O tema é delicado e entrou em força no discurso político nacional: a crise diplomática com a Rússia. Começou no Reino Unido, mas já outros 17 países europeus decidiram expulsar diplomatas russos dos seus territórios em resposta ao caso do envenenamento de um ex-espião russo em solo britânico. A questão coloca pressão sobre o Governo português, que apenas decidiu chamar a Lisboa o embaixador português em Moscovo. O ministro dos Negócios Estrangeiros esteve esta terça-feira no Parlamento e aos deputados não quis dizer quase nada, estava “um urso na sala”, queixava-se o CDS. Fora da sala onde decorreu a audição parlamentar, aos jornalistas, o ministro já disse que “a crise diplomática está longe do fim” e que “está tudo em aberto” de parte a parte.

“Estamos ainda numa crise diplomática que está longe do seu fim. Da mesma maneira que Portugal se reserva a posição de fazer evoluir as medidas que adotou de acordo com a evolução do processo em causa, também aceito que a federação russa siga o mesmo princípio, está tudo ainda em aberto”, disse Augusto Santos Silva sobre a tensão crescente e as declarações do embaixador russo em Portugal, esta segunda-feira. O ministro detalhou que Portugal começou por “participar na decisão da União Europeia, depois na decisão da NATO, para expulsar diplomatas russos. Estamos vinculados a uma decisão do Conselho Europeu nos termos da qual nos coordenaremos uns com os outros nas ações que entendermos necessárias face às respostas ou ausência de respostas da federação russa” e depois rematou: “Todas as medidas estão em aberto”.

Mas lá dentro perante os deputados, na audição sobre diplomacia económica na comissão parlamentar de economia, o ministro acabou por se escudar no tema da reunião para evitar o tema mais polémico do momento — com o consentimento do PSD que aceitou não trazer à audição a questão da crise diplomática russa. Foram o Bloco de Esquerda e o CDS que insistiram com Santos Silva, que começou logo por avisar que estaria na quarta-feira logo pela manhã no Parlamento para uma audição conjunta das comissões dos Negócios Estrangeiros e Assuntos Europeus apenas dedicada ao tema.

Ainda assim, Heitor Sousa, do BE, confrontou o ministro com o distanciamento do Governo português face aos “discursos anti-russófilos” sem nunca “descartar a possibilidade de seguir as medidas de expulsão de diplomatas já adotadas por outros países da União Europeia”. O deputado questionou o ministro especificamente com o peso das relações económicas entre Portugal e Rússia numa decisão mais radical, de corte de relações diplomáticas com o país que o ministro Santos Silva visitou ainda no final de fevereiro, encontrando-se com o seu homólogo, Serguei Lavrov, para falar das “relações económicas, temas de política externa, incluindo a relação entre a NATO e a Rússia, a política da Rússia face a países que são aliados de Portugal”, segundo disse então o próprio Santos Silva.

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Que países expulsaram e os que não expulsaram diplomatas russos

Agora, em resposta direta ao BE, o ministro começou por admitir a importância do mercado russo, nomeadamente o facto de o país ser “o 11º fornecedor de Portugal, em particular de combustíveis minerais”. Mas isto para logo a seguir garantir que não faz “uma distinção clara entre o que é relacionamento económico e questões que tem a ver com direitos humanos e o direito internacional”. “Não é por ter relacionamento económico que eu vou deixar de ser mais exigente em matéria de cumprimento da lei internacional”, rematou. E rematou mesmo.

A investida seguinte, de Pedro Mota Soares (CDS), veio em jeito de provocação. Na primeira hora de audição tinham falado de diplomacia económica: “Não posso ignorar o elefante que está no meio da sala, ou melhor o urso [símbolo da Rússia] que está no meio da sala”.  E perguntava sem rodeios: “Quais os argumentos que levaram o Governo português a não expulsar diplomatas russos como aconteceu com a grande maioria dos nosso parceiros na UE?”. Mas o ministro não disse mais sobre o tema do que aquilo que já tinha deixado na resposta ao Bloco.

Elogio a João Lourenço e a “expectativa” portuguesa

Numa relação bilateral noutro sentido (Angola), o ministro foi confrontado pelo PSD com a queda das “exportações desde setembro”. Coincidência, com a relação tensa com o país — fruto da investigação e acusação ao vice-presidente Manuel Vicente na operação Fizz– ou não? Na resposta, o ministro contornou a questão de um abrandamento, dizendo que Portugal vive “um período de alguma expetativa” relativamente a Angola.

E porquê? “Sendo claros os avanços muito importantes do ponto de vista político-institucional, que têm ocorrido em Angola no mandato do presidente João Lourenço” Portugal tem “boa expectativa em avanços análogos que possam ser realizados no plano orçamental e económico”, afirmou o ministro Santos Silva.