O administrador do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa defende mais estudos sobre as repercussões do uso da canábis para fins terapêuticos e duvida que o hospital venha a ter uma plantação para uso nos doentes. “Francamente gostaria de ver um pouco mais estudadas as eventuais repercussões negativas ou ausência delas, para que isso, de facto, pudesse acontecer”, disse Francisco Ramos, que dirige um dos hospitais que atende mais doentes com cancro.

O cancro é uma das doenças para a qual os defensores do uso da canábis para fins terapêuticos identificam benefícios nesta prática, nomeadamente no alívio da dor. “Enquanto matéria-prima para depois ser usada na produção de um medicamento de efeitos controlados e estudados, nenhum problema. Outra coisa é usar a canábis de forma artesanal”, disse.

Ressalvando que, do ponto de vista do IPO, não deve ter sequer nenhuma posição sobre isso, Francisco Ramos vaticina: “Nunca vamos ter nenhuma plantação de canábis no IPO para uso nos nossos doentes”. O administrador defende mais conhecimento e recorda que “um hospital de referência tem de usar apenas técnicas perfeitamente demonstradas e não técnicas avulso”.

“É preciso conhecer mais. A vantagem que nós temos nesta forma de prestação de cuidados de saúde é que em 99,99% das soluções que adotamos são coisas que alguém já estudou, que alguém já se preocupou em saber quais os impactos positivos e negativos”, frisou.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Por essa razão, acrescentou, é que “é tão caro”. “O nível de preparação daquilo que usamos é tão grande que naturalmente aumenta os custos, mas também nos dá alguma grande tranquilidade quando usamos”. “Por enquanto, não me parece que seja expectável que alguém saia do IPO com uma receita de uma infusão de canábis para aliviar a sua dor, com o máximo respeito por quem defende essa teoria”, concluiu.

O uso medicinal da canábis tem gerado controvérsia, com a Ordem dos Farmacêuticos a manifestar-se contra, alegando falta de dados científicos que comprovem a sua eficácia e segurança, e a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed) a concordar sob condições controladas e específicas.

O ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, concorda com o uso da canábis para fins terapêuticos, desde que bem regulado e com enquadramento rigoroso.

A Ordem dos Médicos reconheceu, num parecer, que existe forte evidência da eficácia da canábis nalguns usos terapêuticos, nomeadamente no alívio da dor crónica em adultos, na esclerose múltipla, no controlo da ansiedade e como antivomitivo no tratamento do cancro. Contudo, avisa que a sua prescrição deve ser exclusivamente médica, enquanto medicamento e não na forma fumada, por esta não estar suficientemente estudada em termos científicos.

O parecer, a cargo do Conselho Nacional da Política do Medicamento da Ordem dos Médicos, aponta para uma associação entre o consumo de canábis e o desenvolvimento de dependência, esquizofrenia e outras psicoses, bem como agravamento de dificuldade respiratória.

Na origem deste debate estão dois projetos de lei, um do Bloco de Esquerda (BE) e o outro do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), que preveem o auto cultivo da planta.

Dificuldades em contratar atingiram proporções preocupantes

A falta de autonomia do IPO de Lisboa para contratar profissionais atingiu proporções preocupantes desde o início do ano, altura em que saíram 15 enfermeiros, que não foram substituídos, segundo o administrador da instituição. “Estamos parados em termos de contratação, o que começa a causar algumas situações muito, muito, muito complicadas que se tentam resolver com solicitações e justificações específicas aos gabinetes ministeriais, na esperança de que as coisas venham a melhorar a curto prazo”, disse Francisco Ramos, em entrevista à agência Lusa.

Entre as situações mais graves, o administrador deste IPO refere a saída de 15 enfermeiros desde o início do ano, sem que tenha sido desbloqueada a sua substituição, centralizada nos ministérios da Saúde e das Finanças. “Espero que as coisas melhorem rapidamente. Esta altura é a mais angustiante”, adiantou, recordando que as dificuldades não são de hoje, mas que se agudizaram desde a entrada em vigor do Orçamento do Estado para este ano.

Se a situação até final do ano passado era de “ausência de autonomia”, na prática as contratações iam chegando. “No fundo, a máquina já estava oleada e funcionava e as autorizações lá iam chegando de forma mais ou menos rápida”.

“Em 2018, desde a entrada do Orçamento do Estado, essa máquina foi desativada e não foi substituída por coisa nenhuma e, portanto, estamos parados em termos de contratação”, adiantou.

No caso dos enfermeiros que saíram desde o início do ano, um número que Francisco Ramos reconhece ser “um pouco mais alto que o habitual”, o que deveria acontecer é a sua substituição, “o que não está a ser possível”. “A minha esperança é que isto volte a ser possível quando sair o famoso decreto lei de execução orçamental e volte a ser instituído o mecanismo burocrático para que isto volte a funcionar”, referiu.

Para Francisco Ramos, “a angústia maior é não conseguir resolver uma situação pontual e ficar preso nesta imensa teia burocrática que nos últimos três meses não dá saída a coisa nenhuma”.

O administrador, que está prestes a iniciar o terceiro mandato à frente deste IPO, sublinha “a facilidade com que se consegue gastar centenas de milhares de euros com um determinado medicamento — o recorde vai em meio milhão de euros num medicamento para um doente durante um ano — e a dificuldade que é gastar 10 mil euros a contratar um assistente operacional que é indispensável para ter a funcionar os cuidados intensivos, o bloco operatório e a unidade de transplantes. “Isto custa muito a perceber para quem está à frente de um hospital público”, disse.

Poupança de 10 milhões em serviços externos com aquisição de equipamento

A aquisição de equipamentos permitiu ao Instituto Português de Oncologia de Lisboa poupar 10 milhões de euros por ano na compra de serviços externos, anunciou hoje o administrador, na véspera da inauguração de um novo aparelho de medicina nuclear. Prestes a iniciar um terceiro mandato à frente do IPO de Lisboa, Francisco Ramos disse à agência Lusa que, há cinco anos, a instituição tinha um acelerador nuclear, insuficiente para as necessidades, e que a resposta passava por adquirir serviços externos.

Atualmente, este IPO conta com sete aceleradores nucleares e a fatura anual com a aquisição de serviços externos baixou de 12 milhões para dois milhões de euros. Francisco Ramos garante que “a mais moderna tecnologia de diagnóstico que existe no país” está no IPO de Lisboa e dá como exemplo a inauguração, na terça-feira, de uma nova câmara-gama com tomografia computorizada, integrada para o Serviço de Medicina Nuclear.

O equipamento custou mais de 800 mil euros e faz parte da nova geração de câmaras-gama, equipamentos que melhoram a acuidade do diagnóstico. É a terceira que o IPO adquire. Segundo Francisco Ramos, esta nova câmara-gama está incluída num conjunto de novos equipamentos que foi possível adquirir com apoio de fundos comunitários.

“Trata-se de um investimento de quase 10 milhões de euros que foi feito ao longo de 2017 e que falta apenas concretizar com o acelerador linear para a radioterapia e que se traduziu no reforço da radioterapia, da medicina nuclear, da radiologia, do parque endoscópico e ainda da área dos laboratórios”, explicou.

O administrador congratula-se por, “apesar das dificuldades que o país atravessou, ter sido possível, nos últimos cinco anos, fazer um investimento muito sério, quer em termos de reabilitação e modernização das instalações, mas também em equipamentos médico cirúrgicos”.

Depois de um atraso “angustiante”, as obras de ampliação do bloco operatório estão finalmente a arrancar. “Já temos tudo o que é necessário para avançar com as obras”, disse, referindo-se às assinaturas em falta que, apesar da verba de cinco milhões de euros atribuída, impediam o seu avanço.

“Foi um processo longo, às vezes angustiantes. Espero que a nossa prenda de Natal seja um bloco operatório novo e com melhores condições para os nossos profissionais e doentes”, adiantou. A realização destas obras faz prever “um ano difícil” em termos de capacidade interna.

“As obras vão ter impacto na capacidade de esticar a produção. O volume normal de cirurgias vai-se manter, mas vamos ter mais dificuldades para, em momentos de pico, poder acompanhar essa procura”, reconheceu.

O IPO vai manter cinco salas operatórias a funcionar, contando com o apoio de um bloco operatório do hospital de campanha do Exército, montado e já a funcionar no jardim do Instituto.

Difícil será melhorar os tempos de espera, tendo Francisco Ramos reconhecido que estes até deverão “piorar um pouco”. A perspetiva é de, dentro de um ano, melhor “e muito” essa capacidade.

Queixas de doentes sobre transporte preocupam IPO

A criação de uma central de transporte para os doentes que se deslocam ao IPO de Lisboa motivou várias queixas de doentes que lamentam uma maior demora, mas a administração insiste na medida e promete melhorá-la.

Desde junho do ano passado que os doentes que se deslocam ao Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa para tratamentos têm de solicitar o transporte na central que este hospital criou e não diretamente aos bombeiros, como até então faziam.

A central tenta depois arranjar um transporte, preferencialmente de vários doentes, o que visa diminuir a despesa nesta área, que atingiu os 7,1 milhões de euros em 2016 e os sete milhões de euros em 2017.

Em entrevista à agência Lusa, o presidente do IPO Lisboa, Francisco Ramos, referiu que, do ponto de vista económico, “a medida tem um impacto positivo”.

“Precisamos de continuar a trabalhar e aperfeiçoar para obter um equilíbrio razoável entre continuar a servir os doentes da melhor forma e minimizar os inconvenientes do transporte múltiplo de doentes”, explicou.

Francisco Ramos entende que, em certos casos, a medida possa obrigar um doente a sair de casa mais cedo e a regressar mais tarde.

“É um incómodo que estamos a suscitar a alguns dos nossos doentes. É um incómodo que assumimos e consideramos inevitável”, adiantou.

O administrador recordou a reação negativa por parte de algumas associações de bombeiros, que chegaram mesmo a recusarem-se a trazer doentes de concelhos que não os seus, mas nestes casos foram encontradas alternativas, como o serviço da Cruz Vermelha Portuguesa ou juntas de freguesia.

“Fazemos cerca de 300 transportes por dia para todos os pontos do sul do país. É um volume de trabalho muito grande que agora começa a normalizar e a estabilizar, mas que durante algum tempo suscitou um volume de reclamações muito grande que naturalmente nos preocupa”, declarou.

Se as reclamações dos utentes preocupam o administrador do IPO, as dos bombeiros nem por isso: “As reclamações por parte das associações de bombeiros serão muito legítimas, mas o IPO não existe para satisfazer as necessidades das corporações dos bombeiros”.

“O que a lei diz é que todos os doentes oncológicos têm direito a que o seu transporte seja assegurado pelo hospital onde o tratamento é prestado. O IPO tem de fazer isso da melhor forma possível, mas também ao menor custo possível”, concluiu.