Esta “história” conta-se em quatro actos. Acto 1: o chinês Li Shufu, dono da Geely, mas também da Volvo, contactou a Daimler (Mercedes e Smart) informando-os que estava interessado em tornar-se um accionista de referência e questionando-os se estariam interessados em estabelecer condições especiais. Acto 2: A Daimler mandou Shufu ‘passear’, fazendo saber que se quisesse adquirir acções, que fosse negociá-las na bolsa. Acto 3: Shufu foi efectivamente ao mercado e comprou 9,7% das acções do grupo alemão, tornando-se no maior accionista. Acto 4: a Daimler, simpaticamente e através do seu porta-voz, Joerg Howe, deu as boas-vindas ao novo accionista, mas questionada sobre a possibilidade de as marcas virem a trabalhar juntas, especialmente no mercado chinês, afirmou prontamente que “seria altamente improvável”, pois não só não viam o que a Geely tinha para oferecer à Daimler, como já existia um acordo anterior com outro grupo chinês, a BAIC.

Chinês dono da Volvo é o maior na Mercedes

Baixado o pano e passado pouco mais de um mês, eis que a Daimler – como seria de prever, porque nas empresas money talks – realizou uma marcha-atrás perfeita. Numa reunião em Berlim e perante 6.000 accionistas, o CEO da Daimler Dieter Zetsche começou por congratular-se pelo positivo que têm sido as conversações com Li Shufu. Mas, ao contrário do que afirmou Joerg Howe, Dieter admitiu o óbvio:

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A China é o nosso maior mercado e todas as discussões futuras vão incluir o nosso maior accionista”. Ou seja, Shufu.

É claro que os acordos vigentes com a BAIC, que é detida pelo Estado chinês, têm de ser cumpridas, mas vem aí a produção de carros eléctricos e ‘há pano para mangas’ para fazer novos acordos, em que esteja presente a Geely e não a BAIC. E como Li Shufu nunca fez questão em negar que o seu interesse principal na Daimler, além do acesso a uma fatia dos importantes lucros do grupo alemão, reside na partilha da tecnologia que Shufu está convencido que a Mercedes detém no campo das baterias, esta opção serve-lhe na perfeição.

Numa reunião de accionistas em que o dono da Geely fez questão em não estar presente, tendo enviado um representante, Dieter Zetsche foi mais longe e reconheceu mesmo que “a presença de Li Shufu como accionista abre-nos uma série de novas possibilidades”. Ou seja, em apenas um mês, o chinês passou de “besta a bestial”, para utilizar uma terminologia mais popular. E a explicação para esta mudança de “humor” é muito simples, pois com tanto capital disperso em bolsa, se Shufu adquiriu facilmente 9,7% da Daimler por 7,3 mil milhões de euros, sem que ninguém o pudesse evitar, será igualmente simples continuar a elevar a fasquia até 20% – ou até mais, pois acesso a capital é coisa que não falta para os lados da Geely –, o que lhe daria um maior peso na administração e, quem sabe, transformar Dieter (ou um seu substituto) num potencial homem de mão.