O projeto de lei ainda não foi votado na sua versão final no Parlamento, mas já está a levantar dúvidas sobre a sua legalidade e até constitucionalidade. A chamada “taxa Uber” prevê que a autoridade reguladora dos transportes venha a atuar como o fisco na fiscalização e liquidação da cobrança e levanta os mesmos problemas legais de outras “contribuições” sobre setores que, na prática, são impostos.

Depois de mais de um ano de impasse no Parlamento, o PS e o PSD fecharam um acordo para criar um regime jurídico para a atividade de transporte individual remunerado de passageiros em veículos descaracterizados, a partir de uma plataforma eletrónica. Aquela que provavelmente ficará conhecida como a lei Uber, ou a taxa Uber, embora se aplique a outras plataformas de transporte individual, cria uma nova contribuição, mais uma, que será cobrada sobre os operadores das plataformas electrónicas.

O valor pode ir até 2% da taxa de intermediação cobrada pelo operador da plataforma eletrónica em todas as suas operações e será fixada por portaria. O diploma prevê a autoliquidação, à semelhança aliás de outras contribuições setoriais controversas como a da energia. Só que neste caso, de acordo com a sociedade de advogados fiscais Rogério Fernandes Ferreira e Associados, caberá à Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) o papel de corrigir essa cobrança em regime de autoliquidação, o que “lhe confere poderes semelhantes aos de uma verdadeira inspeção tributária”.

Os operadores deverão ainda ficar obrigados e enviar todos os meses à AMT informação sobre a atividade realizada, em particular, o número de viagens, o valor faturado individualmente e a taxa de intermediação cobrada. A AMT, o regulador dos transportes, ficará ainda com a possibilidade de pedir o acesso ou o envio de comprovativos das faturas emitidas pelos operadores, bem como realizar as auditorias que considerar necessárias. Só em situações de cobrança coerciva de dívidas por falta de pagamentos é que o processo passa para execução fiscal, mas a certidão emitida pela AMT é o título executivo.

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Numa newsletter dedicada à nova “taxa Uber”, a sociedade de advogados defende que a “criação deste novo tributo, nos termos plasmados no Projeto de Lei aqui em apreço, suscita dúvidas legítimas quanto à sua conformidade, quer com a lei geral tributaria, quer com a própria Constituição da República Portuguesa, podendo vir a ser contestado pelas entidades a ele sujeitas”.

Tal como outras contribuições sobre setores — banca, energia — os contornos desenhados no projeto de lei “parecem aproximar que, enquanto receita tributária, está sujeito a regras que exigem atenção especial por parte do legislador”. E para estes fiscalistas,  não está claro se estamos a falar de um imposto ou outro tipo de tributo. Mas como incide sobre o valor das taxas de intermediação cobradas pelos operadores de plataformas, “parece que estamos perante uma verdadeira tributação do rendimento dos referidos players”.

O novo tributo tem como finalidade compensar os custos administrativos da regulação e da fiscalização da atividade, bem como promover o cumprimento de objetivos de mobilidade urbana. Tal como em outras contribuições, a receita com as taxas cobradas a estes operadores está consignada: 40% vai para o Fundo para o Fundo para o Serviço Público de Transportes, 30% fica na AMT e 30% vai para o Instituto da Mobilidade e dos Transportes.