o estúdio do seu canal de televisão privado, exigindo que os dois trabalhassem juntos e se apresentassem “unidos”. “Tu desempenhaste o papel de caricatura de uma candidata liberal”, acusou Navalny, denunciado uma alegada conversa entre os dois em que Sobchak lhe terá dito que recebeu “imenso dinheiro” para se candidatar às eleições — acusação que a própria nega. Recorde-se que há rumores de que Sobchak será mais próxima do Kremlin do que aparenta.

Observadores denunciam centenas de violações eleitorais, mas Comissão Eleitoral desvaloriza

A participação eleitoral nestas eleições, contudo, ficou aquém dos 70% desejados pelo Kremlin. Segundo as projeções, ficou-se apenas por volta dos 63%, abaixo dos resultados de 2012 (65%) e de 2000 (68,8%), por exemplo. Não foi por falta de esforço por parte das autoridades locais. Em Moscovo, conta a Associated Press, os eleitores que votavam pela primeira vez recebiam bilhetes grátis para concertos e em algumas assembleias de voto havia rastreios para o cancro. Na região de Khabarovsk, no leste do país, os eleitores recebiam ovos, ervilhas enlatadas e peixe congelado. O ambiente era de festa.

“No geral, a votação está a decorrer de forma muito tranquila, como planeado”, dizia durante o dia Alexei Sapozhnikov, autarca de Moscovo e vice-presidente de um centro de monitorização eleitoral da capital. A situação relatada no resto do país, contudo, destoava bastante do retrato idílico pintado por Sapozhnikov: os 145 mil observadores (1500 deles estrangeiros) reuniram centenas de queixas e problemas com o ato eleitoral, como votos a mais enfiados em urnas, um responsável de uma mesa de voto atacado, câmaras nas assembleias de voto a serem tapadas ou discrepâncias entre os cadernos eleitorais e os votos.

A equipa de Navalny garantiu ainda que alguns eleitores estariam a ser levados de autocarro de propósito para votar. Russos de várias regiões queixaram-se de ter sido pressionados pelos patrões e pelos professores para votar, tirando muitas vezes fotografias nas assembleias de voto para provar que o tinham feito.

Até o antigo analista da NSA, atualmente exilado na Rússia por causa do processo de fuga de informação de que está acusado nos EUA, Edward Snowden, criticou a “fraude eleitoral”, que classificou de “tentativa de roubar a influência de mais de 140 milhões de pessoas”.

A resposta oficial, no entanto, é outra. Ella Pamfilova, responsável da Comissão Eleitoral Central, disse que não havia violações sérias a registar. “Analisámos e monitorizámos tudo o que podíamos, tudo o que nos chegou. Graças a Deus, é tudo bastante modesto“, declarou, segundo a BBC.

Informação desmentida pela Golos, uma ONG de monitorização eleitoral russa, que uma hora antes do fecho das urnas em Moscovo falava em 2.400 ocorrências, algumas delas graves. E pelos voluntários de Navalny, que durante o dia falavam numa participação real abaixo dos 50% na Chechénia, zona que habitualmente regista números estrondosos de participação. Em 2012, Putin foi eleito com 99% dos votos nesta região do Cáucaso — desta vez, ficou-se “apenas” por 93%.

Um resultado em tudo semelhante ao alcançado na Crimeia — 92% –, onde se votou pela primeira vez para as presidenciais russas desde a anexação, em 2014. O aniversário da tomada da península pelos russos assinala-se precisamente este domingo, e a efeméride serviu para acicatar sentimentos patrióticos e para justificar uma manifestação de apoio a Putin nas ruas de Moscovo.

A postura de desafio internacional que tem sido marca de água deste Governo russo manteve-se durante o dia da eleição, deixando antever que a postura do Kremlin não deve mudar daqui para a frente.  Andrei Kondrashov, ex-jornalista russo e assessor de campanha de Vladimir Putin, responsabilizou as acusações do Reino Unido relativamente ao envenenamento do espião Sergei Skripal pela alta participação eleitoral dos russos: “Temos de dizer ‘obrigado, Grã-Bretanha’ porque eles não contaram com a mentalidade russa“, disse Kondrashov à agência Interfax. “Sempre que a Rússia é indiscriminadamente, e sem provas, acusada de algo, o que o povo russo faz é unir-se em torno do centro do poder. Hoje, o centro do poder é, inquestionavelmente, Putin. Por isso obrigado Reino Unido por teres feito o que fizeste pela participação nestas eleições.

Foi a acompanhar os gritos de “Rússia!, Rússia!” da multidão, que não arredava pé da celebração pró-Crimeia e pró-Putin apesar dos 12 graus negativos, que Vladimir Putin subiu ao palco montado em Moscovo, na praça Manezhnaya, e usou o minuto e meio em que lá esteve para falar da posição do seu país no mundo: “Estamos condenados ao êxito. Juntos, vamos elevar a uma nova escala o trabalho em nome da Rússia”, disse, de sorriso nos lábios, que contrastou com o ar sério e emocionado que envergou em 2012. De facto, com uma reeleição para um quarto mandato com mais de 70% dos votos, não lhe faltam razões para sorrir.