O livro “A mente aprisionada”, do escritor polaco Czeslaw Milosz, Prémio Nobel da Literatura, considerado um clássico no estudo do totalitarismo, foi escrito durante o exílio do autor e chega a Portugal 65 anos depois da publicação original.

“Este livro foi escrito entre 1951 e 1952, em Paris, quando a maioria dos intelectuais franceses não via com bons olhos a dependência do seu país em relação à ajuda americana, e depositava as suas esperanças no novo mundo a Leste, governando por um líder de uma sabedoria e de uma virtude incomparáveis: Estaline”.

Assim começa Czeslaw Milosz (1911-2004) o livro, numa nota do autor aditada em 1981, em que afirma que aqueles que se atreviam a mencionar uma rede de campos de trabalhos forçados como alicerce de um suposto sistema socialista eram atacados e ostracizados pelos seus pares.

Editado em 1953, o livro desagradou a quase todos, mas, com o passar dos anos, “os factos confirmaram o seu conteúdo e o livro aguenta-se bem sob os ataques, venham eles de uma fação ou de outra”, acrescenta o autor.

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“Talvez na minha parte da Europa, várias das minhas análises surjam como óbvias, mas o poder de atração do pensamento totalitário seja ele de esquerda ou de direita, não é coisa do passado; pelo contrário, parece estar a aumentar”, considera o autor.

O tema em discussão na obra é a vulnerabilidade da mente do século XX, perante as doutrinas sociopolíticas e a sua predisposição para aceitar “o terror do totalitarismo em nome de um futuro hipotético”, explica. O livro transcende limitações de tempo e de lugar, quando explora as causas profundas do anseio por uma certeza qualquer, por mais ilusória que seja. Editado em Portugal pela Cavalo de Ferro, “A mente aprisionada” é considerada uma obra fundamental e um clássico no estudo do totalitarismo.

Através de pequenas narrativas biográficas de intelectuais polacos e a sua relação com o regime comunista em vigor, Milosz descreve o completo domínio social que o totalitarismo exerceu à época, “ao subjugar o espírito e as ideias por meio da ‘transmissão orgânica’ de um pensamento único”, refere a editora.

Milosz descreve o seu livro como uma “viagem” pelo mundo habitado pelos intelectuais de Varsóvia, de Praga, de Bucareste e de Budapeste, que lhe é familiar, mas que ao leitor poderá parecer “estranho”, no qual tenta explicar “como funciona a mente numa democracia popular”.

E se o conseguiu, foi porque “o sistema inventado por Moscovo” lhe parecia “estranho”: “Toda a civilização, se olhada de uma perspetiva simples e ingénua, apresentará uma série de características bizarras, mas que todos aceitam como perfeitamente naturais porque lhes são familiares”.

Ao mesmo tempo, Milosz utilizou o seu livro como “um campo de batalha”, no qual deu forma ao seu combate contra a doutrina que rejeitou, utilizando um método particular: o de dar armas ao inimigo, seguir a sua argumentação e, em alguns casos, copiar-lhe o raciocínio.

“Por outras palavras, procuro recriar as etapas ao longo das quais a mente vai cedendo a uma compulsão exterior e refazer o caminho que, nas democracias populares, conduz os homens à ortodoxia”, explica o autor. Na opinião da editora, Milosz resume de forma clara essa visão do mundo e a obediência ao seu “método sedutor e persuasivo num conjunto de textos inovadores, à época polémicos, que anteciparam dissidências e denúncias do estalinismo”.

“A mente aprisionada” é — segundo a Cavalo de Ferro — um livro escrito com um estilo narrativo incisivo e sardónico, erudito e eloquente, que conjuga reflexão filosófica e política, com descrição biográfica quase ficcional.