O Tribunal Judicial de Leiria começa a julgar na quarta-feira um médico, uma farmacêutica e o marido desta por alegadamente terem lesado o Serviço Nacional de Saúde (SNS) em 657.808,17 euros com receitas forjadas. Em causa estão crimes de burla qualificada, corrupção e falsificação de documento, de acordo com o despacho de acusação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), no qual estão elencadas as 8.659 receitas supostamente forjadas, de acordo com contas feitas pela agência Lusa.

O Ministério Público pede ainda que o médico e a farmacêutica, esta respondendo no processo também em representação da farmácia, localizada na Chamusca, distrito de Santarém, sejam condenados na pena acessória de interdição do exercício da função pública. Segundo o despacho, de 537 páginas e emitido em 05 de junho de 2017, “pelo menos entre setembro de 2010 e dezembro de 2013” os arguidos “atuaram como um grupo, de forma concertada e organizada”, para “obterem elevadas vantagens patrimoniais ilegítimas, resultantes da obtenção fraudulenta de comparticipações de medicamentos pagas pelo SNS”.

A farmacêutica e marido aliciaram o clínico — que aceitou – “a emitir receitas médicas forjadas com prescrição de medicamentos que lhe indicassem, que estes posteriormente processariam simulando o seu aviamento” naquela farmácia, receitas que o médico emitiria no âmbito da sua atividade no setor privado — sobretudo em lares – e em instituição pública do SNS, concretamente no hospital de Caldas da Rainha, no distrito de Leiria. O DCIAP explica que o “esquema fraudulento” passava pela obtenção de receitas forjadas emitidas pelo médico em nome de utentes do SNS “com prescrição de medicamentos selecionados, preferencialmente em função da elevada comparticipação do SNS no seu pagamento, em regra entre os 69% e os 100%”.

Simulado o aviamento das receitas na farmácia, seguia-se o pedido ao Centro de Conferência de Faturas do SNS do pagamento “da parte do preço dos medicamentos correspondente à comparticipação” e, após a receção dos “lucros indevidos”, estes eram distribuídos “entre todos eles”, adianta o despacho de acusação. O DCIAP adianta que a seleção dos utentes do SNS em nome dos quais eram emitidas as receitas médicas forjadas “cabia a qualquer um dos arguidos”, enquanto a seleção dos medicamentos era feita pela farmacêutica e marido.

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“Nas receitas forjadas que emitia, como se se tratasse de receitas médicas emitidas em consultório privado, [o médico] usava designadamente a identificação de utentes de lares onde prestava serviço”, refere o DCIAP. Já nas receitas forjadas emitidas como se se tratasse de consultório público, o médico “usava também a identificação de utentes” do hospital de Caldas da Rainha, utilizando, principalmente nomes de doentes que “ali se dirigiram em episódios de urgências ou consulta externa e que foram por si atendidos a quem prescrevera anteriormente medicamentos por estes necessitados” e inscrevia nas receitas forjadas “medicamentos que aqueles utentes nunca tomaram”.

“A prescrição do receituário era feita pelo arguido (…) sem prévia existência de qualquer ato médico que o justificasse, com a medicação pré-definida nas listagens que recebia”, lê-se no documento, sustentando que na posse das receitas o casal simulava o seu aviamento na farmácia, “apondo no verso” as assinaturas/rubricas “como se dos utentes identificados nas receitas médicas ou pessoas em sua legítima representação” se tratasse.

O despacho acrescenta que “o que se pode constatar”, desde logo pela análise feita pela Unidade de Exploração de Informação do Ministério da Saúde, é que, “durante parte do período em que estes factos foram levados a cabo, os dez utentes” do médico “com maior número de receitas aviadas na farmácia” arguida aviavam habitualmente as suas receitas noutros locais. O julgamento, por um tribunal coletivo, está previsto iniciar às 09h30 de quarta-feira.