O valor dos títulos de dívida soberana de Moçambique caiu 7,4%, o montante mais baixo desde o dia 10 de novembro, na sequência da rejeição pelos credores da proposta de reestruturação da dívida, na quarta-feira. De acordo com os dados disponíveis na agência de informação financeira Bloomberg, os títulos de dívida soberana emitidos em abril de 2016, no valor de 727,5 milhões de dólares, caíram para o valor mais baixo desde novembro do ano passando, para 77 cêntimos de dólar.

A queda do valor destes títulos surge na sequência da rejeição da proposta de reestruturação dos mais de 2 mil milhões de dólares de dívida moçambicana, que incluem estes títulos de dívida e dois empréstimos a empresas públicas moçambicanas.

Os contactos entre o Ministério das Finanças e os credores começaram na terça-feira em Londres, e recomeçaram esta manhã, disse à Lusa o representante legal dos credores dos títulos de dívida, Thomas Laryea. O Governo de Moçambique propôs na quarta-feira aos credores e investidores na dívida pública um perdão de 50% da dívida atrasada, ou seja, 318 dos 636 milhões de dólares de dívida que já devia ter sido paga.

De acordo com o documento apresentado esta tarde aos credores em Londres, e a que a Lusa teve acesso, Moçambique propõe um ‘haircut’ [perdão de dívida] de 50% nos juros passados e nas penalizações, caso existam”, e alterações às taxas de juro e à maturidade da emissão de dívida, cujo prazo inicial terminava em 2020 e já foi alargado para 2023 no final de 2016.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

As diretrizes da reestruturação, lê-se no documento, são “um cupão e taxas de juro muito baixas até 2023, uma taxa de juro ou cupão para além de 2023 em níveis moderados para lidar com os constrangimentos no serviço da dívida, um ‘haircut’ nos juros passados e capitalização do saldo, limitadas amortizações até 2028 e oferta de pagamentos em moeda local aos detentores nacionais da dívida”.

Na apresentação aos investidores e credores sobre os passos que o Governo defende para reestruturar a dívida pública, que atingiu níveis insustentáveis para as finanças públicas moçambicanas, o Executivo propõe aos credores a opção de trocarem os títulos por um de três instrumentos financeiros. Em todas elas, a maturidade é alargada em oito, 12 ou 16 anos, sendo que nesta última será pago duas vezes por ano um cupão de 2% até ao quinto ano e depois um de 3% entre o quinto e o décimo ano, que sobe para 6% a partir desse ano. Na prática, Moçambique suaviza as prestações da dívida nos próximos anos e aceita pagar mais no final do período, contando com as receitas do gás natural, que deverão entrar em força a partir da próxima década.

As organizações da sociedade civil têm acusado o Governo de falta de transparência e pediram que o executivo prestasse informação “perante os cidadãos através de um informe em sessão plenária na Assembleia da República”, antes da reunião em Londres, o que não chegou a acontecer. Em causa está um rombo nas contas públicas de Moçambique, que nasceu em 2013 e 2014.

Três empresas públicas com negócios de fachada, segundo uma auditoria internacional da Kroll, contraíram dívidas de cerca de dois mil milhões de dólares (cerca de um oitavo do PIB do país à data) com base em garantias do Estado assinadas à revelia da lei, das autoridades e dos parceiros, naquele que ficou conhecido como o escândalo das dívidas ocultas.

Entre os investidores com que o Governo tem de negociar, há detentores de 727,5 milhões de dólares em títulos de dívida, que já tiveram um corte no rendimento devido ao ‘default’ (incumprimento) de Moçambique na respetiva remuneração.

Os detentores destes títulos (que resultam da troca por obrigações da Ematum) recusam ser equiparados a bancos e investidores que emprestaram os restantes 1,4 mil milhões de dólares às empresas públicas Mozambique Asset Management (MAM) e à Proindicus.

Os bancos que emprestaram o dinheiro foram o Credit Suisse e o russo VTB, cuja atuação está também a ser investigada pela polícia federal (FBI) e Ministério da Justiça dos Estados Unidos, além dos reguladores financeiros do Reino Unido e da Suíça.