Ernesto Tchihihavo é o administrador da histórica Baía dos Tigres, nomeado há mais de 10 anos pelo Estado angolano, mas administra uma área de 100 quilómetros quadrados sem população e à qual nem o próprio consegue chegar. Foi junto ao deserto do Namibe, no município do Tômbwa, que a agência Lusa encontrou o administrador comunal da Baía dos Tigres, a mais de 150 quilómetros de distância daquele que, outrora, foi um dos maiores centros de pesca em Angola.

“A Baía dos Tigres hoje é ilha. As intempéries da natureza, associadas à falta de água, fizeram com que as pessoas que lá habitavam a abandonassem”, começa por relatar Ernesto Manuel Tchihihavo. A pequena vila foi fundada por pescadores do Algarve, por volta de 1860, mas séculos antes já tinha entrado nos mapas de portugueses e ingleses pela invulgar quantidade e qualidade de peixe, que lhe valeu a alcunha de “Great Fish Bay”.

Com 35 quilómetros de comprimento por, no ponto máximo, 10 quilómetros de largura, foi habitada por pescadores portugueses até ao final do período colonial, em 1975, e no local ainda existem dezenas de casas desse tempo, grande parte tomada pela areia do deserto. Um hospital com os símbolos de Portugal ou uma escola são outros vestígios que a areia do deserto, que vai cobrindo a agora ilha, ainda não tapou por completo.

Desde a saída dos colonos portugueses, e após o rompimento do estreito canal que ligava a terra e posteriormente com a rutura da conduta de abastecimento de água potável, a pequena vila ficou votada ao abandono.

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“É um dos melhores portos de Angola, a julgarmos pelo seu potencial pesqueiro, mas turístico também”, sublinha o administrador, que ainda tentou viver na Baía dos Tigres entre 2012 e 2014, com o apoio de uma empresa de pesca que regularmente lhe levava água potável e alimentos. “A situação tornou-se insustentável”, recorda Ernesto, sobre a sua saída definitiva daquela povoação. Também por terra caíram projetos incluindo pequenas centrais de dessalinização, para tentar fazer regressar a vida àquela vila, e outras soluções de repovoamento, ao longo dos anos.

De visita ao local, numa das raras viagens que ali podem ser realizadas, a Lusa encontrou uma aldeia fantasma, parada no tempo. Ao centro, entre o hospital, a casa do administrador e dezenas de outras residências, já de dois andares, para permitir deixar passar a areia levada pelo vento, surge uma larga rua. É artéria principal e que outrora servia igualmente como pista de aterragem para pequenas aeronaves.

Reza a história que em 1973, a então povoação de São Martinho dos Tigres contava 400 casas, habitadas por 1.068 pessoas, com todas as famílias dependentes da pesca. O governo da província do Namibe chegou a iniciar, em 1999, um estudo sobre a Baía dos Tigres, com vista à sua recuperação, mas a pretensão foi travada pela falta de financiamento.

“No passado contribuiu significativamente para a balança económica do país. Havia lá um grémio de pesca, quero destacar a pescaria Santos e Cabeças. Na pós-independência ficou abandonada”, desabafa o administrador.

Depois de anos sem autoridade, em que se tornou ponto central da atividade pesqueira ilegal no sul de Angola, o Estado recuperou, do ponto de vista formal, a sua administração, em 1996.

“O Executivo angolano achou por bem que havia toda a necessidade de repor a administração local do estado para protegermos os recursos marinhos biológicos”, explica ainda, recordando a “pesca ilegal e incontrolável” que se fez até então naquela área.

Historicamente conhecida pelos recursos pesqueiros, a comunidade algarvia que fundou a Baía dos Tigres instalou ali atividades de salga e seca de pescado e fábricas de farinha de peixe, num total de 14 indústrias. Armazéns que ainda hoje são visíveis, por entre a areia, alimentados então à força de braços de reclusos da então cadeia de São Nicolau, no Namibe.

Afastado da ‘sua’ área de administração, à qual raramente consegue aceder, Ernesto Manuel Tchihihavo diz que o turismo de aventura, associado à pesca, pode fazer regressar a vida à Baía dos Tigres. Garante mesmo que há condições para a fixação de uma comunidade com cerca de 750 pessoas, desde que as condições mínimas sejam garantidas: “Primeiro é preciso a construção da conduta de água potável a partir da foz do rio Cunene, que são 60 quilómetros, e a reposição do estimo, que desde 1962 se desligou da plataforma continental. E uma ponte cais, para atracar com segurança, porque por via terrestre já não é praticável”.

Um repovoamento que, aponta, está a ser novamente pensado pelas autoridades da província e que seria essencial para “alavancar a atividade pesqueira” no sul de Angola. “Para que a Baía dos Tigres volte a ser o que foi no passado. É um bom lugar para viver, podemos praticar turismo de aventura e pesca, é um gigante adormecido”, conta. “Não quer dizer que a Baía dos Tigres está abandonada, está esquecida”, insiste.

Quanto ao nome, um dos eternos mistérios locais, Ernesto admite que várias versões sobre a sua origem chegaram aos dias de hoje. Diz também que “é raro encontrar o tigre no sudeste de Angola”. Outra versão fala de cães de grande porte que, há séculos, foram abandonados na baía e que se tornaram selvagens.

Contudo, prefere a explicação mais óbvia: “É pelo ruído do tocar do vento, as pessoas denominaram como se fosse o rugir de um tigre. Porque tigres, como tal, não existiram lá”, remata.