O que dizem as leis sobre os crimes de corrupção em Portugal, Angola, Moçambique e Macau? É essa a resposta que o Guia Anticorrupção apresentado pela Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados (MLGTS) pretende fornecer. “Sendo a corrupção um fenómeno de natureza global e que exige uma resposta global, é também verdade que a prevenção deve, cada vez mais, ser adaptada localmente. Nesse sentido, este guia pretende essencialmente ajudar as empresas que desenvolvem negócio – ou que pretendem vir a desenvolver –  nesses países a conhecerem as principais regras aplicáveis nesta matéria“, explica ao Observador uma das advogadas responsáveis pela publicação, Filipa Marques Júnior.

O guia está organizado em 18 perguntas e mostra que nestes quatro países “o fenómeno da corrupção é enfrentado com leis exigentes, bem estruturadas, que refletem uma vontade dos respetivos Estados em combater este fenómeno”, acrescenta Filipa Marques Júnior. Em Portugal, há um regime legal próprio para o titular de cargo político ou alto cargo público que no exercício das suas funções receba uma vantagem patrimonial ou não indevida como contrapartida de um ato ou omissão, licito ou ilícito. As leis angolanas, moçambicanas e macaenses não fazem esta distinção, mas estabelecem leis anticorrupção próprias para os funcionários públicos. Na década de 90, inclusive,  foi também aprovada uma lei em Angola destinada aos crimes praticados por titulares de cargos de responsabilidade e de participação económica em negócios (em que se incluem membros do governo, diretores de faculdades e responsáveis municipais por exemplo).

Dar um presente é corromper?

Outra das diferenças entre as legislações são a própria definição de pagamentos de facilitação, presentes ou pura hospitalidade. Em Portugal, “vantagem indevida”, é qualquer benefício que alguém possa ter, logo podem incluir-se os pagamentos de facilitação, presentes e simples gestos de hospitalidade — a menos que sejam considerados usos e costumes socialmente aceites. Para não existirem dúvidas, este Governo aprovou uma resolução que estabelece que nenhum governante pode receber mais de 150 euros em presentes por ano. Em Angola, a lei é semelhante à portuguesa. Em Moçambique nem sequer há referência à exceção para aquilo que se convencionou ser de “usos e costumes”. Em Macau não existe uma norma específica, mas vale a própria definição do que é uma “vantagem indevida”. E aí não difere muito dos outros países.

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Quanto aos denunciantes do crime, por exemplo, também há diferenças. A lei portuguesa não estabelece um regime especial de proteção a quem comunica um crime às autoridades e até ajuda à sua resolução, mas existem várias disposições na lei que permitem proteger ou atenuar a pena de quem o faça. Em Macau o regime é semelhante. Em Moçambique, a lei elenca uma série de proteções e de direitos que devem ser garantidos ao denunciante. A lei angolana, por seu turno, não prevê qualquer proteção a quem denunciar um crime de corrupção.

Em Portugal, entre 2014 e 2017, segundo um Relatório Síntese 2014-2017 sobre Corrupção e Criminalidade Conexa aprsentado pela Procuradoria Geral da República, foram abertos 2 014 dos inquéritos relacionados com crimes de corrupção, o que representou 36,2% do conjunto de crimes. Mas nem todos em condenação. “Uma acusação é o culminar de uma investigação onde, muitas vezes, a defesa não teve oportunidade de fazer um verdadeiro contraditório. O momento próprio para tal é, por natureza, o julgamento. É nessa sede que se confronta e testa a prova obtida e o sucesso de uma acusação depende, a maior parte das vezes, do tipo de investigação que lhe está subjacente, no sentido de saber se foram analisados todos os ângulos, teses e hipóteses”, considera a advogada.

Lei devia prever departamentos de Compliance

Para Filipa Marques Júnior, a lei destes países ainda não deu um passo que em Espanha já foi dado e que visa proteger as empresas da responsabilidade criminal em caso de corrupção. “Os casos em que as empresas podem ver excluída a sua responsabilidade criminal com a demonstração da existência de programas de compliance efectivos”, explica. “Julgamos que uma referência expressa a esta possibilidade permitiria uma maior confiança dos investidores no momento de decidirem prosseguir os seus negócios nas jurisdições analisadas neste guia”, acrescenta.

O Guia foi preparado pela MLGTS Legal Circle, que inclui a MLGTS, a ALC Advogados (Angola), a Henriques, Rocha & Associados (Moçambique) e a MdME (Macau), e apresentado pelos advogados Rui Patrício, Tiago Félix da Costa, Filipa Marques Júnior e Duarte Santana Lopes, da MLGTS  — que também assegura a defesa do ex-vice-presidente angolano, Manuel Vicente, em Portugal, no âmbito do caso Fizz em que foi alvo de um processo crime por corrupção.