É verdade quem em Portugal as golas altas (em inglês “turtleneck”) nem sempre gozaram de boa reputação. E apesar de o estilo remontar aos anos 50 e de ter renascido várias vezes nas décadas seguintes nos belos pescoços de Audrey Hepburn, Marilyn Monroe, Brigitte Bardot, Steve McQueen, Leonard Cohen, nós por cá não conseguimos deixar de associar moda aos anos da revolução de Abril, ao PREC, cabelos compridos e calças à boca de sino.

[Na foto galeria reunimos um conjunto de ícones de estilo que imortalizaram as golas altas e que pode usar como inspiração enquanto a primavera não aquece]

E se esta peça de roupa pela sua elegância e clacissismo está sobretudo associada aos dandys, aqui em terras lusas associamo-las aos nossos intelectuais, coisa que ninguém sabe bem explicar porquê mas ganhou um sentido pejorativo. Ora foram precisamente alguns desses intelectuais, como Vasco Graça Moura ou David Mourão-Ferreira, Cesariny ou Cruzeiro Seixas que mostraram (e mostram) como uma bola gola alta, seja ela de lã, cashmira ou algodão, pode falar de estilo, classe, elegância e personalidade.

Marilyn Monroe, nos anos em que foi casada com o dramaturgo Arthur Miller cultivou as golas altas no melhor estilo intelectual chic

Eles seriam portanto os melhores representantes do charme lusitano na primeira visita a Portugal do já celebre Turtleneck Club que tem hoje esta quinta feira no Grémio Literário de Lisboa. A entrada é apenas com convite mas é certo que Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão e Antero de Quental vão comparecer para tecer comentários maldosos sobre as festas que o americano Craig Judkins criou em 2017, em Karlsruhe, na Alemanha, para celebrar a moda refinada, os cocktails, a boa música e a boa conversa sem telemóveis ao lado e é claro, as golas altas, tornadas aqui símbolo maior de “um tempo mais simples, quando as cartas eram escritas à mão e um copo de bebida tinha personalidade.

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“Não há noite neste mundo que se compare a uma sala cheia de indivíduos a beber cocktails enquanto são transportados para um lugar diferente de qualquer outro”, diz Judkins, o criador do conceito. A única regra: vestir gola alta.

Este ano a última festa da temporada decorre em Lisboa, no exclusivíssimo Grémio Literário, fundado em 1846, num palacete de arquitectura romântica, na rua Ivens, no Chiado, pelos ilustres Almeida Garret, Ramalho Ortigão, Fontes Pereira de Melo, foi o local escolhido para a estreia em Lisboa. O evento vai contara com a presença de 20 embaixadores da marca Hendrick’s, (aproveitando que, por estes dias, eles estão reunidos em Sintra para ministrarem uma série de workshops). Vão estar presentes também o fotógrafo Sebastian Heck  que vai captar os melhores momentos e looks do evento e um DJ que vai passar música dos anos 50. No final da noite haverá ainda um prémio para os dois mais bem vestidos.

Nas festas do Turtleneck Club a única coisa obrigatória é vestir gola alta, caso contrário terá que despir as calças.

Perguntámos a Craig o que o fez escolher Lisboa como destino das suas festas:

“Lisboa tem estado na nossa lista de destinos desde que começámos a viajar para fora da nossa base, na Alemanha. Muito do que é Turtleneck Club está reflectido aqui, e mais: há uma incrível cultura dos cocktails, subculturas únicas e vibrantes, uma boa medida de charme esotérico e a própria cidade é uma verdadeira beleza. Nós voamos de volta por Lisboa quando estávamos a regressar de Miami em dezembro passado e tivemos algum tempo aqui. Estávamos totalmente apaixonados pelo que vimos — uma cidade que lembra alguns de nossos lugares favoritos como São Francisco, Cidade do México, San Diego, mas também algo completamente diferente. É muito moderna, mas é surpreendentemente bem preservada, como um instantâneo do passado.”

Uma vez que a entrada no Turtleneck Club é exclusiva a convidados, quisemos saber como se seleccionam os membros deste clube. A resposta de Craig foi um tanto hermética para os neófitos: “Não selecionamos convidados para nossas festas. Eles selecionam-nos a nós, aplicando o esforço básico para entrar em nossas reuniões: basta usar uma gola alta. Quando essa exigência é atendida, os benefícios da associação são dispensados a todos. Não somos muito exclusivos, como se pode supor. Nós fornecemos uma oportunidade aos nossos membros para brincarem com a ideia de identidade…”. É provável que entrar para este clube seja mais fácil do que parece, mas o melhor é contactar o Turtleneck Club para se tornar membro.

Golas altas, uma viagem retro-sentimental das ruas às passerelles

Vitória Beckam mostra como se vai usar a gola alta no outono/inverno de 2018

Quando, em 2007, Craig Judkins, inventou o conceito e se viu a si mesmo a capitanear um navio como um velho do mar, um Ahab ou um Hemingway, onde o tempo se estendia lento e longo, as noites eram aquecidas com fogo e brasas, as gargantas sorviam gin, fumo de cachimbo e poesia, o mundo da moda estava a pensar noutras coisas, a tecnologia acelerava e as redes sociais estavam ao virar da esquina.

Percebendo que o mundo de que gostava poderia estar a acabar, Craig fundou o Turtleneck Club, para refundar um certo estilo de vida onde como ele gosta de afirmar: “Life was never meant to be cheap”. E por “cheap não se entenda “barato” no sentido económico do termo mas “barato” no sentido de “vulgar”, “banal”, “reles”. Este é o mantra de uma luta por “um estilo de vida onde as pessoas tenham um alto padrão na relação consigo próprias e com as outras, que seja estética e culturalmente refinadas” diz ainda o fundador.

Na última década a vertigem do mundo digital todos os novos comportamentos a ele associados, nomeadamente a incapacidade crescente de se estabelecer relações face a face sem o intermédio de um ecrã, as festas do Turtleneck Club tornaram-se um pequeno reduto de resistência nómada, que anda de país em país entre o início do outono e o início da primavera a espalhar a palavra de que ainda é possível viver de outra forma.

Para quem ainda não se libertou do saudosismo ou da repugnância desses anos convulsivos na nossa vida social e política, está na hora de ficar a saber que o mundo não acha que todos os que vestem golas altas são leitores de Foucault e têm o livro vermelho de Mao no bolso esquerdo do blazer. Se, nos anos 50, 60 e 70, muitos foram os ícones do cinema da moda, da música, da cultura que se converteram às golas altas, nos primeiros anos deste milénio elas têm renascido nas ruas associadas aos hipsters, mais especificamente àqueles que cultivam um certo dandysmo (que convém não confundir com metrossexual).

Craig Judkins, americano a viver na Alemanha onde cria eventos. O Turtleneck Club granjeou-lhe reputação mundial de conservador embora ele afirme votar nos Democratas

As golas altas renascem em paralelo com a alfaiataria, os fatos bem cortados, as barbas longas e bem aparadas, que não envergonhariam os nossos avós republicanos e frequentadores do Grémio. É todo um culto nostálgico que na moda se manifesta no estilo retro e normecore; ou seja culto de uma estética ancorada em várias heranças do passado, da música ao mobiliário, dos discos de vinil, às máquinas polaroid.

Coleção masculina Tom Ford,  outono/inverno 2018

E não não se esgotam nesta festa, pelo contrário. Desde 2017 que os criadores de moda estão a apostar nesta tendência e as coleções de outono/inverno que acabaram de desfilar nas semanas da moda, em Fevereiro, mostram que elas são uma peça transversal nas mais diferentes coleções masculinas e femininas, em especial nas que preconizam linhas mais minimalistas. E se neste inverno elas faziam parte das camisolas de malha largas e grossas, para o ano elas tornar-se-ão mais justas para serem usadas sob vestidos finos e vaporosos, com fatos masculinos ou blusões de pele. Tom Ford, Alexander Wang, Victoria Beckham ou The Row foram algumas das marcas onde a gola alta assumiu estatuto de básico, com uma clara inspiração nos anos 70.

Festa Pop Up do Turtleneck Club, Grémio Literário, Rua Ivens, Lisboa, às 21.30