Nesta quinta-feira, o Portugal Fashion estreou-se no Parque da Cidade do Porto. O maior evento de moda nacional instalou uma grande tenda junto ao rio, onde começou por receber os jovens talentos do momento. Numa tarde dominada pela plataforma Bloom, foram sete os criadores que apresentaram as suas propostas para o outono-inverno 2018/19. Com o cair da noite, três nomes consolidados da moda portuense: Anabela Baldaque, Estelita Mendonça e Júlio Torcato. Enquanto uns precisam de ganhar fôlego para soprar tantas velas, outros dedicam-se a projetar o futuro.

Onde é que, regra geral, os filmes sobre realidades futuristas falham todos? No guarda-roupa. Não, Robert Zemeckis, os nossos atacadores não se apertavam sozinhos em 2015. Foi aqui que Estelita Mendonça quis chegar com a sua coleção para o próximo inverno, uma antecipação bem mais razoável do que a do realizador de Regresso ao Futuro. “Tentei trabalhar esta ideia, de como será a moda do futuro, de um ponto de vista muito cinematográfico. Quando fazes o guarda-roupa de um filme futurista, baseias-te muito naquilo que se passa agora. Vês O 5º Elemento e aquilo são os anos 90 chapados. Quis pensar na roupa do futuro, mas com os materiais que tenho agora, na maneira como se trabalha agora”, afirma o designer, a conversa com o Observador.

Estelita Mendonça © João Porfírio/Observador

Esqueça as silhuetas negras de Matrix ou os uniformes brancos de Iguais, o futuro de Estelita Mendonça é colorido, cheio de detalhes, e combina o melhor de dois mundos: peças construídas com uma alfaiataria perfeita e outras, quase de plástico, que, podendo sobreviver 20, 40, 50 anos, fazem todo o sentido hoje. No fundo, a amplitude de materiais e técnicas só enaltece as habilidade da indústria nacional e o criador faz questão que assim seja. “É muito importante podermos mostrar que a nossa confeção é exímia. Trabalho na Farfetch, passam-me pelas mãos milhões peças e fico chocado com o que vejo. Olho para o meu trabalho, mas também para o da Anabela e do Júlio, a confeção é genial e as peças são vendidas por muito menos do que as de uma Prada ou de uma Balenciaga”, explica.

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Na mesma coleção em que olhou para o futuro, Estelita recuperou uma técnica clássica, os plissados. Milimétricos, emprestaram toda a delicadeza e um toque de feminilidade a calças e camisolas construídas para corpos masculinos. De repente, demos por nós a recordar a simplicidade engenhosa de Issey Miyake e parece que não fomos os únicos. “Encontrei o material, experimentei esta técnica e pensei logo: “Isto vai correr muito mal, vai ser automaticamente Miyake”. Temos de deixar de ser preconceituosos em relação aos materiais e à forma como as coisas se fazem. O Miyake é genial? Sim. Ele faz o que nunca ninguém fez? Sim. Mas tu podes ir lá buscar coisas super interessantes”, conclui o designer.

Ao mesmo tempo que apresenta a coleção para o próximo inverno, Estelita Mendonça repensa a estratégia da marca. Por muito divertido que seja perseguir um conceito até às últimas consequências, vender é uma prioridade. “Começou tudo comigo a pensar no que a marca vai ser daqui para a frente e em como se vai posicionar, tanto a nível de negócio como a nível de conceito. Ter uma marca super conceptual é muito engraçado e dá-me imenso prazer mas nem sempre dá muito dinheiro, não é?”, conta. O exercício foi bem sucedido. O jovem criador parece ter encontrado o equilíbrio entre os seus impulsos criativos e a usabilidade que o mercado da moda exige a toda a hora.

Anabela Baldaque © João Porfírio/Observador

Estelita foi, na verdade, um rosto fresco entre dois veteranos, neste primeiro dia de Portugal Fashion no Porto. Na noite de quinta-feira, a passerelle também foi de Anabela Baldaque. “Aurora”, a coleção, foi cheia de significados — por ser o nome da mãe da criadora, por ser a passagem da noite para o dia e por trazer para o próximo inverno uma paleta de cores muito própria. “Arrojei em várias coisas: tenho preto, quando quase não existe roupa Baldaque preta, calças, uma peça que faço muito pouco, e menos misturas. Nesta coleção, tentei não misturar tantos materiais. Acho que anda toda a gente a fazer isso, então quis fugir àquilo que me é habitual”, explica a criadora ao Observador, poucos minutos após o desfile.

Rosas, salmões, azuis — os padrões são clássicos, as cores solarengas e as mangas as protagonistas do próximo inverno. Através de franzidos, plissados e drapeados, foi com elas que Anabela Baldaque deu estrutura e movimento à coleção. A designer é a primeira a admitir que saiu da sua zona de conforto, embora haja coisas que não mudam. O midi dress continua a ser uma peça central no guarda-roupa Baldaque, ainda leve e solto, 32 anos (de carreira) depois.

Júlio Torcato © João Porfírio/Observador

E por falar em veteranos, o dia fechou com a celebração de uma data bem redonda. Júlio Torcato assinalou, no desfile desta quinta-feira, 30 anos de carreira. Na mistura de alfaiataria e elementos desportivos, o designer encontrou uma receita de sucesso, receita essa que continua a explorar com peças de acabamento metalizado, fatos assertoados, longos vestidos em tecidos técnicos e sobretudos que podem durar uma vida sem se comprometerem com tendências passageiras. Parece que não é para quem quer, é para quem sabe e, ao fim de três décadas, Júlio Torcato já vai sabendo alguma coisa.