Carles Puigdemont foi detido na manhã de domingo em Neumünster, pouco tempo depois de ter entrado em território alemão. A ordem de detenção internacional, emitida pela Justiça espanhola, teve força suficiente para as autoridades alemãs, que decidiram reter o ex-presidente da Catalunha. Esta segunda-feira, Puigdemont foi presente a uma juíza de primeira instância no estado de Scheleswig-Holstein, onde foi confirmada a sua identidade e onde a magistrada optou por manter o suspeito detido.

Abre-se agora um processo em que cabe à Justiça alemã decidir se há ou não fundamentos para extraditar Puigdemont. E o que irá acontecer daqui para a frente? Ora, nos primeiros dez dias desde a sua detenção, Puigdemont tem margem para decidir se quer ele próprio entregar-se à Justiça de Madrid — o que, tendo em conta a sua fuga para a Bélgica, é pouco provável.

Inicia-se então um prazo máximo de 60 dias (a contar desde o dia da ordem de detenção da juíza, neste caso desde domingo) para as autoridades alemãs decidirem se extraditam ou não Puigdemont. O procedimento habitual na Alemanha, explica o ABC, costuma demorar entre 15 a 45 dias. A própria porta-voz do tribunal confirmou que é pouco provável que haja uma decisão sobre a extradição antes da Páscoa, diz a Deutsche Welle.

Assim que a decisão for tomada, a Justiça alemã notifica as autoridades espanholas. Em caso de decisão pela extraditação, os alemães têm novo prazo máximo de dez dias para entregar Puigdemont, conta o El Mundo. O mesmo jornal explica, no entanto, que mesmo em caso de extradição a entrega do suspeito pode ser suspensa. Como? Se forem invocados “motivos humanitários graves”, como perigo de vida ou risco de saúde do ex-presidente catalão. Mas qualquer suspensão deste tipo é sempre provisória.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Crime de “alta traição” alemão é correspondente à “rebelião” espanhola

O tribunal alemão de Scheleswig-Holstein tem agora de decidir se há correspondência entre o delito de rebelião que Puigdemont está acusado em Espanha e outro crime previsto no código penal alemão. O delito de “alta traição”, que prevê penas de dez anos de prisão a pena perpétua, é o mais aproximado, como explica o El Mundo: este crime ocorre quando alguém “com violência ou ameaça de violência” tenta “mudar a ordem constitucional em que se baseia a lei fundamental do Estado”.

Contudo, não é líquido que a extradição de Puigdemont esteja assegurada. A própria juíza que ouviu o suspeito escreveu na ata judicial que esse pedido pode ser negado: “Não há dúvida de que a ordem de detenção europeia inclui indícios de que a extradição da pessoa perseguida, depois de serem totalmente avaliadas as questões judiciais, pode ser negada”, declarou a juíza, segundo o La Vanguardia.

Em causa está o uso de “violência ou ameaça de violência”, exigido nos códigos penais de ambos os países para poder condenar pelos crimes de alta traição e rebelião. As autoridades judiciais espanholas consideram que houve uma instrumentalização da multidão nas ruas catalãs a 20 de setembro, quando uma multidão rodeou o edifício da Concelhia de Economia onde estava reunida uma comissão judicial, o que chega como “ameaça de violência”.

Manifestante coloca papel a dizer “Libertem o nosso Presidente” na fachada do consulado alemão em Barcelona (JOSEP LAGO/AFP/Getty Images)

A Alemanha pode ter um entendimento diferente do que se qualifica como “violência” ou “ameaça de violência”. E o jornal alemão Süddeutsche Zeitung chegou mesmo a citar um documento do Parlamento alemão de 2017 onde se pode ler que “os Estados podem negar a extradição de pessoas que são perseguidas pelas suas ‘convicções políticas’.”

Os media alemães avançam com a hipótese de, caso não haja concordância nesta matéria, Puigdemont ser extraditado apenas com base no crime de mau uso de dinheiros públicos. Essa hipótese, contudo, não agradará aos espanhóis, já que em vez dos 30 anos de prisão de pena máxima prevista para o crime de rebelião agravada, Puigdemont enfrentaria apenas a possibilidade de uma pena máxima de seis anos. Foi precisamente por essa razão, explica o La Vanguardia, que o Supremo retirou a ordem de detenção europeia depois de a Bélgica ter recusado a extradição pelo crime de rebelião — já que a renovar o pedido, a extradição poderia agora ocorrer por este crime de pena menor.

De qualquer das formas, é irrelevante se a Justiça alemã considera ou não que há base para condenar Puigdemont por qualquer dos crimes. “Em caso de ordem de detenção europeia”, resumiu o professor catedrático de Direito Penal Martin Heger à revista Der Spiegel, “as autoridades judiciais locais só verificam se se cumprem os requisitos formais. Ou seja, se o ato em causa é punível por nós [alemães] e se a pessoa procurada está acusada de isso.”