Depois do Programa de Estabilidade, conhecido esta sexta-feira, o ataque dos Estados Unidos, França e Reino Unido à Síria, voltou a dividir o Executivo e os partidos que o apoiam no Parlamento.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros foi o primeiro a reagir na manhã de sábado manifestando compreensão pelos motivos e oportunidade do bombardeamento.
“Portugal compreende as razões e a oportunidade desta intervenção militar. O regime sírio deve assumir plenamente as suas responsabilidades. É inaceitável o recurso a meios e formas de guerra que a humanidade não pode tolerar”.
O gabinete de Santos Silva sublinha que o ataque teve como alvo a “capacidades de armamento químico da Síria” e que foi conduzido por três países amigos e aliados de Portugal, os Estados Unidos, a França e o Reino Unido. Assinala ainda que se tratou de uma “operação militar circunscrita, cujo objetivo foi infligir danos à estrutura de produção e distribuição de armas que são estritamente proibidas pelo direito internacional.”
Apesar da compreensão, Portugal diz que é preciso “evitar qualquer escalada no conflito sírio, que gere ainda mais insegurança, instabilidade e sofrimento na região”. E citando o secretário-geral das ONU, António Guterres, defende a abertura de “investigações independentes” para apurar e punir responsabilidades por crimes de guerra. Apela ainda à contenção no uso da força e pede empenho “na procura de uma solução política, negociada e pacífica, para o conflito na Síria, que representa hoje uma muito séria ameaça à paz e segurança no mundo.”
A posição do Governo é secundada pelo Presidente da República que retoma as palavras do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
“Memória, orgulho e coragem nos reúnem aqui hoje, Forças Armadas e Portugal, num dia em que Portugal já manifestou pelo seu Governo a compreensão para com a razão e a oportunidade da intervenção de três amigos e aliados, limitada a estruturas de produção e distribuição de armas estritamente proibidas pelo direito internacional e cujo uso é intolerável e condenável”, disse Marcelo Rebelo de Sousa durante as cerimónias do Dia do Combatente, centenário da Batalha de La Lys no Mosteiro da Batalha.
O Presidente destacou ainda que a posição do Executivo “apelava a uma investigação independente sobre crimes de guerra e a uma solução política negociada e pacífica, dramaticamente urgente, a pensar naquele povo martirizado”.
O porta-voz do CDS-PP, João Almeida, disse que o partido compreende os ataques desta madrugada a alvos associados à produção de armas químicas na Síria, mas manifestou preocupação com a escalada de violência no país. João Almeida defendeu que deve ser encontrada uma solução no quadro das Nações Unidas.
“Estamos preocupados com a escalada de violência e condenamos a utilização de armas químicas e, tal como já disse o Presidente da República, compreendemos a posição e a intervenção dos aliados e consideramos que é desejável que, no quadro das Nações Unidas, seja encontrada uma solução o mais rapidamente possível”, disse João Almeida à agência Lusa.
Do outro lado desta reação, o Partido Comunista foi duro na condenação do ataque que qualifica de “inaceitável” e uma “flagrante violação e afronta” à Carta das Nações Unidas e ao direito internacional”. Para além de defender que Portugal se deve demarcar deste ato, o PCP “repudia a posição do Governo português e considera que, no respeito pela Constituição da República, Portugal se deve demarcar deste inaceitável ato de agressão, pugnar pelo fim da agressão à Síria e apoiar as iniciativas em curso para o diálogo e a paz”.
Em comunicado, o partido considera que o ataque foi realizado sob o “pretexto de uma alegada e não comprovada utilização de armas químicas em Douma, cuja responsabilidade a Síria rejeita, tendo-se disponibilizado a contribuir para o cabal apuramento do que se passou”. No entender do PCP, o ataque “assume particular e esclarecedor significado”, já que o bombardeamento dos EUA e seus aliados foi efetuado “no momento em que peritos internacionais chegam à Síria para investigar a alegada utilização de armas químicas em Douma”.
Mais moderado na crítica ao Executivo, o Bloco de Esquerda também diz que Portugal se deve “distanciar claramente da escalada militarista internacional.” Mas está com o PCP na condenação inequívoca ao raide.
“O Bloco de Esquerda condena o ataque e apela à resolução pacífica do conflito sírio no quadro do Direito Internacional, garantindo aos povos da Síria a escolha livre e democrática sobre o seu futuro”, lê-se no comunicado divulgado pelo partido.
O BE considera que o uso de armas químicas na Síria é “absolutamente inaceitável e deve ser investigado”, mas afirma também que “este ataque não resulta de nenhum apuramento real e foi feito à margem das Nações Unidas”.
Já no sábado à tarde, o PSD foi mais claro do que o Governo no suporte aos ataques: “Apoia sem a ambiguidade a iniciativa dos aliados” de Portugal.
“Ainda que seja aconselhável a maior prudência para evitar uma escalada de violência na região, o PSD apoia sem ambiguidade a iniciativa dos seus aliados, que vai no sentido de deixar claro que o uso de armas químicas é uma linha vermelha que não pode ser ultrapassada sem uma resposta que dissuada o Estado infrator de repetir esse tipo de prática.” Apesar deste apoio, os social-democratas defendem também que o conflito sírio “só terá uma solução política”. E essa solução “só podia ser desencadeada por uma ação assertiva e determinada de Estados que, como Portugal, respeitam as normas, regras, leis e instituições da ordem internacional.”
Ofensiva também divide líderes internacionais
O raide sobre a Síria também dividiu as reações internacionais, entre o apoio e a condenação, mas não houve surpresas face ao alinhamento conhecido das potências mundiais e regionais em relação ao conflito na região. Em apoio ao ataque contra as capacidade de produção de armas químicas estiveram os aliados tradicionais dos Estados Unidos na região, como a Turquia e a Arábia Saudita, bem como os líderes dos países da União Europeia, incluindo os que não participaram na ofensiva, e a NATO.
Contra o ataque falaram as potências próximas mais alinhadas com Rússia nesta questão como a China. Vladimir Putin, que tem mostrado um apoio incondicional ao regime de Bashar al-Assad, e os responsáveis do seu Governo foram os mais veementes nas críticas e ameaçaram que haverá consequências. A Rússia já convocou uma reunião urgente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que deverá realizar-se ainda este sábado (hora de Nova Iorque), para debater o tema.
Também o Irão, envolvido no conflito ao lado do líder sírio, condenou a ofensiva dos Estados Unidos, França e Reino Unido.