Quase 40% dos militares portugueses em regime contratual estão insatisfeitos, revelou esta quarta-feira o diretor-geral de Recursos de Defesa Nacional, que defende que “há um problema no modelo” de profissionalização que pode ter “efeito de contágio” no recrutamento. “Na avaliação como percurso profissional desenvolvido nas Forças Armadas, no conjunto dos três ramos, quase 39% dos militares assumiram-se insatisfeitos. Neste domínio, acresce a percentagem de 24,5% de militares em regime de contrato que se mostram indiferentes com o seu percurso profissional, o que também não pode ser considerado positivo”, revelou Alberto Coelho.

Estes são os primeiros dados de um estudo da direção-geral de Recursos de Defesa, que ainda não foi divulgado na sua totalidade, e que apontam também para que “o número de ex-militares em situação de desemprego registado corresponde a 40% do total dos militares atualmente em regime de contrato”. “Estes dados, aos quais posso acrescentar que 37% dos militares já ponderaram rescindir o contrato, são suficientes para que se perceba que há um problema no modelo e que poderá ter um efeito de contágio pernicioso”, defendeu Alberto Coelho.

No mesmo sentido, quase 46% dos inquiridos afirmaram que a informação que lhe foi transmitida no ingresso nas Forças Armadas “não correspondeu à realidade que encontraram” e 43% concretizaram “as expectativas que tinham quando ingressaram”. “Estamos, em conjunto com os ramos, a analisar o porquê destas situações, porque se não resolvermos estes problemas corremos o risco de pôr em causa a profissionalização, não por desajustamentos ou deficiências do modelo, mas sim por não ter sido implementado devidamente em todas as suas dimensões”, defendeu.

Uma dessas dimensões é a certificação profissional, avançou Alberto Coelho, que, 14 anos depois de instituído o modelo de profissionalização nas Forças Armadas, ainda está por concretizar. O estudo mostra que os salários não são o motivo central de descontentamento, revelou. “Se se conseguir atuar também no regime remuneratório, tendo em conta o esbatimento entre a diferença entre o salário mínimo nacional e o salário de uma praça, que neste momento não chega aos 40 euros, também poderá ser relevante”, disse, sublinhando, contudo, que “as questões remuneratórias revelaram-se menos determinantes que as restantes”.

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Alberto Coelho adiantou, de forma mais genérica, outros dados, recolhidos, desde 2005, no Dia da Defesa Nacional junto de jovens de 18 anos, que mostram que as Forças Armadas continuam a ser atrativas, embora apontem para um problema na atração de jovens mais qualificados. “Temos um problema de atratividade junto dos jovens mais escolarizados. Temos algum potencial de atratividade junto dos jovens com o 12º ano, que até tem vindo a melhorar, mas é clara esta influência de sentido negativo”, afirmou.

A tese defendida pelo diretor-geral de Recursos da Defesa, a partir destes dados, é que os problemas de recrutamento e retenção das Forças Armadas residem, não numa ausência de predisposição dos jovens para ingressarem nas suas fileiras, mas na experiência dos militares contratados. “Do meu ponto de vista, a atuação mais urgente e prioritária é dentro do percurso profissional, pois acredito que dificilmente conseguiremos atrair mais jovens sem conseguir incrementar a valorização dos que temos”, defendeu Alberto Coelho. Para o diretor-geral é “necessário aumentar níveis de satisfação com o percurso profissional, pois permitirá aumentar a retenção e terá um efeito reprodutivo no recrutamento”.

A qualidade da formação, a correspondência entre esta formação e as funções, a melhoria das condições do apoio, nomeadamente, alojamentos e alimentação, e a preparação da transição para a vida civil são alguns dos principais aspetos a cuidar. “É um modelo complexo e muito exigente que não pode ser gerido com uma cultura organizacional assente nos princípios do serviço militar obrigatório, isto é, afastada da necessidade de gerar qualificação e potencial de empregabilidade aos militares”, defendeu. Alberto Coelho salientou, sem detalhar, que a “situação é diferente de ramo para ramo”.

“Em alguns ramos 70% dos militares afirmaram que recomendariam o ingresso a um amigo, há outros em que esses 70% correspondem aos que não fazem essa recomendação”, revelou.