A Autoridade Tributária já tinha esclarecido que o pagamento de remuneração a um administrador de uma entidade de solidariedade social, em função dos resultados, levaria à perda da isenção fiscal prevista no código do IRC, o imposto sobre as empresas. Numa informação vinculativa com despacho com data de 25 de maio de 2010, já o fisco respondia: “Para que fique prejudicado o direito àquela isenção, basta que um só membro dos órgãos estatutários tenha interesse direto ou indireto nos resultados da atividade económica prosseguida”.

Esta resposta, dada no quadro de um pedido de informação vinculativa, antecipa em quase oito anos, a posição assumida em 2018 pela autoridade tributária a pedido da Associação Mutualista Montepio Geral que confirmou a perda de isenção fiscal por parte desta entidade de solidariedade social, com efeito a partir de 2017. Na resposta dada em 2010, o fisco já dizia que os órgãos estatutários destas entidades “podem ser remunerados, mas apenas pela função que desempenham nesses órgãos e desde que essa remuneração seja feita através de pagamentos fixos mensais, que não sejam determinados em função dos resultados de exploração”. Referia contudo que a aferição do cumprimento ou não requisito em questão dependeria sempre da avaliação do caso concreto.

Os dois pedidos de informação vinculativos, o de 2010 cujo requerente não é conhecido, e o de 2018, que foi apresentado pela associação mutualista dona da caixa económica Montepio, foram só agora divulgados pela Autoridade Tributária (no final de março) e confirmam a informação já conhecida: a introdução de remuneração variável atribuída em função dos resultados da associação determina o fim da isenção fiscal no pagamento do IRC sobre os lucros desta entidade. Isto porque se deixa de cumprir a condição de “inexistência de qualquer interesse direto ou indireto dos membros dos órgãos estatutários nos resultados de exploração das atividades económicas prosseguidas pelas entidades”.

Na sequência desta indicação, a associação mutualista contabilizou nas contas do ano passado como ativo por imposto diferido um ganho fiscal de 808,5 milhões de euros, por força dos prejuízos passados. A operação contabilística permitiu-lhe ultrapassar a situação de capitais próprios negativos e apresentar lucros de 587,5 milhões de euros, mas gerou uma grande polémica e várias perguntas dos partidos ao Ministério das Finanças.

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Apesar de invocar o sigilo fiscal para evitar falar sobre a situação de um determinado contribuinte, em resposta a um requerimento do CDS, o gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais — António Mendonça Mendes — responde assim pelo ministro das Finanças. “O cálculo dos ativos por impostos diferidos — os tais 808,5 milhões de euros — sendo um montante que não é relevante para efeitos de determinação da matéria coletável, é da responsabilidade exclusiva da entidade que emite o relatório e contas, neste caso a Associação Mutualista, e não do Ministério das Finanças ou de qualquer serviço por este tutelado”.

O ministério liderado por Mário Centeno descarta assim qualquer intervenção ou papel na contabilização dos tais créditos fiscais futuros que suscitaram várias acusações de maquilhagem ou criatividade contabilística. Bem como na decisão de “eventual pagamento de prémios de gestão aos membros dos órgãos estatutários”.

Na resposta dada em março deste ano à associação mutualista — e que é assinada pela subdiretora-geral dos Impostos sobre o Rendimento e Relações Internacionais — o fisco explica:

No caso de uma associação com o estatuto de IPSS (instituição particular de solidariedade social), isenta de IRC ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 10% do CIRC (Código do IRC), existindo membros dos órgãos estatutários que passaram a auferir uma remuneração variável indexada ao excedente anual (lucro) gerado pela associação, considera-se que deixou de estar verificado o requisito previsto (…) O não cumprimento dos requisitos referidos (…) determina a perda de isenção, a partir do correspondente período de tributação inclusive — a entidade perde a isenção de IRC a partir do correspondente período de tributação.”

A resposta não diz qual foi a alteração — nem quando foi introduzida — que levou à atribuição de remuneração variável na associação mutualista. Limita-se a constatar que aconteceu e adianta que no novo enquadramento tributário da associação, o que determina a forma de cálculo da matéria coletável (sujeita a impostos) é facto desta exercer a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, ainda que o objetivo não seja o lucro.

Como a associação procede à criação e oferta de produtos e serviços no âmbito de um grupo económico — os produtos de poupança que são vendidos nos balcões da caixa económica — comparáveis a soluções existentes no mercado, “considera-se que a mesma desenvolve, a título principal, operações económicas de carácter empresarial”, sujeitas à tributação de IRC.