O escritor mexicano Sergio Pitol Demeneghi, Prémio Cervantes de Literatura 2005, morreu na quinta-feira, aos 85 anos, na sua casa em Xalapa, capital do estado mexicano de Veracruz, indicou esta sexta-feira a família. Além de escritor, tradutor e defensor dos animais, Pitol foi um incansável viajante e promotor da literatura universal enquanto diplomata, capaz de transgredir géneros literários e de criar uma literatura cosmopolita impregnada de “um tom de loucura”, como ele mesmo dizia, com que apelava para a liberdade como valor supremo do ser humano.

Nascido em Puebla, em 1933, e órfão aos quatro anos, foi criado pela avó, na comunidade açucareira de El Potrero, no estado de Veracruz, habitada por uma colónia de italianos nostálgicos de um passado melhor, e herdou dela a paixão pela leitura. Aos 12 anos, quando já tinha devorado a obra de Júlio Verne, Robert Louis Stevenson, Charles Dickens e Leon Tolstoi, foi para a cidade veracruzana de Córdoba, antes de emigrar para a capital do país em 1950 para estudar Direito na Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM).

Ali conheceu alguns dos seus grandes amigos, como o escritor Carlos Fuentes e o exilado espanhol Manuel Pedroso, através de quem se aproximou da obra de Alfonso Reyes e da pintura de Diego Rivera, que o impressionaram. Em 1958, devido a participações na revista Estaciones, travou uma profunda amizade com os escritores Carlos Mosiváis e José Emilio Pacheco.

Em 1961, foi viver para fora do México durante 25 anos, num período que o levaria a Roma, Londres, Varsóvia e Pequim e, anos mais tarde, a Paris, Budapeste, Moscovo e Praga. Recordaria para sempre a importância daqueles anos: “Eu vivi no exílio maravilhosamente. Enamorei-me de cidades como se fossem seres humanos”, afirmou.

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Escritor itinerante, poliglota e tradutor, exilado por vontade própria durante quase três décadas, Pitol considerou “imprescindíveis” essas viagens que o aproximaram de tradições literárias pouco conhecidas no mundo hispânico de então, sobretudo as da Europa de Leste. A sua técnica literária era muito particular: “O meu método de trabalho não me permite a menor invenção, tenho de conhecer as personagens, ter falado com elas, para poder recriá-las. Não posso descrever uma casa em que não estive”.

Narrador, ensaísta, autor de memórias, crítica e crónicas, foi influenciado por Jorge Luis Borges e William Faulkner nos seus primeiros anos, e por Virginia Woolf e E.M. Forster na sua etapa viajante posterior. Mais tarde, sofreu a influência de Mikhail Bakhtin e do mundo do carnaval, antes de se lançar numa etapa final dominada pela dissolução dos géneros e cânones literários, a partir da publicação daquele que é considerado um dos seus melhores romances: “El Desfile del Amor” (1984).

Reconheceu também que os intelectuais espanhóis exilados no México, como María Zambrano, José Bergamín, Luis Cernuda e José Moreno Villa marcaram a sua forma de escrever e representaram uma influência fundamental na sua obra. Do autor de uma obra eminentemente memorialística, destacam-se títulos como “Nocturno de Bujara” (1981), “El Tañido de una Flauta” (1973), “El Mago de Viena” (2005) e a trilogia “El Desfile del Amor” (1984), “Domar na Divina Garza” (1988) e “A Vida Conjugal” (1991, o único publicado em Portugal), conhecida como Tríptico de Carnaval.

Escreveu todas as suas obras à mão e em papel, por considerar o lápis uma extensão do seu braço e de si mesmo com que transmitia as emoções. A escritora mexicana Elena Poniatowska disse dele que era a encarnação do século XIX: “É estranho que um homem seja uma paisagem, mas Sergio Pitol é-o”. Entre os galardões que recebeu, e que sempre lhe causavam algum embaraço, por ser muito modesto, destacam-se o Prémio Herralde de Novela, o Juan Rulfo, da Feira do Livro de Guadalajara, em 1999, o Xavier Villaurrutia, em 1981, e o Nacional de Literatura, em 1993.

Em 1997, foi eleito membro da Academia Mexicana da Língua. Os seus últimos anos foram marcados pela doença que lhe foi diagnosticada, afasia primária progressiva, que lhe foi dificultando a fala até, durante o último ano, o votar ao silêncio. Passou o fim da vida na sua casa do centro de Xalapa, uma moradia povoada pela sua coleção de 12.000 livros doados, na sua morte, à Universidade Veracruzana, uma das maiores universidades públicas do sudeste do país.