Depois do crucifixo, da foice e do martelo, eis que sem Deus e sem ideologias políticas as novas gerações adoram símbolos das suas marcas preferidas; os dois “G” entrelaçados da Gucci, os dois “C” da Chanel ou o “LV” da Louis Vuitton, a maçã mordida da Apple, o “swoosh” da Nike. No meio do vórtice da informação digital e das redes sociais que nos tornaram insaciáveis de imagens e novidades, as marcas perceberam duas coisas: que no meio dos destroços de todos os objetos que estação após estação se tornam destroços, só a força do símbolo e do seu nome permanece sólido e coeso. E que o continuo e omnipresente chamamento para o futuro nos faz procurar nostalgicamente, nas paisagens do passado, uma barragem contra a passagem do tempo.

O “souper dress “criado por Andy Warhol em 1966, na pré-história da logomania

É neste misto de triunfo e pesadelo que as tribos urbanas como os Hipsters procuram resistir criando o culto das coisas antigas, o estilo “old school”, o que sobrevive às modas, o que carrega referencias artísticas atemporais, o que não é efémero. É nesta atualidade constantemente submetida a “refreshments” que os millennial buscam referencias estáveis nas décadas de 80 e 90 e cultivam o puritano normecore, que a Geração Z se entrega de braços abertos ao apelo das marcas fazendo lembrar a ostentação, o exibicionismo e o individualismo dos yuppies dos anos 80. E e que a geração Y, agora entre os 40 e os 50, tenta decidir o que fazer com a herança do grunge e de algumas ideologias políticas e sociais. É neste caldo cultural e social que vemos renascer a Logomania. O movimento que no final dos anos 80 início dos 90 fez o design gráfico triunfar sobre o design de moda e tornou os nomes mais determinantes que o corte, a forma ou a cor das roupas.

O jornalista e colunista do jornal Business of FashionLiroy Choufan ou Susie Bubble, uma das mais interessantes bloggers de moda da atualidade, já escreveram sobre esta tendência e, se ambos concordam que ela vem a reboque da nostalgia dos millennial pelos anos 90, na sua tentativa de recriarem o horizonte da sua infância e adolescência, ambos discordam sobre as razões que estão a levar as marcas de luxo a embarcar nesta tendência.

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As Destiny Child, nos anos 90, em pleno auge da logomania

Nos anos 80, quando a Logomania surge, ela está ligada è perda de relevância das marcas de luxo, para marcas como a Gap, a Benneton, as marcas de roupa desportiva, mas também a reação das classes mais altas aos excessos da moda dos anos 80. A renovação começa então na procura de roupas básicas, como T-shirts e sweatshirts mas que não renunciavam a uma certa ostentação de status social. Daí a importância de terem o nome da marca ou o logótipo bem visíveis. As marcas de luxo acabaram por integrar a ideia e o que estava habitualmente no interior da roupa, o símbolo e o nome da marca, passaou a estar impresso na parte da frente das camisolas, nas mangas, na fivela dos cintos, nas malas… A Gucci, a Versace, a Chanel, a Calvin Klein tornaram-se parte da paisagem da moda, para não falar das variações destes nomes feitas pelo mercado da contrafação.

Porém, antes mesmo do final da década de 90, já esta tendência se tinha tornado o paradigma do kitsch, do mau gosto, em suma, tornou-se “piroso”. E assim ficou até 2017 quando Denma Gvasalia, o criador da Vetements, marca de culto dos hipsters, fez desfilar uma T-shirt amarela com o símbolo da DHL. A ironia do criador, também responsável por reerguer das cinzas a meia branca de riscas, foi entendida pelo mundo da moda como um repto e, um ano depois, a logomania renasceu em todo o seu esplendor. Seja porque ela fala a linguagem sintética da internet e, ao mesmo tempo, tem a força comunicativa de um símbolo ou seja, é aquilo que permanece no nosso cérebro entre a parafernália de selfies, desfiles, publicidade, como defende Susie Bubble. Seja porque as marcas de luxo precisam de justificar os seus preços num mercado onde muitos outros estão a produzir com a mesma ou mais qualidade, mas que (ainda) não têm a força de um nome, como sugere Liroy Choufan.

 Logomania 2018, à conquista das redes sociais

A educação ensina-nos que há coisas que não se exibem: a riqueza, a generosidade, a sabedoria e o luxo. Seria impensável que Cristobal Balenciaga escrevesse o seu nome na parte de trás de uma peça de roupa, como Gvasalia faz agora que está ao leme da casa do costureiro basco. O luxo era discreto, estava nas formas, nos cortes exímios, nas texturas dos tecidos. Agora, pelo contrário, tornou-se assertivo, declarativo como um uniforme de uma tribo ou barroco como um carnaval. Nas malas, nos lenços, nas costas dos casacos, nos ténis, nas botas, em ornamentos metálicos, dourados, em pedrarias coloridas, bordados, aplicações ou em letras garrafais, o que importa é o logo, o nome ou apenas a contração da palavra como fez a Valentino que este verão estará em modo VLTN.

A T-shirt DHL de Denma Gvasalia (Vetements) que trouxe a logomania para o século XXI

No meio desta cacofonia há, para uns, um genuíno culto emocional das marcas, elas são investidas de memórias, afetos, imaginários e até formas de empoderamento e, para outros, um novo riquismo exibicionista ou ingénuo. Há mesmo quem se pergunte: como posso usar um logótipo sem que o logótipo me use a mim? É difícil mas não é impossível. 

Ainda que pareça um paradoxo, a melhor forma de usar um elemento excessivo é fazê-lo com simplicidade e/ou ironia. Por isso, para os ateus da moda, as propostas mais divertidas são as que foram buscar logótipos retro de marcas de refrigerantes (Marc Jacobs ou Stradivarius) num jogo que já Andy Warhol tinha jogado quando em 1966 fez um vestido com prints das latas de Campbell’s Soup.

O que sobrará da logomania? A capacidade de nos fazer rir como esta mala da Gucci.

Mas também a Pepe Jeans, a Fila, a Diadora, a (recém-redescoberta) Fiorucci foram aos seus próprios arquivos e recuperaram os antigos logos e cores e propondo peças que envergamos como um objeto cultural sem sentir que estamos a fazer publicidade gratuita e ainda pagamos por isso. O ideal é não usar mais do que uma peça como logos ao mesmo tempo, porque a fronteira entre o estilo e a poluição visual é curta. Se a ideia é ostentar um símbolo o melhor é que todas as outras peças de roupa e acessórios sejam mais sóbrias nas formas e nas cores.