A direita quer medidas mais radicais de Portugal face à Rússia (embora não toda), a esquerda quer garantias da credibilidade das informações dos aliados (para não repetir o Iraque em 2003). O Governo tenta equilibrar-se algures a meio entre os parceiros parlamentares (PCP e BE) e o parceiro tradicional em matérias de política externa (PSD), e ainda considerando a posição da União Europeia. O que faz então? Espera. Não vai mais longe a não ser no âmbito de uma decisão do Conselho Europeu (que volta a reunir-se a 16 de abril), confia nas informações do Reino Unido, apesar de aguardar mais factos, e defende a “precaução” para evitar “regressar à bipolaridade da Guerra Fria”.

Foi isto que o ministro dos Negócios Estrangeiros foi dizer esta quarta-feira ao Parlamento, num reunião conjunta das comissões parlamentares de Negócios Estrangeiros, Assuntos Europeus e Defesa dedicada exclusivamente à crise diplomática com a Rússia, depois do ataque em Salisbury (Reino Unido) com veneno a um ex-espião russo (Skripal) e à sua filha. No dia anterior já tinha dito que o assunto está longe de estar fechado , nesta audição nunca disse quanto tempo levará até Portugal rever a suspensão de diálogo com a Rússia (que foi que aconteceu, na prática, quando chamou para consulta o embaixador português em Moscovo) — “a “decisão inicial apropriada”, como lhe chamou” e que vai manter-se pelo “tempo que for necessário. Disse sim, que a posição depende da informação sobre o real envolvimento russo no ataque e que, por agora, “estamos ao nível da imputação”.

Eu propus ao Govenro que procedessemos em estrita conformidade com as alianças que temos e com prudência e cautela porque não lidamos ainda com certezas. Podemos vir a lidar com certezas e aí teremos de agir em consequência”, disse o MNE

A propósito, apontou para uma reunião esta quarta-feira, da Organização para a Proibição das Armas Químicas, onde está representado Portugal, e que “pode ajudar a esclarecer elementos factuais”. E isto porque “não lidamos ainda com certezas”, disse o ministro. Esta terça-feira um laboratório britânico não ter conseguido confirmar a ligação entre o veneno usado e a Rússia.

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Este foi o contexto ideal para a esquerda acenar com um fantasma do passado: as supostas armas de destruição maciça que existiriam no Iraque, em 2003, e que justificaram a intervenção militar, num acordo firmado na Base das Lages que juntou Estados Unidos e Reino Unido, numa coligação apoiada por Portugal e Espanha. Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda, disse lembrar-se da “fotografia de subserviência de Portugal na cimeira da base das Lages“, dizendo que o país “foi manietado pela aldrabice de outros estados” e que PSD e CDS (então no Governo) “não aprenderam e continuam a defender a política do rebanho”. No PCP, António Filipe, insistia na pergunta: “Existem provas do envolvimento russo?”

Foi aqui que Santos Silva jurou confiança total nas informações do Reino Unido. “As autoridades europeias continuam a falar de alta probabilidade” na relação entre o ataque a a Rússia e com que base? “Nas informações judiciais e outras, que as autoridades britânicas me transmitem e, sim, eu acredito nos meus aliados e sei bem os cuidados que eles tomam na informação que me dão” e garantiu nesta audição: “Todos aprendemos com 2003/2004”. Por outro lado, também sustenta a posição do Governo português na “ausência de explicações alternativas” e no “histórico recente” da Rússia.

Que países expulsaram e os que não expulsaram diplomatas russos

A garantia do ministro não mereceu mais comentários do Bloco de Esquerda, mas António Filipe voltou à carga e chegou mesmo a referir que “na guerra do Iraque o Governo portugês também confiou nos seus aliados” e mais: “Acredita em tudo o que Donald Trump, outro aliado, disser?” E a Rússia? “O ministro Serguei Lavrov também nega” a responsabilidade russa, “atribui-lhe credibilidade”. Na resposta, Santos Silva fez a distinção e disse que “Portugal não é aliado da Rússia, nem a Rússia é aliada de Portugal”. E ainda disse: “Sim acreditamos nos nossos aliados, sobretudo os que são de democracia, temos aliados que não têm um padrão de democracia de Westminster e do Parlamento britânico”.

No PSD, a posição é outra — e até mais vincada do que no CDS, pelo menos nesta audição — com o deputado Carlos Costa Neves a considerar a posição portuguesa “uma óbvia a quebra de solidariedade em relação aos nosso principais parceiros”. A poisção, disse ainda, tem tanto de “contradição como de fragilidade” e falou no “abraço de urso que PCP e BE procuram dar nesta matéria para vincar posições anti-europeias e anti-NATO”. A argumentação do PSD tem sido esta, que o PS está condicionado pela “geringonça” nesta matéria concreta.

Santos Silva ripostou com dois argumentos. Disse que o que Portugal fez não é assim tão pouco. E deu exemplos: “Portugal suspendeu os contacto diplomáticos com a Federação Russa ao nível político, preservando a operacionalidade da sua embaixada. A Alemanha, por exemplo, expulsou diplomatas russos e ao mesmo tempo vai avançar com a construção do gasoduto que liga a Rússia à Alemanha. Compreendo, cada um defende o seu interesse nacional”, rematou o ministro que chegou a admitir, a dada altura da audição, que “Portugal não tem outros diplomas em funções em Moscovo que desempenhem outras funções não diplomáticas”. O outro nível de argumentação do Governo é “que é preciso mostrar firmeza face a actos hostis, mas manter o diálogo político“. Motivo? Não ressuscitar a “bipolaridade da guerra fria”. O ministro chegou também a referir a importância de acordos “recentes e antigos” no “multilateralismo” português, para justificar não romper o diálogo com a Rússia: “Os nossos aliados sabem que Portugal é um grande facilitador”.

Já não explorou a dissidência que entretanto foi exposta no PSD, quando Paula Teixeira da Cruz pediu a palavra para dizer: “Não concordo com a expulsão de diplomatas russos”, uma posição que é defendida pela sua bancada parlamentar. “Sobretudo quando não há certezas”, explicou ainda. Mas isto sem deixar de atacar o Governo pela “contradição” de estar com os parceiros da NATO mas não fazer mais do que chamar o embaixador em Moscovo para consultas: “Tem de agradar aos seus parceiros de coligação” em Portugal, PCP e BE.